Levantamento
feito pelo Anuário da Justiça Rio de Janeiro 2019 aponta que quase
80%
das leis em vigor no estado foram consideradas inconstitucionais.
As duas principais casas legislativas do estado — a Câmara
Municipal do Rio de Janeiro e a Assembleia Legislativa estadual — e
a cidade de Volta Redonda, no Sul Fluminense, foram as responsáveis
por quase metade das leis julgadas inconstitucionais pelo Tribunal de
Justiça do estado em 2018.
No
ranking da inconstitucionalidade, 79 das 135 representações de
inconstitucionalidade julgadas pelo TJ-RJ em 2018 tinham como objeto
leis aprovadas pelos deputados estaduais fluminenses e pelos
vereadores dos dois municípios. As outras 56 ações de
inconstitucionalidade julgadas no mérito pelos desembargadores do
Órgão Especial se distribuíam entre outros
34 municípios.
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Anuário da justiça 2019, Rio de Janeiro, ranking. Fonte: Conjur |
No
total, 137 ações foram julgadas no mérito, das quais 103 foram
consideradas procedentes no todo ou em parte. Ou seja, em 76% dos
casos julgados, as normas contestadas tiveram seus efeitos jurídicos
cancelados.
O
grau de animosidade entre os poderes, no caso do município do Rio de
Janeiro, pode ser aferido tanto pelo número total de ações — 42
— quanto pelo índice de processos
julgados improcedentes — 38%.
Em boa parte das 42 representações de inconstitucionalidade
julgadas, o prefeito alegou que os
vereadores se imiscuíram em assuntos que considerou serem de sua
exclusiva competência.
O
Órgão Especial baseou-se em nova jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, que reconheceu um alcance maior da iniciativa
legislativa dos vereadores, para considerar improcedentes boa parte
das alegações do Executivo.
No
caso do vice-campeão de inconstitucionalidade, o estado do Rio de
Janeiro, chama a atenção que a maior parte das arguições de
inconstitucionalidade foi levantada por entidades da sociedade civil.
Das 21 representações julgadas, 16
foram feitas por entes como a OAB, a Fecomércio ou a Firjan.
Ou seja, a grita contra a qualidade das leis produzidas partiu da
sociedade prioritariamente. Um
terço dos questionamentos foi considerado improcedentes.
Duas
tiveram como autor o então deputado estadual e agora senador Flávio
Bolsonaro (PSL-RJ),
que questionou a constitucionalidade das Leis estaduais 7.010/2015 e
7.011/2015, no âmbito da Lei federal 13.276, que
proibiu a revista íntima de mulheres em órgãos públicos,
inclusive à entrada de presídios.
As duas representações foram consideradas improcedentes.
Segundo
os dados, em Volta Redonda, município que teve pior resultado
comparativo que o ano anterior, em que ficou no quarto lugar, é
patente o litígio entre os poderes Executivo e Legislativo. Todas
as 16
representações de inconstitucionalidade do município foram
propostas pelo prefeito contra leis iniciadas e aprovadas na Câmara
dos Vereadores.
Em 13 delas foi declarado o vício de iniciativa — quando os
vereadores fazem leis em matéria que é de competência dos
prefeitos.
Em
três ocorreu também invasão de competência do estado e da União
pelo município. As três leis tratam de alterações
no currículo das escolas municipais,
matéria sobre a qual o município não tem competência. Uma quarta
lei, que prescrevia
que fossem dadas conferências sobre preservação ambiental nas
escolas municipais,
foi considerada constitucional.
Vício
de iniciativa
O
documento revela também que as principais causas de
inconstitucionalidade das leis municipais continuam sendo o vício
de iniciativa
ou a invasão
de competência.
Como é o caso de Angra dos Reis — das quatro leis analisadas na
pesquisa, três foram consideradas inconstitucionais por vício de
iniciativa e uma por usurpação de competência da União.
Leis de iniciativa de vereadores instituíram bolsa
assistencial para atletas amadores,
estenderam
o período de licença para servidoras gestantes
e em fase de aleitamento e concederam
transporte público gratuito para desempregados.
A
ementa da Ação 0016309-04.2017.8.19.0000, de Angra dos Reis,
afirmada pelo desembargador Marcos Alcino, resume a situação:
“Atribuição
de encargos a órgãos da administração pública.
Violação
do princípio da separação de poderes e da reserva de iniciativa
legislativa privativa do chefe do Poder Executivo.
Ausência
de previsão de fonte de custeio”.
No
outro caso, o município aprovou lei para instituir a
“obrigatoriedade
de compensação entre o tempo pago e o tempo efetivamente utilizado
por veículo em estacionamentos públicos e privados”.
Como observou o relator da ação, desembargador Garcez Neto, o
direito a propriedade privada está afeto ao Direito Civil, o que
atrai a competência
privativa da União
para legislar sobre a matéria.
Concurso
público
Dados
também revelam que outro foco constante de inconstitucionalidades é
a tentativa
de burlar o artigo 77 da Constituição fluminense, que repete o
princípio constitucional de que a porta de entrada do serviço
público é o concurso.
Campos, São Gonçalo, Nova Iguaçu e Paraty, entre outros, zeram
isso propondo mudanças no plano
municipal de cargos e salários.
São João da Barra tentou promover
automaticamente servidores celetistas para o regime estatutário.
Niterói e Santo Antônio de Pádua recorreram à contratação
temporária de funcionários.
Outra
forma de contornar os rigores do concurso público é a tentativa
de incorporação de gratificações,
como zeram Barra do Piraí, Belford Roxo, Rio
das Ostras
e São
Pedro da Aldeia.
Vale lembrar que quase sempre essas irregularidades são acompanhadas
do vício de inciativa: ou seja, ocorreram em leis que tiveram sua
origem na Câmara de Vereadores muito embora legislar
sobre servidores públicos seja uma prerrogativa do Poder Executivo.
Os
vereadores de Cabo
Frio,
por exemplo, dispuseram-se a aprovar lei que restringia
o direito de explorar o serviço de estacionamento a entidades
beneficentes.
“A reserva da contratação, direcionada a um número restrito de
entidades constitui afronta ao artigo 77, caput, e inciso XXV, da
Constituição estadual e aos princípios da impessoalidade e
igualdade. Procedência da representação”, ensinou o
desembargador Antônio Carlos Amado em seu voto.
Em
fevereiro de 2018, o Órgão negou incidente contra a Lei estadual
6.419/2013, que estabelece que, nos
cartazes de preços de produtos expostos em lojas ou em qualquer tipo
de mídia veiculada no Rio de Janeiro, o tamanho para divulgação do
preço à vista deve ser sempre maior do que o para a divulgação do
valor das parcelas.
Relator
do caso, Luiz Zveiter disse que a lei estadual é uma norma
consumerista, portanto, União, estados e municípios podem legislar
concorrentemente sobre o tema, como fixa o artigo 24, VIII, da Carta
Magna. Assim, o ex-presidente da corte afirmou que a lei não possui
inconstitucionalidade formal. Os demais integrantes do Órgão
seguiram seu entendimento.