terça-feira, 13 de novembro de 2018

Ex-procurador-geral de Justiça do Rio levou R$ 7,2 mi em propina, diz Promotoria

O ex-procurador-geral de Justiça do Rio Cláudio Lopes, em 2011. Foto: WILTON JÚNIOR/ ESTADÃO

Ministério Público do Rio afirma que o ex-procurador-geral de Justiça do Estado Cláudio Lopes recebeu R$ 7,2 milhões – valores atualizados – em propina entre 2009 e 2012, período em que comandou a instituição. Cláudio Lopes foi preso no dia 8 por ordem do Tribunal de Justiça do Rio, denunciado por associação criminosacorrupção passiva e quebra de sigilo funcional.

A organização criminosa liderada pelo ex-governador SÉRGIO CABRAL, formada em janeiro de 2007, conforme demonstrado na ação penal decorrente da denominada Operação Calicute, deflagrada pelo Ministério Público Federal, estabeleceu, no final do ano de 2008, mais um tentáculo à sua complexa estrutura, com a arregimentação do então candidato a Procurador-Geral de Justiça CLÁUDIO SOARES LOPES, cooptado pela organização criminosa durante a sua campanha para ocupar a chefia do Ministério Público Estadual, quando recebeu R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) de WILSON CARLOS(*), por ordem do então Governador SÉRGIO CABRAL. 

(*)WILSON CARLOS, amigo de infância do ex-governador SÉRGIO CABRAL e Secretário de Estado de Governo entre janeiro de 2007 e abril de 2014, exercia função de extrema confiança de operador do núcleo administrativo da organização criminosa, responsável por negociar, controlar e cobrar o pagamento das propinas pelas empreiteiras envolvidas no esquema.  

Cláudio Lopes foi nomeado procurador-geral de Justiça por Sérgio Cabral no início de janeiro de 2009 e, a partir de março do mesmo ano, passou a receber a quantia mensal de R$ 150 mil, o que perdurou até o término de seu segundo mandato à frente do MP estadual, em dezembro de 2012”, afirmou o Ministério Público.

Ao se associar à quadrilha comandada por Sérgio Cabral, Cláudio Lopes submeteu o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro ao maior revés de sua rica história, expondo a instituição ao vexame, traindo a confiança dos membros que o colocaram no topo da lista tríplice encaminhada ao Governador e submetendo o interesse institucional e da sociedade à troca de nefastas vantagens econômicas pessoais”, afirmou Ricardo Ribeiro Martins (procurador-geral de Justiça em exercício).

Apurações

CLÁUDIO LOPES recebeu vantagem indevida em pagamentos mensais de propina, para praticar ou deixar de praticar, em retribuição, atos de ofício, infringindo seu dever funcional. Informava aos demais comparsas as ações ministeriais que tivesse ciência e, ainda, retardava a evolução de procedimentos ou investigações que estivessem sob sua atribuição ou que pudesse influenciar, bem como deixando de submeter ao Conselho Superior do Ministério Público promoção de arquivamento lançada em procedimento de interesse da associação criminosa.

Deste modo, com a finalidade de blindar os crimes praticados pela quadrilha da qual fazia parte, CLÁUDIO LOPES, a título de exemplo, assediou, de forma reiterada, os Promotores de Justiça integrantes da COESF (Coordenadoria de Combate à Sonegação Fiscal): 
(i) solicitando informações sigilosas sobre investigações relevantes desenvolvidas no âmbito daquele grupo, 
(ii) constrangendo-os a não oferecerem denúncia em momentos por ele considerados como politicamente inoportunos e 
(iii) requisitando os procedimentos investigatórios que pudessem atingir algum integrante da engendrada organização criminosa capitaneada por SÉRGIO CABRAL. 

Uma promotora do Ministério Público do Rio afirmou em depoimento que Cláudio Lopes ‘fazia diversas intervenções’ junto à equipe da Coordenadoria de Combate à Sonegação Fiscal (Coesf)Em diversas ocasiões, a partir de 2009, a depoente pôde perceber que o então PGJ, Cláudio Lopes, fazia diversas intervenções junto à equipe da Coesf sempre procurando saber informações acerca do andamento das investigações que envolviam secretarias estaduais, muitas vezes solicitando que o andamento das investigações aguardasse eventos políticos importantes acontecerem, tais como, votação de orçamento, eleição para governador etc., notadamente nas investigações da Saúde e naquelas referentes à refinaria de Manguinhos”, relatou a promotora de Justiça. 

Os autos contêm depoimentos de membros do Ministério Público que denunciam ‘as constantes interferências’ do ex-procurador-geral de Justiça em investigações ligadas ao grupo de Sérgio Cabral.

Durante a gestão de Cláudio Lopes, investigações importantes ligadas ao ex-governador não foram adiante. Entre elas, 
1) a contratação do escritório de advocacia da ex-primeira-dama, Adriana Ancelmo, por concessionárias do estado
2) o empréstimo do jatinho do empresário Eike Batista ao então governador para uma viagem a Bahia, onde foi comemorado o aniversário do empreiteiro Fernando Cavendish.
3) o arquivamento do procedimento relativo à “Farra dos Guardanapos” (Procedimento, convenientemente “esquecido” por CLÁUDIO LOPES, foi instaurado “com o objetivo de sindicar acerca de notícias veiculadas pela imprensa a partir de viagens realizadas pelo Exmo. Sr. Governador do Estado do Rio de Janeiro à cidade de Paris, acompanhado de Secretários de Estado e empresários” , evento mais emblemático e marcante do esquema criminoso de SÉRGIO CABRAL, também conhecido como a “farra dos guardanapos”)
4) no dia 09 de novembro de 2010, CLÁUDIO LOPES, revelou ao então Secretário de Estado da Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro, SÉRGIO LUIZ CÔRTES DA SILVEIRA, informação que sabia ser sigilosa, qual seja, que, na manhã do dia seguinte, seria realizada, na residência de CESAR ROMERO VIANNA JUNIOR, Subsecretário Executivo da Secretaria de Estado da Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro à época dos fatos, medida judicial de busca e apreensão deferida nos autos do processo nº 0344276-89.2010.8.19.000131.

De posse da informação recebida, que era sigilosa por expressa determinação judicial, o então Secretário de Estado da Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro, SÉRGIO CÔRTES, no mesmo dia a repassou ao seu então Subsecretário, CESAR ROMERO, para que este removesse de sua residência todo e qualquer material (documentos, computador etc.) que pudesse incriminá-los, o que foi efetivamente realizado, frustrando a diligência, com significativo desperdício de recursos públicos e humanos despendidos para o devido cumprimento de uma ordem judicial, deferida em pleito ministerial, deduzido após longas e onerosas investigações.

Neste sentido, o próprio alvo da operação, CESAR ROMERO, em depoimento prestado ao subscritor da presente, declarou que o aviso feito pelo denunciado CLÁUDIO LOPES lhe permitiu “eliminar, através de um picotador, documentos que pudessem auxiliar o Ministério Público na sua atividade persecutória” 33.

Cláudio Lopes ingressou no Ministério Público do Estado do Rio em 1987. Passou pelas comarcas de Campos dos Goytacazes e São João da Barra, e em janeiro de 1995 assumiu a Promotoria de Justiça junto à 36.ª Vara Criminal do Rio, onde permaneceu até julho de 2001. Em seguida foi promovido a procurador de Justiça. No final de 2008 venceu a eleição para procurador-geral de Justiça no biênio 2009-2011, tendo obtido 321 votos, apenas quatro a mais que o segundo colocado, Eduardo Gussem.

Disputou novamente a eleição para o biênio seguinte e foi reconduzido ao cargo com 483 dos 850 votos possíveis. Vencer a eleição não é garantia de ocupar o cargo, já que a nomeação cabe ao governador do Estado, que pode escolher qualquer nome entre os três primeiros colocados na eleição. Então governador, nas duas ocasiões Cabral respeitou a tradição e nomeou o mais votado.

Curiosidade: compra de uma casa em Búzios
Cláudio Lopes declarou, em depoimento, que pagou uma parcela de uma casa em Búzios, litoral do Rio, com R$ 200 mil em dinheiro vivo. O depoimento foi prestado em 28 de setembro. O ex-procurador-geral de Justiça contou que os R$ 200 mil eram fruto de uma ‘atividade que exercia, desde 1991, no magistério, mais especificamente na área de cursos preparatórios para concursos’.

A casa, segundo o Ministério Público do Rio, custou R$ 500 mil em janeiro 2011. A vendedora do imóvel em Búzios também prestou depoimento. Ela contou que ‘estranhou o fato de o comprador desejar pagar parte da casa em dinheiro’.

A depoente se dirigiu ao banco e teve contato com o comprador da casa; que se recorda que Claudio comprou o imóvel de Búzios, pagando parte em dinheiro e parte em cheque; que o dinheiro foi depositado imediatamente na conta corrente da declarante, assim como a parte que foi paga em cheque”, narrou.

Fonte: O Estadão, G1

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