Foto: Antônio Augusto/Secom/PGR |
A pedido da PGR, ministros do Supremo repudiam ação policial nas universidades e confirmam nulidade dos atos. Decisão foi unânime
"A
única força legitimada para invadir as universidades é a das
ideias, livres e plurais. Qualquer outra que ali ingresse é tirana,
e tirania é o exato contrário da democracia".
A
afirmação é da ministra Cármen Lúcia e foi feita nesta
quarta-feira (31), no Plenário do Supremo Tribunal Federal
(STF) ). Por unanimidade, os ministros da Corte mantiveram a liminar
concedida pela magistrada, que suspendeu decisões de juízes
eleitorais que autorizaram a entrada da polícia em universidades de
todo o país. Sob a justificativa de coibir propaganda eleitoral
irregular, a ação policial realizada às vésperas do segundo turno
das Eleições 2018 visou à apreensão de materiais de campanha
eleitoral e à proibição de aulas e reuniões de natureza política.
O STF atendeu ao pedido feito pela procuradora-geral da República,
Raquel Dodge, em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF), e confirmou a nulidade desses atos. A ADPF foi apresentada
pela PGR, na última sexta-feira (26) com o intuito de defender os
conceitos constitucionais de liberdade de expressão, de livre
manifestação de pensamento, de cátedra e a autonomia
universitária.
Durante
o julgamento, Raquel Dodge frisou que os princípios norteadores de
ensino previstos na Constituição Federal – o pluralismo de
ideias, a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber – visam garantir que o ensino não se
revista apenas do caráter informativo, mas de formação de ideia. A
PGR ainda destacou que as ações policiais também feriram a
autonomia das universidades, que se qualifica como típica garantia
institucional de direitos fundamentais.
O
entendimento é de que as garantias institucionais “são
proteções reforçadas conferidas pela Constituição a determinadas
instituições e institutos, a partir da crença da sua importância
máxima para a sociedade e para o sistema jurídico”.
Raquel
Dodge leu, no Plenário, nota divulgada pelo diretor da Faculdade de
Direito da USP, Floriano Peixoto de Azevedo Marques, sobre as medidas
realizadas nas universidades.
“As
diferentes opções ideológicas, econômicas, políticas, de gênero,
religião ou eleitorais devem ser respeitadas. Muitas visões de
mundo são possíveis. Mas, na democracia há valores e princípios
que são inegociáveis: a liberdade do indivíduo, a intimidade, a
dignidade do ser humano, o direito à vida e à sua integridade
física, o respeito às diferenças, o compromisso com a verdade e
com as eleições periódicas, a liberdade de pensar e de se
expressar”.
A
procuradora-geral ressaltou, ainda, a agilidade da Corte em pautar o
julgamento, enfatizando que as decisões eleitorais contrariaram a
jurisprudência do STF que, reiteradamente, tem afirmado a liberdade
de manifestação do pensamento e de comunicação. Nessa terça-feira
(30), a PGR enviou ao STF, memorial reafirmando o posicionamento do
MPF em relação à defesa da liberdade de expressão nas
universidades públicas.
A
relatora da ADPF, ministra Cármen Lúcia, iniciou o voto ressaltando
que os atos realizados nas instituições de ensino são
incompatíveis com os termos constitucionais.
“As
práticas contrariam o Brasil como Estado constitucionalmente
formalizado como Democrático de Direito. Relembro Ulysses Guimarães,
que afirmou que traidor da Constituição é traidor da Pátria".
A
magistrada chamou atenção para o fato de que as medidas adotadas
nas universidades contrariaram o princípio da democracia.
“Não
há direito democrático sem respeito às liberdades. Não há
pluralismo na unanimidade, pelo que se contrapor ao diferente e à
livre manifestação de todas as formas de pensar, de aprender,
apreender e manifestar uma compreensão do mundo é algemar
liberdades, destruir o direito e exterminar a democracia”.
Ao
apontar que alguns policiais entraram em universidades para operação
de busca e apreensão sem sequer apresentar a decisão judicial,
Cármen Lúcia defendeu que qualquer ato estatal contra a liberdade
de manifestação é afrontoso, sobretudo, na área do ensino
universitário.
"Quando
alguém acha que pode invadir qualquer espaço, privado ou público,
e, nesse caso, uma universidade, instituição plural em seu
nome, universitas,
e mesmo assim alega estar a interpretar o Direito, impõe-se sinal de
alerta para restabelecimento do Estado Democrático no Direito mais
justo",
disse a ministra.
Votos –
Todos os demais ministros acompanharam integralmente a relatora e
votaram a favor da nulidade das ações realizadas nas universidades
na última semana.
Ao
se manifestar, o ministro Alexandre de Moraes questionou as decisões
eleitorais.
"Como uma decisão judicial pode proibir a
ocorrência de uma aula que vai ocorrer ainda? A Constituição, no
caso da liberdade de reunião, é muito clara: não se exige
autorização, prévia comunicação", argumentou.
Já
Gilmar Mendes lembrou que na Alemanha, em 1933, foram queimados
livros com o intuito de perseguir autores que não se alinhavam ao
regime nazista.
"A
democracia depende da mais difícil das educações e da maior
quantidade de educação. A educação que é treino, que é
domesticação, e a educação que é a formação do homem livre e
sadio. A democracia é, assim, o regime em que a educação é o
supremo dever, a suprema função do Estado", destacou.
Na
opinião do ministro Luís Roberto Barroso, confundiram liberdade de
expressão com propaganda eleitoral. Ele defendeu que quando há
tensões entre liberdade de expressão e outros valores, ainda que
constitucionais, a liberdade de expressão tem preferência.
"Em
nome da religião, em nome da segurança pública, em nome do
anticomunismo, da moral, da família, dos bons costumes e outros
pretextos, a história brasileira na matéria tem sido assinalada
pela intolerância, perseguição e cerceamento da liberdade",
ponderou.
Ao
votar, Edson Fachin revelou que analisou as decisões que autorizaram
as ações de autoridades nas universidades e disse que em nenhuma
delas há referência ao exercício de liberdade de expressão nas
universidades. O magistrado frisou que é somente no ambiente das
instituições que se prepara as pessoas para reconhecerem, na
pluralidade, o melhor governo, a melhor decisão, a melhor lei e o
melhor argumento.
“Sem
educação, não há cidadania. Sem liberdade de ensino e de
pensamento, não há democracia", declarou.
A
ministra Rosa Weber, que também exerce o cargo de presidente do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) destacou que a Justiça Eleitoral,
na interpretação da legislação, não pode fechar os olhos para os
direitos, as liberdades e os princípios fundamentais assegurados
pela Constituição da República.
“O
uso desmedido e ilegítimo da força por agentes estatais, ainda mais
grave quando sequer respaldado por decisões da Justiça Eleitoral,
ecoa dias sombrios na história brasileira", disse, em
referência ao período de ditadura militar no Brasil.
Último
a se manifestar, o ministro Celso de Mello também fez referência à
ditadura e relembrou julgamentos da época porque, segundo o
magistrado, eles acabam se repetindo.
“Se
impõe construir e preservar espaços de liberdade, em tudo
compatíveis com o sentido democrático que anima nossas instituições
políticas, jurídicas e sociais para que o pensamento jamais seja
reprimido".
O
decano do STF defendeu que o direito de criticar, de opinar, de
ensinar, de debater, de dissentir, qualquer que seja o meio ou o
espaço de sua veiculação, especialmente quando manifestado no
âmbito universitário, significa irradiação das liberdades de
pensamento.
O
presidente do STF, ministro Dias Toffoli, e o ministro Ricardo
Lewandowski, tinham compromissos e não aprofundaram seus votos mas
também acompanharam integralmente o voto da relatora.
Fonte:
"mpf"
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