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segunda-feira, 26 de abril de 2021

Documento do próprio governo lista 23 acusações sobre seu papel na pandemia

 

23.abr.2021 - Bolsonaro e Pazuello participaram da cerimônia de inauguração do Centro de Convenções do Amazonas. Imagens: Allan Santos/PR




Uma tabela distribuída pela Casa Civil da Presidência enumera 23 acusações frequentes sobre o desempenho do governo Bolsonaro no enfrentamento à Covid-19. A coleta de dados do governo coincide com a instalação da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Pandemia no Senado, prevista para a amanhã (27).

A tabela foi encaminhada por e-mail a 13 ministérios para que cada um produzisse e enviasse uma resposta à Casa Civil até a última sexta-feira (23). Cada ministério deveria dizer o que está fazendo ou o que fez a respeito dos temas críticos. Como todos os assuntos citados pelo próprio governo poderão ser alvo da Comissão, o trabalho da Casa Civil deverá funcionar como material de defesa durante a investigação parlamentar.

A tabela faz 23 afirmações e marca os ministérios que deverão respondê-las. O tema "genocídio indígena" é o que demandará a resposta de mais ministérios, num total de cinco.

As afirmações feitas pelo governo são as seguintes, na íntegra:

"1-O Governo foi negligente com processo de aquisição e desacreditou a eficácia da Coronavac (que atualmente se encontra no PNI - Programa Nacional de Imunização);

2-O Governo minimizou a gravidade da pandemia (negacionismo);

3-O Governo não incentivou a adoção de medidas restritivas;

4-O Governo promoveu tratamento precoce sem evidências científicas comprovadas;

5-O Governo retardou e negligenciou o enfrentamento à crise no Amazonas;

6-O Governo não promoveu campanhas de prevenção à Covid;

7-O Governo não coordenou o enfrentamento à pandemia em âmbito nacional;

8-O Governo entregou a gestão do Ministério da Saúde, durante a crise, a gestores não especializados (militarização do MS);

9-O Governo demorou a pagar o auxílio-emergencial;

10-Ineficácia do PRONAMPE (programa de crédito);

11-O Governo politizou a pandemia;

12-O Governo falhou na implementação da testagem (deixou vencer os testes);

13-Falta de insumos diversos (kit intubação);

14-Atraso no repasse de recursos para os Estados destinados à habilitação de leitos de UTI;

15-Genocídio de indígenas;

16-O Governo atrasou na instalação do Comitê de Combate à Covid;

17-O Governo não foi transparente e nem elaborou um Plano de Comunicação de enfrentamento à Covid;

18-O Governo não cumpriu as auditorias do TCU durante a pandemia;

19-Brasil se tornou o epicentro da pandemia e 'covidário' de novas cepas pela inação do Governo;

20-Gen Pazuello, Gen Braga Netto e diversos militares não apresentaram diretrizes estratégicas para o combate à Covid;

21-O Presidente Bolsonaro pressionou Mandetta e Teich para obrigá-los a defender o uso da Hidroxicloroquina;

22-O Governo Federal recusou 70 milhões de doses da vacina da Pfizer;

23-O Governo Federal fabricou e disseminou fake news sobre a pandemia por intermédio do seu gabinete do ódio."

Segundo a tabela da Casa Civil, o Ministério da Saúde deveria responder a todos os itens, com exceção do 9, 10 e 11. O MCTI (Ciência e Tecnologia) responderia aos itens 1, 7, 9, 19 e 20. O MRE (Ministério das Relações Exteriores) cuidaria dos itens 1, 11 e 13. O MD (Defesa) ficou responsável pelos itens 5, 7, 8, 15 e 20. O MCOM (Comunicações) ficou com os itens 6 e 17.

A AGU (Advocacia Geral da União) deveria responder aos itens 7, 18 e 23. O ME (Economia) ficou com as afirmações 8, 9, 10, 14 e 18. A Segov (Secretaria de Governo) deveria esclarecer os itens 9, 11, 12, 14, 16, 17, 19 e 20 - depois do Ministério da Saúde, foi a mais sobrecarregada com a tarefa das respostas. O Ministério da Cidadania ficou com os itens 9 e 10.

O MJSP (Justiça e Segurança Pública) deveria responder aos itens 9 e 10. O GSI (Gabinete de Segurança Institucional) ficou com dois temas, 15 e 23. O MMFDH (Mulher, Família e Direitos Humanos) abordaria um tema, de número 15. A CGU (Controladoria Geral da União) também ficou com uma área, a de número 18.

No final da tarde deste domingo (25), após a divulgação da lista pela coluna, o ministro da Casa Civil, o general da reserva do Exército Luiz Eduardo Ramos, confirmou à colunista do UOL Carla Araújo a existência do documento e disse as respostas vão ajudar na defesa do governo na CPI da Pandemia no Senado.

Rubens Valente

Fonte: "UOL"

sábado, 10 de abril de 2021

A única maneira de retardar a disseminação do COVID-19 no Brasil é com um lockdown de 20 dias, diz epidemiologista

A epidemiologista Ethel Maciel disse (dia 8) à agência de notícias AFP (ver em "BBC") que o Brasil está em uma "situação terrível.” "No ritmo que estamos vacinando ... a única maneira de retardar a disseminação extremamente rápida do vírus é um bloqueio efetivo por pelo menos 20 dias.”

O Brasil registrou mais de 4.000 mortes relacionadas à Covid em 24 horas pela primeira vez, à medida que uma variante mais contagiosa aumenta o número de casos.

Os hospitais estão superlotados, com pessoas morrendo enquanto esperam pelo tratamento em algumas cidades, e o sistema de saúde está à beira do colapso em muitas áreas.

O número total de mortos no país agora é de quase 337.000, perdendo apenas para os EUA.

Mortos no Brasil e mortos por cem mil habitantes


Mas o presidente Jair Bolsonaro continua a se opor a quaisquer medidas de bloqueio para conter o surto.

Ele argumenta que o dano à economia seria pior do que os efeitos do próprio vírus e tem tentado reverter algumas das restrições impostas pelas autoridades locais nos tribunais.

Falando a apoiadores fora da residência presidencial na terça-feira, ele criticou as medidas de quarentena. Ele não comentou as 4.195 mortes registradas nas 24 horas anteriores.

Até o momento, o Brasil registrou mais de 13 milhões de casos de coronavírus, de acordo com o ministério da saúde. Cerca de 66.570 pessoas morreram com Covid-19 em março , mais do que o dobro do recorde mensal anterior.

"O Brasil agora ... é uma ameaça a todo o esforço da comunidade internacional para controlar a pandemia", disse o Dr. Miguel Nicolelis, que acompanha de perto os casos no país, à BBC.

Se o Brasil não estiver sob controle, o planeta não estará seguro, porque estamos produzindo novas variantes toda semana ... e elas vão cruzar as fronteiras”, disse ele.

Qual é a situação no Brasil?

Na maioria dos estados, os pacientes com Covid-19 ocupam mais de 90% dos leitos das unidades de terapia intensivasegundo o instituto de saúde Fiocruz.

Vários estados relataram poucos suprimentos de oxigênio e sedativos. Mas, apesar da situação crítica, algumas cidades e estados já estão flexibilizando medidas que limitam o movimento de pessoas.

"O fato é que a narrativa anti-lockdown do presidente Jair Bolsonaro (até agora) venceu", disse à Associated Press Miguel Lago, diretor executivo do Instituto Brasileiro de Estudos de Políticas de Saúde, que assessora autoridades de saúde pública.

O presidente de extrema direita - que minimizou o vírus, levantou dúvidas sobre vacinas e defendeu drogas não comprovadas como tratamento - viu sua popularidade despencar em meio a fortes críticas à forma como lidou com a crise.

Ele mudou seu tom sobre as imunizações recentemente, prometendo fazer de 2021 o ano das vacinações. Mas o país tem lutado com a implementação de seu programa.

Os críticos dizem que seu governo demorou a negociar suprimentos. Apenas cerca de 8% da população recebeu pelo menos uma dose, de acordo com o rastreador Our World in Data.

Qual é a variante do Brasil?

A Fiocruz afirma ter detectado 92 variantes do coronavírus no país, incluindo o P.1, ou variante do Brasil, que se tornou preocupante por ser considerado muito mais contagioso.

Acredita-se que tenha surgido no estado do Amazonas em novembro de 2020, disseminando-se rapidamente na capital Manaus, onde respondia por 73% dos casos até janeiro de 2021, segundo dados analisados ​​por pesquisadores no Brasil.

Especialistas temem que a proliferação da variante brasileira signifique aumento de casos por vários meses.

O Dr. Nicolelis, que até recentemente era o coordenador da equipe de resposta à pandemia no nordeste do Brasil, disse à BBC que a resposta do país foi uma "calamidade completa".

É a maior tragédia humana da história do Brasil”, disse ele.

Podemos chegar a 500.000 mortes até 1º de julho, essa é a estimativa mais recente”, disse ele. " Mas a Universidade de Washington divulgou uma estimativa na sexta-feira sugerindo que se a taxa de transmissão aumentar em cerca de 10%, poderemos chegar a 600.000 mortes."

A variante do Brasil também foi associada a um aumento nas infecções e mortes em vários países sul-americanos.


Países da América com alto número de casos confirmados de Covid-19


domingo, 7 de março de 2021

CARTA ABERTA À HUMANIDADE

 

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Vivemos tempos sombrios, onde as piores pessoas perderam o medo e as melhores perderam a esperança.” Hanna Arendt.

O Brasil grita por socorro.

Brasileiras e brasileiros comprometidos com a vida estão reféns do genocida Jair Bolsonaro, que ocupa a presidência do Brasil, junto a uma gangue de fanáticos movidos pela irracionalidade fascista.

Esse homem sem humanidade nega a ciência, a vida, a proteção ao meio-ambiente e a compaixão. O ódio ao outro é sua razão no exercício do poder.

O Brasil hoje sofre com o intencional colapso do sistema de saúde. O descaso com a vacinação e as medidas básicas de prevenção, o estímulo à aglomeração e à quebra do confinamento, aliados à total ausência de uma política sanitária, criam o ambiente ideal para novas mutações do vírus e colocam em risco toda a humanidade. Assistimos horrorizados ao extermínio sistemático de nossa população, sobretudo dos pobres, quilombolas e indígenas.

O monstruoso governo genocida de Bolsonaro deixou de ser apenas uma ameaça para o Brasil para se tornar uma ameaça global.

Apelamos às instâncias nacionais – STF, OAB, Congresso Nacional, CNBB – e às Nações Unidas. Pedimos urgência ao Tribunal Penal Internacional (TPI) na condenação da política genocida desse governo que ameaça a civilização.

Vida acima de tudo!

Assinam esse manifesto:

Padre Julio Lancelotti

Leonardo Boff, teólogo

Dom Mauro Morelli

Miguel Nicolélis, cientista

Frei Betto, escritor

Chico Buarque, compositor, escritor, cantor

Silvio Tendler, cineasta

Nilton Bonder, rabino

Celso Amorim, diplomata, ex-chanceler

Jessé de Souza, sociólogo

Zélia Duncan, cantora, compositora

Silvia Buarque, atriz

Milton Hatoum, escritor

Eric Nepomuceno, jornalista, escritor

Marieta Severo, atriz

Edu Lobo, compositor, músico

Camila Pitanga, atriz

Paulinho da Viola, cantor, compositor

Ivan Lins, compositor, músico

Gregorio Duvivier, ator, escritor

Edino Krieger, compositor

Antonio Carlos Secchin, escritor e professor

João Bosco, compositor, músico

José Luis Fiori, cientista político

Patricia Pillar, atriz

Jorge Durán, cineasta

Fernando Morais, Jornalista e Escritor, São Paulo/SP

Ricardo Coutinho - ex-governador da Paraíba

Gisele Cittadino, jurista, ABJD

Marta Skinner, economista

Murilo Salles cineasta

Lucia Murat, cineasta

José Joffily, cineasta

Carol Proner, jurista

Francis Hime, compósitos, músico

Olivia Hime, cantora

Wagner Tiso, musico

Frei Atílio Battistuz, Francisco Missionário

Hildegard Angel, Jornalista

Chico Diaz, Ator

José de Abreu, Ator

Marcelo Barros, teólogo

Maria Victoria de Mesquita Benevides, cientista política São Paulo/SP

André Constantine, Movimento Nacional de Favelas e Periferias.

Marcelo Barros , Monge e Teólogo Recife/PE

Ivo Herzog, Engenheiro São Paulo/SP

Marcio Pochmann Economista Campinas/SP

Siro Darlan de Oliveira Desembargador TJRJ Rio de Janeiro/RJ

Isabel Salgado, Técnica de Vôlei , Rio de Janeiro/RJ

Carol Solberg, Vôlei de Praia Rio de Janeiro/RJ

Joel Cornelli , Técnico de Futebol Caxias do Sul/RS

Acioli Cancellier de Olivo Servidor Público Federal Aposentado, São José dos Campos/SP

Sérgio Pinto, Presidente da Associação dos Servidores da Cultura Brasilia/DF

Chico Alencar, Professor, escritor e vereador Rio de Janeiro/RJ

Wilson Ramos Filho, Xixo, Professor, escritor e vereador Curitiba/PR

Frei Atílio Battistuz, Francisco Missionário Marajó/PA

Afonso Borges Escritor e Gestor Cultural Belo Horizonte/MG

Tiago Maiká Muller Schwade Geógrafo Amazonas

Carolina Kotscho Roteirista São Paulo/SP

Luiz Fernando Emediato Escritor e Editor São Paulo/SP

Hélio Doyle Jornalista Brasília/DF

Regina de Assis Professora/Doutora Rio de Janeiro/RJ

Geraldo Mainenti Jornalista Rio de Janeiro/RJ

Eva Doris Rosental Gestora da Área Cultural Rio de Janeiro/RJ

Benedito Tadeu César Professor da UFRGS Porto Alegre/RS

Padre Niraldo Lopes de Carvalho Religioso Rio de Janeiro/RJ

Deyvid Bacelar, Petroleiro e Coordenador da FUP Feira de Santana - BA

Affonso Henriques Guimarães Correa, Economista Rio de Janeiro/RJ

Marina Maluf, Historiadora São Paulo/SP

Olivia Byington, cantora e escritora

Daniel Filho, diretor

sábado, 30 de maio de 2020

O que é o bolsonarismo, segundo o professor João Cezar

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INTRODUÇÃO

João Cezar Castro Rocha, professor titular de literatura comparada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), vem se dedicando a entender o que ele chama de guerra cultural bolsonarista. O resultado de sua pesquisa é o livro “Guerra cultural e retórica do ódio: crônicas do Brasil”, que deve ser lançado no fim de junho deste ano pela editora Caminhos. 

Em seu livro, ele busca a especificidade da guerra cultural empregada pela militância bolsonarista no Brasil, da qual fazem parte alguns dos influenciadores alvos de mandados de busca e apreensão da Polícia Federal no chamado inquérito das fake news.

Ele deu longa entrevista à Agência Pública, da qual fiz este apanhado.

TRIPÉ FUNDAMENTAL DO BOLSONARISMO

Para ele, o tripé fundamental que alimenta a mentalidade desses grupos é constituído pelo:

1) discurso revanchista e revisionista sobre o golpe de 1964, que formou o projeto Orvil, o Livro Secreto do Exército;

2) a Doutrina de Segurança Nacional, que traz a ideia do inimigo interno que deve ser eliminado;

3) e a popularização do que ele chama de retórica do ódio, promovida pelo escritor Olavo de Carvalho.

A ESPECIFICIDADE DA GUERRA CULTURAL BOLSONARISTA

A guerra cultural bolsonarista é o eixo do governo. Os pilares fundamentais do governo bolsonaro não são, como ele pensava, as políticas anticorrupção do Sergio Moro e a agenda liberal econômica do Paulo Guedes. O professor João Cezar já afirmava, em março de 2019, que o eixo do governo como um todo é a guerra cultural bolsonarista.

LIVRO BRASIL NUNCA MAIS

Segundo o professor, a mentalidade de Jair Messias Bolsonaro foi formada pelo Exército brasileiro, mas moldada numa linha muito particular do Exército, que é marcada pelo ressentimento a partir da repercussão de um autêntico livro-monumento lançado em 1985 que é o livro "Brasil: nunca mais". Esse é um livro particularmente importante porque denunciou as torturas, as arbitrariedades e desaparecimento de corpos da ditadura militar de uma forma incontestável.

MENTALIDADE REVISIONISTA E REVANCHISTA DO EXÉRCITO

O livro, prossegue João Cezar, ajudou a consagrar, no período da redemocratização, uma imagem das Forças Armadas associada à repressão, à tortura e à morte. Isso marcou muito uma geração do Exército brasileiro que, por isso, sempre teve um projeto revanchista, baseado num processo revisionista. É por isso que na mentalidade bolsonarista nega-se a existência de tortura, nega-se que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos piores torturadores da história da humanidade, tenha torturado.

Então forma-se aí uma mentalidade revisionista e revanchista no Exército porque considera que os militares venceram a batalha, no golpe de 1964, mas perderam a guerra, a guerra pela opinião pública.

O PROJETO OVRIL

O Exército resolveu então devolver na mesma moeda a denúncia feita pela esquerda no livro “Brasil: nunca mais”. De 1986 a 1989, sob a liderança do então ministro do Exército do José Sarney, o Leônidas Pires Gonçalves, os militares compilaram documentação, sobretudo de um órgão de repressão, o CIE (Centro de Informações do Exército), privilegiando o que consideraram ser os crimes da luta armada no Brasil.

Os militares formaram então o projeto Orvil (livro ao contrário, coisa de militar). É literalmente o “Brasil: nunca mais” de cabeça pra baixo. Não são mais os crimes da ditadura, mas sim os da luta armada. É uma lista longa de grupos armados, dos desmontes desses grupos e dos crimes que os militares consideram que eles cometeram.

TENTATIVAS DE TOMADA DO PODER PELA ESQUERDA BRASILEIRA, SEGUNDO O ORVIL

Segundo o Orvil, houve quatro tentativas de tomada de poder. Eles estabelecem uma cronologia para a história republicana que é puro delírio, de acordo com João, mas justifica plenamente a mentalidade bolsonarista.

A história republicana brasileira, desde 1922, para os bolsonaristas, é uma tentativa constante de tomadas de poder pelos comunistas para criar no Brasil uma ditadura do proletariado que, dadas as dimensões continentais, tornariam o Brasil uma China tropical.

1) De 1922, com a criação do Partido Comunista no Brasil, a 1954, com a ebulição política após o suicídio de Getúlio Vargas;

2) A radicalização política que houve entre 1954 e 1964, com as Ligas Camponesas do Francisco Julião, a retórica radical do Brizola, o discurso de Luís Carlos Prestes no Pacaembu às vésperas do golpe de 1964;

3) Entre 1964 e 1974, com a luta armada no Brasil, a guerrilha do Araguaia.

4) A infiltração das instituições, sobretudo de cultura, para moldar uma mentalidade diversa que seria propícia ao advento do comunismo que viria, não pela luta armada, mas pelas eleições.

Esta, para eles, é a mais perigosa de todas, diz o professor. Quando eles dizem que o Brasil está virando comunista, como é possível imaginar isso? Como imaginar que os governos petistas eram comunistas? É um delírio. É essa a matriz narrativa do Orvil.

A DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL

Segundo o professor João Cezar, se você aceita essa narrativa, o que decorre é um segundo ponto: a Doutrina de Segurança Nacional. Se, de 1922 até hoje, há a tentativa de tomada do poder, é preciso que haja uma contrapartida de defesa, a Doutrina de Segurança Nacional. O direito público internacional prevê que quando uma nação é atacada por outra nação, ela tem todo o direito (legítima defesa) de usar os meios necessários para repelir a agressão, ainda que para fazê-lo seja necessária a eliminação do inimigo externo.

A Doutrina de Segurança Nacional Brasileira adaptou essa ideia ao ambiente interno, de que o inimigo externo deve ser eliminado para a eliminação do inimigo interno, que é o subversivo comunista. Como o subversivo comunista na narrativa do Orvil está a serviço do movimento comunista internacional, ele é em alguma medida externo e, portanto, uma vez identificado, ele deve ser eliminado.

Em tempos democráticos, como não pode eliminar fisicamente os adversários, a militância virtual bolsonarista realiza massacres de reputação com uma violência e virulência inéditas no Brasil. A guerra cultural bolsonarista inventa inimigos em série e realiza rituais expiatórios de forma impressionante (ver Gustavo Bebianno, o general Santos Cruz, o próprio Mourão, a Joice Hasselmann, e agora com o Moro). De uma hora para outra há uma inversão completa na caracterização do personagem, e a destruição simbólica que eles sofrem é um equivalente de uma eliminação do ponto de vista simbólico e individual.

Agora, na narrativa do Orvil, a quarta tentativa de tomada de poder ocorreu pela tentativa de infiltração nas instituições, sobretudo culturais: imprensa, arte e universidade. Como estas instituições são as que pretendem impor o comunismo no Brasil, todas as ações do governo são no sentido de destruí-las.

A DESTRUIÇÃO SISTEMÁTICA DAS INSTITUIÇÕES

Essa interpretação da Doutrina de Segurança Nacional leva necessariamente à destruição sistemática das instituições. Para destruir a Fundação Palmares você a entrega a uma pessoa que nega a existência do racismo no Brasil e que sugere que o Dia da Consciência Negra seja abolido para a criação do dia da Consciência Humana. Para destruir o Iphan, um dos órgãos mais antigos e longevos da precária estrutura de cultura no Brasil, você o entrega para uma blogueira que se define como “turismóloga”. Para destruir a Fundação Casa de Rui Barbosa, que armazena manuscritos de Clarice Lispector, de Manuel Bandeira, de Otto Maria Carpeaux, de João Cabral de Melo Neto, da nata da literatura brasileira, você o entrega para uma roteirista da TV Record, a Letícia Dornelles, que não tem qualificação mínima legal para exercer o cargo. Para destruir o Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) você corta 6 mil bolsas de pós-graduação na calada da noite. Para destruir o CNPQ você lança um edital de iniciação científica e retira do edital a área de humanidades.

Essa é a a narrativa do Orvil. Todas essas instituições foram infiltradas por comunistas. Como não podem eliminar os professores fisicamente, eles partem para destruir a universidade. Destruindo a universidade, eliminam os professores, pelo menos do ponto vista profissional.

A GUERRA CULTURAL BOLSONARISTA

A função precípua da guerra cultural bolsonarista não é a imposição de valores deles; não há valores, só há destruição sistemática das instituições. O professor pede que se observe o que está acontecendo no Meio Ambiente. Há um desmonte radical de todas as formas de controle e fiscalização. O mesmo acontece em todas as áreas. A Doutrina de Segurança Nacional de eliminação do inimigo interno está sendo levada com uma seriedade que nem a ditadura militar teve.

A RETÓRICA DO ÓDIO

Ao longo de uma pregação de quase duas décadas, Olavo de Carvalho criou o que o professor João Cezar chama de sistema de crenças Olavo de Carvalho. Esse sistema de crenças é uma espécie de ponto de fuga que potencializa ao máximo os elementos do Orvil e da Doutrina de Segurança Nacional. Ele desenvolveu com muita habilidade uma retórica do ódio que traduz a Doutrina de Segurança Nacional para a linguagem midiática das redes sociais. Sua estratégia, na retórica do ódio, é, de um lado, uma desqualificação que torna o outro um nada, e do outro, um conjunto de hipérboles que inviabiliza o pensamento, porque suprime as mediações.

Todo aquele que não concordar com ele é considerado um analfabeto funcional educado pelo método Paulo Freire. O vocabulário inventado pelo Olavo de Carvalho parte de uma teoria conspiratória que casa perfeitamente com o Orvil.

Esse sistema de crenças de Olavo de Carvalho, segundo o professor, explodiu na cultura brasileira com data marcada: 2015. Nas manifestações de 2015, surgiu uma frase gritada pelos manifestantes: “Olavo tem razão!”. Como um sistema de crenças não é contestável pela realidade, quanto mais atacado, mais ele se fortalece. As pessoas se convencem de que Olavo está sendo atacado porque tem razão.

De acordo com o professor João Cezar, há uma convergência dos três elementos constitutivos do bolsonarismo: a Doutrina de Segurança Nacional, o Orvil e essa retórica do Olavo de Carvalho. A retórica popularizou as outras duas. Parte considerável da análise feita por Olavo em sua obra, de que existe uma infiltração gramsciana para a tomada do poder pela esquerda no Brasil, está no Orvil.

Prossegue o professor: E esse tripé é muito poderoso. Os dois primeiros (Orvil e Doutrina de Segurança Nacional) alimentam a mentalidade bolsonarista e o próprio Exército. O general Mourão homenageou Ustra em sua despedida do Exército. Muitas das atitudes do general Heleno só são compreensíveis a partir da mentalidade Orvil, de revanchismo e revisionismo.

O terceiro é o sistema de crenças criado por Olavo de Carvalho, utilizando excessivamente as redes sociais, quando ele se mudou para os Estados Unidos. 

É Olavo de Carvalho que alimenta a guerra cultural bolsonarista que é, do ponto de vista de mobilização das massas, sobretudo as digitais, um fenômeno sem paralelo na história política brasileira recente. Essa guerra cultural se vale dos sentimentos mais arcaicos da cultura humana; o mais arcaico de todos, que é a violência, está na superfície da guerra cultural bolsonarista – não há guerra cultural bolsonarista sem retórica do ódio e sem violência explícita. Nada é mais primitivo que a invenção constante de inimigos e a promoção de linchamentos, e a guerra cultural bolsonarista é inteiramente baseada nessa criação sistemática de inimigos para sua transformação em bodes expiatórios. A massa se une no ódio àquela figura, mesmo que num momento anterior ela tenha sido idolatrada. O que ocorreu com o Sergio Moro, para os bolsonaristas, mais radicais é um fenômeno antropológico de grande alcance, um ritual dos mais arcaicos, que é o de formação de um bode expiatório. Essa guerra cultural bolsonarista tem uma enorme capacidade de produção de sentimentos de violência desse sacrifício expiatório, a capacidade que isso tem de produzir mobilização, de acordo com o professor, nós estamos vendo, essa força aglutinadora da violência e do ódio.

Mas o professor João Cezar aponta um paradoxo: sem guerra cultural, não há bolsonarismo. Mas com guerra cultural, não pode haver governo Bolsonaro.

A reunião do dia 22 de abril confirma o paradoxo. Destaca-se, num primeiro momento, que há um plano em curso: o plano da destruição das instituições e supressão de direitos. Para o ministro Paulo Guedes o inimigo são os funcionários públicos. É o inimigo a ser explodido, o servidor público. O Ricardo Salles se refere a passar as boiadas das regulações infralegais. O responsável pela Caixa Econômica se refere ao não apoio às pequenas empresas. E assim segue.

Para João Cezar, tem um plano ali. Ao mesmo tempo que surgem todas essas ideias mirabolantes que correspondem perfeitamente ao plano da guerra cultural, não há nada decidido do ponto de vista concreto. Não há nenhum dado objetivo para formalizar políticas.

Se há essa capacidade incomum e inédita de manter massas sob constante excitação, porque o bolsonarismo não governa sem inimigos criados em série, ele é vazio do ponto de vista do conteúdo. Não se pode criar inimigos constantemente levando em consideração dados objetivos, mas sem considerar dados objetivos não há governo.

Ainda de acordo com o professor João, nós nos aproximamos do momento mais grave da vida brasileira desde a redemocratização. Teremos uma recessão econômica cuja recuperação não se encontra ainda no horizonte, e o colapso do governo Bolsonaro é inevitável, porque não se pode governar sem dados objetivos.

A armadilha da guerra cultural é essa: você se mantém numa aparência de êxito permanente, mas você não consegue fazer nada. Você está totalmente preso na armadilha do seu próprio êxito aparente, que é virtual e em boa medida alimentado por robôs. Quanto maior o colapso do governo, maior a virulência da guerra cultural e maior a tendência dessa guerra virtual transbordar para as ruas. Não dá para governar um país criando inimigos o tempo todo.

Esse colapso vai acelerar o processo da violência, as redes sociais estarão cada vez mais violentas, os bolsonaristas, cada vez mais aguerridos, o número deles tenderá a diminuir porque só sobrarão os fanatizados, mas estes tenderão a violências inesperadas e fora de controle.

Veja a entrevista do professor João Cezar em "A PUBLICA"

Observação: Você pode ajudar o blog clicando nas propagandas. E não esqueçam da pizza do meu amigo João Costa. Basta clicar no banner situado na parte superior da coluna lateral direita. Desfrute! 

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Como a esquerda brasileira morreu

Vladimir Safatle. Foto: Wikipédia


Este é um artigo que gostaria de não ter escrito e não tenho prazer algum em fazer enunciações como a que dá corpo ao título. No entanto, talvez não haja nada mais adequado a falar a respeito da situação política brasileira atual, depois de um ano de Governo Jair Bolsonaro e a consolidação de seu apoio entre algo em torno um terço dos eleitores. Aqueles que acreditavam em alguma forma de colapso do Governo e de sua base precisam rever suas análises. 

O que vimos foi, na verdade, outro tipo de fenômeno, a saber, a inoperância completa do que um dia foi chamado de “a esquerda brasileira” enquanto força opositora. Não que se trate de afirmar que ela está diante do seu fim puro e simples. Melhor seria dizer que um longo ciclo que se confunde com sua própria história termina agora. O pior que pode acontecer nesses casos é “não tomar ciência de seu próprio fim” repetindo assim uma situação que lembra certo sonho descrito uma vez por Freud na qual um pai morto continua a agir como se estivesse vivo. A angústia do sonho vinha do fato do pai estar morto e nada querer saber disto. Se a esquerda brasileira não quiser ver sua morte definitiva como destino, seria importante se perguntar sobre qual é esse ciclo que termina, o que ele representou, quais seus limites.

Signos não faltaram para tal diagnóstico terminal. Contrariamente ao discurso de que o Governo Bolsonaro estaria paralisado, vimos ao contrário a aprovação de medidas até pouco tempo impensáveis, como a reforma previdenciária, isso sem nenhuma resistência digna deste nome. Ou seja, a maior derrota da história da classe trabalhadora brasileira foi feita sem que anotassem sequer o número da placa do carro responsável pelo atropelamento. Uma reforma da mesma natureza, mas menos brutal, está a tentar ser imposta na França. O resultado é uma sequência de greves e manifestações de vão já para o seu terceiro mês. Na verdade, o que vimos no Brasil foi o contrário, a saber, governos estaduais pretensamente de esquerda a aplicarem reformas estruturalmente semelhantes. Como se fosse o caso de dizer que, no final, governo e oposição comungam da mesma cartilha, sendo distinta apenas a forma e a intensidade de sua implementação. Fato que já havíamos visto com o segundo Governo Dilma e sua guinada neoliberal capitaneada por Joaquim Levy.

Isso é apenas um sintoma de que a esquerda brasileira não é mais capaz de impor outro horizonte econômico-político. Durante todo o ano de 2019, diante de um Governo cujas políticas visam a retomada, em chave autoritária, dos processos de concentração de renda, de acumulação primitiva e de extrativismo colonial, não foram poucos aqueles que esperaram da esquerda brasileira (todos os partidos e instituições inclusas) a expressão de outro tipo de política. A esquerda governa estados, municípios grandes e pequenos, mas de nenhum deles saiu um conjunto de políticas que fosse capaz de indicar a viabilidade de rupturas estruturais com o modelo neoliberal que nos é imposto agora. Houve época que a esquerda, mesmo governando apenas municípios, conseguia obrigar o país a discutir pautas sobre políticas sociais inovadoras, partilha de poder e modificação de processos produtivos. Não há sequer sobra disto agora.

Talvez seja o caso de insistir neste ponto porque, como dizia Maquiavel, o povo prefere um governo ruim a governo nenhum. Não são as qualidades do Governo Bolsonaro que dão a ele certa adesão popular. É o vazio, é o fato de não haver nenhuma outra alternativa realmente crível neste momento. E a razão disso é simples: a esquerda brasileira morreu, ela tocou seu limite e demonstrou não ser capaz de ultrapassá-lo. Isso vale tanto para partidos, sindicatos quanto para a classe intelectual (na qual me incluo). Nossas ações até agora não se demonstraram à altura dos desafios efetivos. O melhor a fazer seria começar a se perguntar pela razão de tal situação.

Coloquemos uma hipótese de trabalho: a esquerda brasileira conhece apenas um horizonte de atuação, este que atualmente chamaríamos de “populismo de esquerda”. Foi ele que se esgotou sem que a esquerda nacional tenha se demonstrado capaz de passar para outra fase ou mesmo de imaginar o que poderia ser “outra fase”. Entende-se por populismo de esquerda um modelo de construção de hegemonia baseado na emergência política do povo contra as oligarquias tradicionais detentoras do poder. Este povo é, na verdade, produzido através da convergência de múltiplas demandas sociais distintas e normalmente reprimidas. Demandas contra a espoliação de setores sociais, contra a opressão racial, contra os legados do colonialismo: todas elas devem convergir em uma figura que seja capaz de representar e vocalizar esta emergência de um novo sujeito político.

No entanto, o caráter nacionalista do populismo permite também a inclusão de setores descontentes da oligarquia, grupos da burguesia nacional dispostos a ter um papel “mais ativo” nas dinâmicas de globalização. Assim, o “povo”, neste caso, nasce como uma monstruosa entidade meio burguesia, meio proletariado. Uma mistura de JBS Friboi com MST.

Este é o modelo que a esquerda nacional tentou implementar em sua primeira tentativa de governar o Brasil: a que termina com o golpe militar contra o Governo João Goulart. Na ocasião, um dos personagens mais lúcidos de então, Carlos Marighella, faz um diagnóstico preciso: a esquerda havia apostado na conciliação com setores da burguesia nacional e com setores “nacionalistas” das forças armadas dentro de governos populistas de esquerda. Ela colocou toda sua capacidade de mobilização a reboque de uma política que parecia impor mudanças seguras e graduais. Ao final, tudo o que ela conseguiu foi estar despreparada para o golpe, sem capacidade alguma de reação efetiva diante dos retrocessos que se seguiriam.

A lição de Marighella não foi ouvida. Tanto que a esquerda brasileira fará o mesmo erro com o final da ditadura militar e com o advento da Nova República. A história será simplesmente a mesma: o movimento em direção a um jogo de alianças entre demandas sociais e interesses de oligarquias locais descontentes tendo em vista mudanças “graduais e seguras” que serão varridas do mapa na primeira reação bem articulada da direita nacional.

Nesse sentido, nossa história segue os passos da história argentina: outro campo de ensaio do populismo de esquerda. Mas há um diferença substancial aqui. Depois da experiência ditatorial, a Argentina soube criar um linha de contenção de impulsos golpistas. Hoje, quase mil pessoas ainda se encontram nas cadeias argentinas por crimes da ditadura. No Brasil, ninguém foi preso. A resposta argentina produziu uma linha de contenção, inexistente entre nós, que permitiu ao peronismo ter ressurreições periódicas. Dificilmente, essa será a história brasileira daqui para frente, pois o risco de deriva militar é real entre nós.

Mas há ainda um outro fator decisivo. O colapso do lulismo não foi seguido apenas de um golpe parlamentar apoiado em práticas criminosas de setores do poder judiciário. Ele foi seguido da criação de uma espécie de antídoto à reemergência do corpo político populista. O que vimos, e agora isto está cada vez mais claro, foi a emergência de um corpo fascista. Mas o corpo político fascista é normalmente a versão terrorista e invertida de um corpo político anterior, marcado pela emergência do povo e pelas promessas de transformação social. Dessa forma, ele acaba por bloquear sua ressurgência. Já se disse que todo fascismo nasce de uma revolução abortada. Nada mais justo.

Theodor Adorno um dia descreveu o líder fascista como uma mistura de King Kong e barbeiro de subúrbio (certamente pensando no Chaplin de O grande ditador). Essa articulação entre contrários é fundamental. A pretensa onipotência do líder fascista deve andar juntamente com sua fragilidade. O líder fascista deve ser “alguém como nós”, com a mesma falta de cerimônia, a mesma simplicidade e irritação que nós. A identificação é feita com as fraquezas, não com os ideais. Ele deve ser alguém que come miojo em banquetes presidenciais, que se veste de maneira desajeitada como alguém do povo. Ele deve a todo momento dizer que está a combater as elites que sempre governaram esse país (que agora serão os artistas, as universidades, os “cosmopolitas” e “globalistas”). Ele deve mostrar que não é alguém da elite política, que na verdade tal elite o detesta. Pois se trata de criar um antídoto para toda forma de tentativa de recuperar a produção do povo como processo de emergência de dinâmicas de transformação social.

Dessa forma, tudo se passa como se Bolsonaro fosse uma versão militarizada de seu oposto, a saber, Lula. Não se trata com isso de afirmar que estamos presos em uma polaridade. Ao contrário, trata-se de dizer que tudo foi feito para anular a polaridade real, criando um duplo imaginário. Nunca entenderemos nada das regressões fascistas se não compreendermos estas lógicas dos duplos políticos. Se há algo que nos falta é exatamente polaridade. Temos pouca polaridade e muita duplicidade.

O fato é que tal dinâmica demonstrou-se eficaz. Ela quebrou os processos de incorporações populistas que foram, até agora, a alma da esquerda brasileira. Por isso, o que vemos agora é uma esquerda sem capacidade de ação, pois atordoada com o fato de a direita brasileira ter, enfim, produzido a sua figura com capacidade de incorporação do povo, agora sem o erro de apostar em um egresso da elite político-econômica (Collor) ou em alguém sem vínculos orgânicos com o militarismo fascista (Jânio).

Numa situação como essa, a esquerda nacional ainda paga o preço de ter sido formada para a coalizão e para a negociação. Esse é seu DNA, desde a política de alinhamento do PCB aos ditames anti-revolucionários do Soviete Supremo. Por isso, ela não sabe o que fazer quando precisa mudar o jogo e caminhar para o extremo. Sua inteligência não age nesse sentido, suas estruturas não agem nesse sentido, sua classe política não age nesse sentido. Seus movimentos de revolta perdem-se no ar por não ter nenhuma sustentação ou coordenação de médio e longo prazo. Foi assim que ela morreu. Se ela quiser voltar a viver, toda essa história tem que chegar a um fim. Ela deverá tomar ciência de seu fim. 

Vladimir Safatle, filósofo e professor na USP, em artigo publicado por El País, 10-02-2020.

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Comentários no Facebook: 

  • Joel Búzios V O C Ê E S T Á D O I D O.
    A É S Q U E R D A M A I S F O R T E QUE N U N C A.
  • Joel Búzios Quando a bandidagem do congresso contabilizar que; ganhará mais com Impeachement do que participar deste devaneio de um louco....
  • Luiz Carlos Gomes Joel, o texto não é meu. Publiquei para provocar a discussão. Mas, no geral, com pouquíssimas discordâncias, concordo com o autor.
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  • Joel Búzios R E T I R A É S S A P O S T A G E M. . . S O U D A R E S I S T E N C I A . . . . E S S A B A N D I D A G E M N Ã O Q U E R O N O M E U P A I S....
  • Joel Búzios Lutamos por eleições diretas, ao custo de; muito sangue, mortes e torturas...
    S Ó I D I O T A S N Ã O L E M B R A M..
  • Luiz Carlos Gomes Prezado leitor do blog Joel Búzios, também lutei pelas diretas, mas acho que você não leu o texto do Vladimir. Assim como eu, ele continua de esquerda, mas reivindica que a esquerda aprenda com seus erros. O populismo da esquerda lulo-petista se esgotou. Não tem mais volta. Foi essa esquerda que morreu. Não dá mais pra botar no mesmo balaio Joesley e MST, Renan-Sarney-Jucá e trabalhadores. A esquerda precisa aprender com seus erros, criar uma alternativa ao programa da direita. (Por sinal foram esses erros gravíssimos que elegeu Bolsonaro. A teoria da conspiração não emplacou). Não dá pra dizer que é contra a reforma da previdência a nível federal e aprovar em governo petista estadual a mesma reforma anti-povo. Ver o caso da Bahia. Isso significa que a esquerda não tem um programa alternativo. É preciso que a esquerda tire as travas dos olhos, humildemente reconheça seus erros (ou será que o tesoureiro Vaccari também é um perseguido político?), e persevere na elaboração de um programa alternativo. Dá muito trabalho. Não entendi o pedido para retirar a postagem? O que esse pedido significa? Censura? Desde já te adianto que não retiro, mesmo que a vaca tussa! Pela agressividade de seus comentários posso concluir que esta não é uma característica apenas da direita. Civilidade é bom e a gente gosta! Obrigado por visitar o blog. Grande abraço.