Juiz:DANILO MARQUES BORGES
Data Decisão:19/02/2018
"Trata-se
de ação civil pública com pedido de tutela de urgência
proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO em
face de MUNICÍPIO DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS, todos qualificados
na inicial. O Ministério Público alega, em síntese, que o
município réu, em meados de janeiro do corrente ano,
implementou modificações de grande impacto na rede pública de
ensino médio, as quais refletirão graves prejuízos e violação
aos direitos relacionados à educação dos alunos de ensino
médio neste município. Tais modificações consistiram na
supressão de cerca de 750 vagas de ensino médio no Colégio
Municipal Paulo Freire, inclusive, com extinção total do turno
da noite, bem como a extinção total das turmas de ensino médio
no turno da noite oferecidas pelo INEFI - Instituto de Educação
e Formação Integral Judite Gonçalves, ambos administrados pelo
município réu. As vagas extintas na rede municipal foram
transferidas de forma unilateral para o Estado do Rio de Janeiro,
através de criação de vagas no Colégio Estadual João de
Oliveiras Botas. Informa que referida transferência não foi
autorizada pela SEEDUC - Secretaria de Estado de Educação, a
qual foi contrária à referida transferência, vez que o Colégio
Estadual João de Oliveira Botas, única unidade de ensino
estadual estabelecida no município réu, não possui capacidade
de absorção das vagas extintas na rede municipal. Alega, ainda,
que a determinação prevista no § 3º, do art. 211, da
Constituição Federal, de que os Estados atuarão
prioritariamente no ensino médio, não afasta o dever de
cooperação do Município réu. O Ministério Público entende
que a transferência das vagas de ensino médio da rede municipal
para a rede estadual deveria ocorrer de forma gradativa, seguindo
cronograma previamente estabelecido, aprovado pela SEEDUC.
Endente, ainda, que a simples anuência do diretor do Colégio
Estadual João de Oliveira Botas não é suficiente para
autorizar a transferências das vagas de ensino médio oferecidas
pelo município para a rede estadual de ensino. Requer o
deferimento da tutela provisória de urgência para que o
município réu seja obrigado a restabelecer as vagas extintas no
ensino médio no Colégio Municipal Paulo Freire, inclusive no
turno noturno, bem como restabelecer as vagas extintas no turno
da noite do INEFI, além de vedar a criação de novas vagas no
Colégio Estadual João de Oliveiras Botas, a fim de manter o
número de vagas e turnos oferecidos aos alunos do ensino médio
destas três unidades escolares equivalente ao número de vagas
oferecidas no ano letivo de 2017. É O RELATÓRIO. DECIDO.
Inicialmente, temos que a educação é um direito social,
universal e gratuito, sendo dever do Estado, com a tríplice
função de garantir a realização plena do ser humano,
inseri-lo no contexto do Estado Democrático e qualificá-lo para
o trabalho, conforme disposto nos artigos 6º e 205 da
Constituição Federal. Portanto, a educação representa um
mecanismo de desenvolvimento pessoal de cada indivíduo, bem como
um mecanismo de desenvolvimento da própria sociedade. Ademais,
nos termos do disposto no artigo 4º do Estatuto da Criança e do
Adolescente, é dever do Estado, com absoluta prioridade, o
acesso à educação. A Constituição Federal estabelece, em seu
art. 211, que a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios ´organizarão em regime de colaboração seus
sistemas de ensino´, cabendo aos municípios atuar
´prioritariamente´ no ensino fundamental e educação infantil
(§ 2º) e aos Estados e ao Distrito Federal atuar
´prioritariamente´ no ensino fundamental e médio (§ 3º).
Feito o introito acima, passo a analisar o pedido de tutela de
urgência, a qual deve ser concedida quando houver elementos que
evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o
risco ao resultado útil do processo, conforme disposto no art.
300 do Novo Código de Processo Civil. No caso em tela, o
Município réu, através da Secretaria Municipal de Educação,
Ciência e Tecnologia, promoveu modificações na rede municipal
de ensino, dentre elas a supressão de todas as turmas de ensino
médio do turno da noite do Colégio Municipal Paulo Freire, bem
como a supressão de todas as turmas de ensino médio do turno da
noite do INEFI - Instituto de Educação e Formação Integral
Judite Gonçalves, conforme ofício de fls. 128/129, encaminhado
pela Secretaria Municipal de Educação, Ciência e Tecnologia ao
Ministério Público. No referido ofício, consta que as vagas de
ensino médio suprimidas na rede municipal de ensino foram
transferidas para o Estado, através de criação de novas vagas
no Colégio Estadual João de Oliveira Botas, com anuência da
diretoria do referido estabelecimento de ensino. Não há dúvidas
quanto à possibilidade de transferência das vagas de ensino
médio da rede municipal de educação para a rede estadual de
educação, pois, como asseverado acima, cabe ao Estado,
prioritariamente, atuar no ensino médio, disponibilizando
instituições de ensino e vagas suficientes para atender toda a
população, o que não afasta o dever de colaboração do
Município, até porque a Lei de Diretrizes e Bases da Educação,
em seu art. 18, inciso I, prevê que os sistemas municipais de
ensino compreendem instituições de ensino fundamental, médio e
educação infantil. Desta forma, no caso em tela, o que deve ser
analisado é se a transferência do ensino médio municipal para
o único colégio estadual localizado no território do município
réu não ofende ao regime constitucional colaborativo.
Analisando os autos, em juízo de cognição sumária, verifico
que o município réu vinha buscando a transferência do ensino
médio municipal para o Estado há alguns anos, tendo, inclusive,
ingressado com ação judicial, que tramita nesta Serventia, sob
o nº 0004137-24.2016.8.19.0078, visando transferir os custos de
manutenção do ensino médio municipal para o Estado, na qual o
Juízo indeferiu o pedido de tutela de urgência, por entender
que há previsão constitucional de cooperação entre a União,
o Estado e Municípios nos serviços de ensino na forma do art.
211 da Constituição Federal, bem como pela pública, notória e
grave crise econômica que acomete o Estado do Rio de Janeiro.
Nos autos do processo supramencionado, conforme documentos de
fls. 15/24, verifica-se que o Estado do Rio de Janeiro, através
da Secretaria de Estado de Educação, elaborou estudo para
absorção do ensino médio do município réu, apresentando duas
propostas para que a absorção ocorresse de forma gradativa, a
partir do ano letivo de 2017. No referido estudo, consta que o
Colégio Estadual João de Oliveira Botas, no ano letivo
anterior, já estava com sua capacidade máxima, não havendo
como disponibilizar novas vagas, por ausência de espaço físico
e condições materiais. Portanto, pelo que consta nos autos, não
há anuência da Secretaria de Estado de Educação, para a
transferência do ensino médio da rede municipal para o Colégio
Estadual João de Oliveira Botas. A anuência da diretoria do
colégio estadual para a transferência do ensino médio
municipal não parece suficiente, pois, pelo teor dos documentos
de fls. 144/145, encaminhados ao Ministério Público, em anexo
ao ofício de fls. 128/129, não houve qualquer estudo prévio
para determinar a possibilidade e o impacto da transferência do
ensino médio da rede municipal de ensino para o colégio
estadual. Além disso, tendo em vista a grave crise econômica
enfrentada pelo Estado do Rio de Janeiro, a transferência do
ensino médio municipal para a rede estadual de ensino, sem
qualquer estudo prévio ou planejamento, pode causar inequívocos
prejuízos aos alunos que necessitam cursar o ensino médio, vez
que pelo que consta nos autos, vislumbra-se que, para absorver
todas as vagas extintas na rede municipal, o Colégio Estadual
João de Oliveira Botas terá de funcionar com número de alunos
acima de sua capacidade máxima, o que poderá acarretar
superlotação, queda na qualidade de ensino, desestímulo e
evasão escolar. Desta forma, entendo que estão presentes os
requisitos autorizadores da concessão da tutela de urgência, em
especial o perigo de dano, vez que centenas de alunos poderão
ficar sem vaga para cursar o ensino médio. Ante o exposto,
DEFIRO a tutela de urgência para determinar que o município
réu: (i) restabeleça as vagas extintas no ensino médio no
Colégio Municipal Paulo Freire, inclusive no turno da noite;
(ii) restabeleça as vagas extintas no turno da noite no INEFI;
(iii) bem como para impedir a criação de novas vagas no Colégio
Estadual João de Oliveira Botas, sem prévio estudo de
viabilidade e impacto, com intuito de manter o número de vagas e
turnos oferecidos aos alunos de ensino médio ao longo do ano
letivo de 2017, no prazo de 48 horas, a contar da intimação
desta decisão, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez
mil reais), ficando autorizado o arresto dos valores a cada 10
dias de descumprimento. Intimem-se, pessoalmente, o Prefeito e a
Secretária de Educação, para tomarem ciência desta decisão.
Cite-se e intime-se, com urgência, o município réu, na pessoa
do seu representante legal, para, querendo, apresentar
contestação, no prazo legal, sob pena de confissão e revelia.
Cite-se o Estado do Rio de Janeiro, na pessoa do seu
representante legal, na qualidade de interessado, para que se
manifeste, querendo, no prazo de 15 dias, nos termos do disposto
no art. 721 do Código de Processo Civil".
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