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Justiça absolve, por unanimidade, ex-prefeito de Búzios, RJ, Mirinho Braga — Foto: Reprodução/Facebook |
Na
Apelação Criminal nº. 0002064-84.2013.8.19.0078, em que são
apelantes Sinval Drummond Andrade e Delmires de Oliveira Braga e
apelado o Ministério Público, a Relatora Des. Monica
Tolledo de Oliveira recusou a preliminar da defesa dos apelantes que sustentou "a nulidade da sentença por ofensa ao devido processo
legal e ao contraditório e a ampla defesa, destacando que o decreto
condenatório possui vício em sua fundamentação, na medida em que
a convicção do juízo a quo baseou-se apenas no Parecer
emitido pelo corpo técnico do TCE-RJ". Mas no mérito,
deu razão às defesas, pois, segundo ela, "o crime de
dispensa irregular de licitação não pode ser imputado se não
for comprovado o dano ao erário ou o dolo do réu na
conduta".
A
C Ó R D Ã O
Vistos,
relatados e discutidos estes autos da Apelação Criminal nº
0002064-84.2013.8.19.0078 em que são apelantes: Sinval Drummond
Andrade e Delmires de Oliveira Braga e apelado: Ministério Público.
ACORDAM os Desembargadores da Terceira Câmara Criminal do Tribunal
de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em rejeitar
a preliminar e, no mérito, pelo provimento do recurso para absolver
os apelantes Sinval Drummond Andrade e Delmires de Oliveira Braga, na
forma do art. 386, VII, do CPP e, em vista do efeito devolutivo
recursal, absolver também o réu Fernando Gonçalves dos Santos, ex
officio, por igual fundamento, tudo nos termos do voto da Relatora.
R
E L A T Ó R I O
O
réu Sinval Drummond Andrade foi condenado pela prática do crime
previsto no art. 89, da Lei 8.666/93, por duas vezes, e pela prática
do crime previsto no art. 312, do CP, por três vezes, na forma do
art. 69 do CP, à uma pena de 21 anos e 08 meses de reclusão em
regime fechado, e ao pagamento de 34 dias–multa e a multa
de 106.274,71 UFIR-RJ (R$ 350.058,29) e o réu Delmires de
Oliveira Braga foi condenado pela prática do crime previsto no art.
89, da Lei 8.666/93, por uma vez, e pela prática do crime previsto
no art. 312, do CP, por duas vezes, na forma do art. 69 do CP, à uma
pena de 18 anos, 05 meses de reclusão, em regime fechado, e ao
pagamento de 30 dias–multa e a multa de 106.274,71 UFIR-RJ (R$
350.058,29).
O
INTERROGATÓRIO DE MIRINHO
Em
seu interrogatório, o réu Delmires declarou (transcrição não
literal): Que foi prefeito 97 a 2004 e depois de 2009 a 2012. Que foi
o primeiro prefeito de búzios. Que montou o município. Que em 1997
a informática ainda engatinhava no Brasil. Que
contrataram essa empresa com todo o respaldo do TCE;
que tem documentos anexados nos autos que comprovam, como parecer do
TCE aprovando, assinado por conselheiros e pelo presidente do
Tribunal, aprovação em 1997 e em 2003; que saiu do governo em
2004; que o TCE fez inspeção de
1997 a 2004 e não encontrou nada e baseado em depoimentos de
adversários políticos o TCE deepois de aprovar o contrato disse que
foi ilegal; que até 2004, enquanto estava no governo,
tudo estava normal; que não era o
ordenador de despesas na época, mas sim o secretario;
que é formado em professor de Literatura; que era um município
recém-emancipado, não tinha nada, não tinha como fazer
orçamento; que o ex-secretário
Roberto Saraiva, já falecido, localizou essa empresa e a trouxe para
Búzios; que ele não indicou a empresa, que estavam
precisando; que tinha o edital no mural; descobriu-se o edital e essa
empresa apareceu; que não se recorda se apareceu outra empresa na
ocasião; que foi inexigibilidade e o fundamento foi notória
especialização; que a notória especialização foi verificada; que
tem documentos nos autos que comprovam a verificação dessa notória
especialização com documentos de órgãos do Brasil todo; que houve
2 ou 3 prorrogações; que o objeto do contrato era
assessoria, cuidava do RH, contabilidade, preparava minuta de leis, o
orçamento, controle interno, ou seja, fazia tudo, que não da para
gerir uma Prefeitura hoje sem uma empresa dessa, imagina em 1997;
que a empresa treinava e assessorava os funcionários; que não tinha
nada criado no município; que não tinha cadeira para sentar; que a
Câmara Municipal funcionava numa Escola Municipal; que não teve
contato direto com SINVAL; que o primeiro contrato foi feito através
de uma comissão de licitação; que foi publicado o resultado da
licitação pelo TCE no DO; que o contrato foi estendido à Câmara
em 2003, mais uma vez aprovado pelo TCE; tem que haver uma
ligação do sistema do executivo com o legislativo, normalmente; que
os códigos tem que estar consolidados; que os contratos foram
totalmente executados; que a empresa fazia inúmeros pareceres, como
por exemplo de recursos humanos, de orçamentos, preparação de
leis, Código Tributário; que a empresa não definia o orçamento,
mas os auxiliava para que fizessem o orçamento de acordo com a lei;
que a empresa os ajudou a fazer a proposta de primeiro Código
Tributário para ser enviado à Câmara; além disso, contabilidade,
parecer de contratação, de concurso público, tudo referente à
administração do município a empresa ajudava; também os auxiliava
com sistemas operacionais de computadores que os auxiliava, de
armazenagem, de material, de controle, tudo eles forneciam; quanto
à notória especialização, viu inúmeros certificados de vários
Tribunais de Contas do Brasil, de várias entidades, dando notória
especialização para a empresa; que estão falando em
1997; que a internet chegou ao Brasil em 1995; que a empresa tinha
vários outros contratos, mais de
100 prefeituras no Estado de MG; que o Grupo Sim
também tinha contrato nas Prefeituras de São
Pedro da Aldeia e Rio das Ostras; que a ordenação de
despesas ficava a cargo provavelmente da Secretaria de Administração
ou Finanças; que o contrato feito entre o Grupo Sim e a Câmara foi
feito um convênio entre a Câmara e a Prefeitura para
estender um convênio feito pelo Grupo Sim à Câmara, mas
não tem certeza; que se houve um convênio, foi assinado pelo
prefeito e pelo presidente da Câmara; que isso provavelmente foi uma
indicação da Procuradoria à época e, por isso, foi feito assim;
que, se o Grupo Sim estava prestando serviço a mais para a Câmara
provavelmente aumentou a despesa; que não sabe dizer se
quando foi assinado esse convenio com a Câmara se já existia um
contrato do Grupo Sim com a Câmara; que quem pagou esse
Convênio foi a Câmara; que toda inexigibilidade de licitação o
processo tem que ser mandado para o TCE e ele aprova ou não; que
isso está na Lei 8666; que o TCE aprovou e o Ministério
Público junto ao TCE aprovou; que sobre a inspeção
realizada pelo TCE na Prefeitura, que o TCE faz inspeção na
prefeitura de seis em seis meses; que de 1997 a 2004 o TCE fez
inspeções e não encontrou nada; que estranhamente, quando saiu da
prefeitura e entrou um adversário político, o TCE, baseado
em depoimento de sr. Oldair, que
era um Secretario de Finanças e Raimundo,
Secretário de Administração, que disseram que o
serviço não tinha sido prestado, o TCE veio com essa
decisão, porque “estourou” um
escândalo em um município envolvendo o Grupo Sim e o TCE, para se
proteger, porque existe hoje um processo no STF contra essa empresa,
começou a dizer que em determinados municípios o serviço não foi
prestado; puramente baseado no depoimento
de adversários políticos; que o declarante e Paulo Orlando
estiveram no TCE e o conselheiro
Nolasco falou para eles que não havia nada contra eles, mas que
precisavam fazer isso para se protegerem em Brasília;
que o que o conselheiro Nolasco disse foi com relação a esse
contrato dos autos; que o mesmo corpo técnico do TCE que
foi contra posteriormente foi o mesmo corpo técnico que aprovou
anteriormente, duas vezes, em 1997 e em 2003; que
Nolasco foi preso; que a empresa não prestava apenas
serviços de informática, mas também orçamento, controle interno,
os programas, fazia a prefeitura funcionar; que
o corpo técnico agiu a mando dos conselheiros prejudicando pessoas
de bem; que a empresa pode ter errado em
200 municípios, mas aqui ela foi sempre correta; que a
empresa foi contratada e prestou um serviço bom; que quanto ao
convenio, a prefeitura pagava a parte do Executivo; que foi o TCE que
aprovou a inexigibilidade e continuaram com o contrato; que se o TCE
tivesse reprovado não teriam continuado com o contrato; que usavam a
tecnologia do Grupo Sim, mas não sabe se eram donos da tecnologia;
que não tinham nada quando assumiram a prefeitura, nem mesa, nem
caneta, nem orçamento, que o grupo sim foi essencial para formarem o
município; que usaram bastante o serviço fornecido pelo Grupo Sim;
que não tem relação pessoal com SINVAL, que não consegue
reconhece-lo pessoalmente; que para realizar licitação
na prefeitura tem que ter parecer da Procuradoria do Município;
que nesse contrato especificamente a Procuradoria atuou e deu Parecer
favorável à inexigibilidade de licitação; que sempre buscou
qualidade e melhor preço; que nesse caso não houve licitação
porque não existiam outras empresas especializadas à época; que
estavam em 1997; quem determina se há licitação não é o gestor
público, mas as entidades que a própria lei diz; que, hoje, se
fosse contratar uma empresa de informática e assessoria é evidente
que se precisa fazer licitação, mas estamos falando de 20 anos
atrás, quando a informática, no Brasil, estava engatinhando,
que não conseguiam, não tinham; que não contrataram a empresa
pelos olhos bonitos do empresário, mas contrataram na emergência,
no sufoco; que estavam dentro de um furacão, com município
recém-criado; que aquilo para eles, naquele momento, era a salvação,
era o que tinham, porque não tinha outra empresa, não tinha outro
contato, não apareceram outras empresas; se tivessem aparecido
outras empresas provavelmente é possível que tivessem ganho, mas
não pareceram; que usaram o que se tinha de melhor no momento com o
objetivo de fazer o município funcionar; que não tinham outra
alternativa naquele momento; que entre 1997 e 2003 o TCE
vinha à Prefeitura no máximo de 6 em 6 meses fazer fiscalização
dos contratos, às vezes de 3 em 3 meses; que
entre 1997 e 2003 não obteve reprovação pelo TCE em nenhuma de
suas contas.
VOTO
Assiste
razão às defesas no que tange ao pleito de absolvição dos
apelantes quanto à prática dos delitos aos quais foram-lhe
imputados. Senão, vejamos. O tema trazido tem sido objeto de
discussões jurisprudenciais e doutrinárias. De acordo com o
artigo 3.º, caput, da Lei n. 8.666/93, as situações em que
não haverá ou poderá não haver licitação prévia às
contratações em geral, exceto as de concessões e permissões de
serviços públicos, dividem-se em dois grupos: situações
de inexigibilidade e situações de dispensa. E, no universo
das licitações, um dos crimes mais recorrentes é o previsto no
artigo 89 da Lei n. 8.666/93, cuja redação é a seguinte: Art. 89.
Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em
lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou
à inexigibilidade: Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos,
e multa. Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo
comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade,
beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar
contrato com o Poder Público.
O
Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que, para
a configuração do crime de dispensa ou inexigibilidade de licitação
fora das hipóteses legais - art. 89 da Lei n. 8.666/93 -, exige-se a
presença do dolo específico de causar dano ao erário e do efetivo
prejuízo à Administração Pública.
No
caso dos autos, da leitura da exordial acusatória, tem-se que não
trouxe o Parquet estadual elementos capazes de sustentar a
configuração do prejuízo ao erário e tampouco da demonstração
do elemento subjetivo especial na conduta da ora recorrente na
prática do crime previsto no art. 89, caput, da Lei n. 8.666/1993.
Nesse contexto, ausentes as qualificações pormenorizadas dos
supostos atos criminosos, sobretudo a demonstração do
elemento subjetivo do tipo penal alegado e do prejuízo suportado
pelo erário, há que se rejeitar a denúncia, nos termos do
art. 395, I, do Código de Processo Penal - CPP.
No
âmbito do STF, a questão dos requisitos para a configuração do
crime previsto no artigo 89 da Lei n. 8.666/93 não é unânime. Há
divergência entre a Primeira e a Segunda Turma. Para os integrantes
da 1.ª Turma do Pretório Excelso, o crime do art. 89 da Lei
8.666/93 é formal, consumando-se tão somente com a
dispensa ou inexigibilidade de licitação fora das hipóteses
legais. Não se exige, para sua configuração, prova de
prejuízo financeiro ao erário. (Ministro Edson Fachin, relator da
Ação Penal n. 971/RJ). Porém esse não é o entendimento que
vigora na Segunda Turma do STF. Nas palavras do Ministro Gilmar
Mendes, integrante do colegiado, “(...) para configuração da
tipicidade material do crime do art. 89 da Lei 8.666/93, são
necessários elementos adicionais. A jurisprudência interpreta o
dispositivo no sentido de exigir o prejuízo ao erário e
a finalidade específica de favorecimento indevido como necessários
à adequação típica – INQ 2.616, relator min. Dias
Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 29.5.2014”
Conforme
depoimentos colhidos em juízo de diversos funcionários que
trabalharam na Prefeitura de Armação dos Búzios e na Câmara
Municipal, foi possível constatar não só a efetiva
prestação dos serviços previstos nos contratos 01/01 e 01/02 por
parte do Grupo Sim, como o fato de que entre o período de
1997 e 2004, o TCE realizava a fiscalização dos contratos
realizados pela Prefeitura e nada de irregular fora
encontrado durante tal período. Ocorre que após o TCE ter
conhecido da inexigibilidade da licitação do primeiro contrato com
o Grupo Sim, ter aprovado todos os contratos durante esse período, o
que inclui as prorrogações e o segundo contrato, em 2006, o
seu corpo técnico fez uma inspeção especial a fim de apurar
supostas irregularidades em contratação realizada sem licitação
(inexigibilidade), com a qual ele mesmo conheceu, realizando a
inspeção na Prefeitura em momento muito posterior, já sob o
comando de outro Prefeito.
Na
hipótese em tela, o órgão acusatório não logrou êxito
em demonstrar o prejuízo ao erário público,
sendo que os serviços contratados foram entregues, conforme
demonstrado através de ampla prova testemunhal, bem como não se fez
qualquer prova de que tivesse o Município sido excessivamente
onerado, sendo certo que o fato de o TCE, anos depois, ter afirmado
não ter encontrado documentação que comprovasse a prestação do
serviço não caracteriza prova de inexistência do referido, mas se
não havia tal documentação, em aferição atemporal pelo órgão,
já em gestão diferente, estaríamos diante de uma falha documental
do serviço público, sendo possível comprovar a prestação do
serviço através de outros meios, como o foi, nestes autos.
Assim
como insuficientes as provas para a condenação do apelante Delmires
no que tange ao delito previsto no art. 312 do CP, nos termos do art.
580 do CPP, as provas orais também deram conta de que os serviços
contratados com o Grupo Sim foram
efetivamente prestados no âmbito da Câmara Municipal, motivo
pelo qual o réu FERNANDO também deve ser absolvido quanto ao
mencionado delito.
À
conta de tais fundamentos, voto pela rejeição da preliminar e, no
mérito, pelo provimento do recurso para absolver os apelantes Sinval
Drummond Andrade e Delmires de Oliveira Braga, na forma do art. 386,
VII, do CPP e, em vista do efeito devolutivo recursal, absolver
também o réu Fernando Gonçalves dos Santos, ex officio, por igual
fundamento.
Rio
de Janeiro, 11 de fevereiro de 2021.
Desembargadora
MONICA TOLLEDO DE OLIVEIRA Relatora
Meu comentário:
Não costumo discutir decisões judiciais aqui no blog, mas não dá para deixar de dar minha opinião sobre esta. Não concordo com o teor da decisão da Desembargadora Relatora. Fico com a posição da 2ª turma do STF, que é a mesma do nosso ex-juiz Gustavo Fávaro (ver trechos de sua sentença em "ipbuzios"). Serviços foram realizados, mas não aquele que foi contratado. Se se prestava assessoria, porque renová-la ano após ano. E o Grupo Sim nunca teve notório saber. Se fosse para a locação de software uma licitação deveria ter sido feita.