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O MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL ajuízou AÇÃO CIVIL PÚBLICA (ACP) com pedido de tutela de
urgência em face de ECOPRAIA HOTEL LTDA e ASSOCIAÇÃO
CIVIL VILLAGE PRAIA DAS CARAVELAS, ambos os empreendimentos
localizados na Praia de Caravelas, Búzios, na qual pugna pela
demolição da parcela do ECOPRAIA HOTEL
LTDA edificada na "área verde" -
compreendida entre as áreas especiais 3A e 3B -; pela adoção de
medidas por parte do MUNICÍPIO DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS/RJ em
relação à falta de isonomia no
tratamento dispensado a ambulantes e proprietários de
estabelecimentos comerciais no que tange à colocação
de objetos na faixa de areia; pela
suspensão do fluxo e estacionamento de automóveis na localidade da
"área verde" e, por último, a paralisação
do despejo irregular de efluentes no mar, com o
efetivo conserto da estação de esgoto localizada na área.
VEJA TRECHOS DA ACP
Trata-se de ação civil
pública a partir de inquérito civil instaurado com base em notícia
de ocupação irregular de espaço público,
inicialmente, pelo “Kiosque do Baiano” e pelo gazebo pertencente
ao BÚZIOS MEGARESORT.
Durante o trâmite do
procedimento, foi realizada reunião, em 15/02/2019, entre o MPF e os
demais interessados, e, à luz da ata juntada aos autos (DOC 102),
foi combinada a demolição de ambas as edificações
supramencionadas, o que foi devidamente cumprido, como se extrai do
Relatório de Vistoria nº 06/2019 (DOC 117). Contudo, na mesma ocasião
da reunião, foram apontadas novas irregularidades,
que, atualmente, consubstanciam o cerne da presente demanda: o
despejo de efluentes por parte do Condomínio Village das Caravelas e
as questões envolvendo um determinado restaurante construído na
faixa de areia, que, posteriormente, foi identificado como ECOPRAIA
HOTEL LTDA.
Ato contínuo, o MPF
requisitou informações à SPU para apurar se o terreno onde foi
edificado o restaurante estava localizado em área de marinha (DOC
131) e oficiou á Associação Civil Village Caravelas para se
manifestar a respeito dos fatos e apresentar projeto do loteamento em
relação ao sistema de esgoto.
A respeito do
“restaurante”, posteriormente identificado como ECOPRAIA HOTEL
LTDA, a SPU aduziu (DOC 147) que o referido estabelecimento
encontra-se edificado em terreno alodial, ou seja, fora dos limites
dos terrenos de marinha (domínio da União). É de se registrar que,
todavia, visivelmente está na faixa de areia, impactando o ambiente
da praia.
Instado a se manifestar
também a respeito, o INEA alegou que a construção está situada na
ZOC 2A, mas que por ser a edificação anterior ao Plano de Manejo e
até mesmo à criação da própria APA, a autarquia entende que as
regras do documento se aplicariam apenas às intervenções
posteriores à criação da APA, o que, por via de consequência, não
impossibilitaria a permanência do restaurante no local (DOC 229).
Entretanto, conforme
esclarecido por servidores do município, a área onde se situa o
ECOPRAIA é denominada no loteamento aprovado como “ÁREA VERDE”
- compreendida entre as áreas especiais 3A e 3B -, com base no que
se extrai do memorial descritivo constante dos autos (Documento
129.3, Página 11). Nela não foi prevista nem autorizada nenhuma
construção. De acordo com denúncias formuladas por particulares ao
longo de todo o procedimento, há fluxo contínuo de veículos na
área onde se situa o ECOPRAIA, localizado nessa “ÁREA VERDE”.
Ou seja, além da construção irregular, ela ainda
gera tráfego também irregular em área que não é
via pública, mas área a ser conservada como "verde", sem
edificações ou trânsito de qualquer veículo.
Inúmeras vezes
notificado a promover a cessação da passagem de automóveis no
local, o ECOPRAIA praticamente ignorou os expedientes do MPF, na
medida em que não foram poucas as imagens juntadas por populares que
verificaram a existência de carros estacionados no local. O próprio
empregado do restaurante reside no local e seu carro fica
permanentemente no local, como constatou o MPF em mais de uma
oportunidade. Como se pode observar, apenas em outubro de 2020, o
Relatório de Fiscalização 04/2020 do INEA teria constatado o
cumprimento da determinação, sem apresentar nenhuma comprovação
do mesmo (uma vez que o portão permanece no local e só o INEA
parece desconhecer a prática de abertura do mesmo para a entrada de
veículos dos mais variados, como se extrai dos diversos vídeos nos
autos, inclusive os mais recentes).
O inquérito apurou
também disparidade do tratamento dispensado pelo MUNICÍPIO DE
ARMAÇÃO DOS BÚZIOS/RJ e INEA a ambulantes e proprietários de
estabelecimentos em relação à colocação de mesas, cadeiras e
outros objetos na faixa de areia. O tema foi objeto de
ofícios (Despacho em DOC 119) e matéria de reunião realizada em
29/04/2019 (DOC 128).
A resposta veio por meio
do DOC 276, p. 09, com o seguinte conteúdo: Datado em 16/05/2020:
"atendendo os ofícios 471/2019- MPF/PRMSPA/GAB02,
6442019-MPF/PRMSPA/GAB02e 645/20192019- MPF/PRMSPA/GAB02, que
solicitou o encaminhamento de informações acerca do uso das
cadeiras espreguiçadeiras na faixa de areia da Praia de Caravelas,
em Armação de Búzios, RJ, servimo-nos do presente para encaminhar
a V. Sa. as informações apresentadas Pelo Chefe do Parque Estadual
da Costa do SOL - PECS, ratificadas pela Diretoria de Biodiversidade
Áreas Protegidas e Ecossistemas - DIBAPE, que informa com base nos
registros documentais do PECS, não há autorização emitida
por este com relação a utilização de espreguiçadeiras ou
ombrelones na Praia de Caravelas".
A resposta ao ofício
veio acompanhada de manifestação da DIBAPE, datada de 08/08/2019
(Diretoria de Biodiversidade, áreas protegidas e ecossistemas), cujo
teor ora se reproduz (DOC 276, p. 09): "Informo que procedemos
sobre o assunto notificando o Restaurante para que o uso de cadeiras
espreguiçadeiras na faixa de areia está autorizado somente quando
demandado pelo cliente e que está vedada a fixação permanente das
cadeiras no local."
Na mesma linha, a
Secretaria Municipal de Segurança Pública (Setor de Postura), em
31/07/2019, também aduziu ter realizado fiscalização e notificado
o estabelecimento para retirada de ombrelones, mesas e cadeiras da
faixa de areia no final de cada expediente (DOC 192, p. 4).
No mais, aquilo que foi
efetivamente demandado pelo MPF, ou seja, a adoção de postura
isonômica no tratamento dos particulares, não foi sequer posto em
discussão pelos setores oficiados. A questão levantada diz respeito
à constante proibição de outros comerciantes na areia da Praia das
Caravelas em contraponto a esta permissividade em relação ao
restaurante do hotel. Traduzindo o que se opera na prática: nenhum
outro comerciante está autorizado a colocar nem mesmo estruturas
provisórias na areia, mas somente o referido restaurante do hotel.
Ou seja, temos uma praia particular, em
confronto com o art. 20, inc. IV, da Constituição da República e o
art. 10 da Lei 7.661/88 - Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro.
Não cabe ao MPF a defesa de nenhum ambulante ou barraqueiro de
praia, mas a repressão específica a este comércio na referida
praia, não admite essa permissividade em relação ao restaurante,
sob pena de grave quebra da impessoalidade e de outros princípios
que regem a atuação de órgãos e entidades públicas.
Em relação à questão
dos efluentes despejados pelo Condomínio Village Caravelas, não
obstante a defesa apresentada, as diligências in loco realizadas são
objetivas:
RELATÓRIO DE VISTORIA
SELLAJRVT, elaborado pelo INEA em 25/09/2019 (DOC 196.1): A ETE
encontra-se em obras. Estão sendo executadas algumas reformas de
manutenção da estrutura pré-existente (conjunto de fossas e
filtros) e a implantação de uma unidade de tratamento complementar
cujo objetivo é permitir o reuso do efluente tratado.
Obras foram licenciadas
no município através da LI nº 063/2019, portanto, qualquer ação
mais específica o projeto licenciado deve ser solicitada ao órgão
municipal licenciador; O sistema composto por fossa, filtro e
sumidouro encontra-se em operação. O efluente do filtro
apresenta aspecto límpido, bem como o efluente acumulado no
sumidouro, demonstrando que, aparentemente, o sistema de tratamento
(conjunto de fossas e filtros) está funcionando adequadamente.
Não foi possível
precisar a contribuição do esgoto para o sistema. Há indícios de
que a capacidade de absorção do terreno encontra-se comprometida ou
que os sumidouros estão subdimensionados, uma vez que, segundo o
informado pelos representantes do empreendimento, HÁ NECESSIDADE DE
ACIONAR UM CAMINHÃO LIMPA-FOSSA A CADA DOIS DIAS para esvaziar os
sumidouros e, eventualmente, os sumidouros transbordam. Dessa forma,
a disposição final do efluente tratado fica comprometida.
Segundo o relatado pelos
representantes do empreendimento o solo teve sua capacidade de
infiltração comprometida após enterrar uma baleia na praia. Ele
acredita que o óleo da referida baleia teria “impermeabilizado”
o terreno. Não é possível verificar tal hipótese na vistoria.
A rede de águas pluviais
é constituída por um canal aberto no seu trecho final e desagua na
praia, contudo não há indício de que haja contribuição do esgoto
na drenagem. Não foi observado qualquer aspecto visual (cor, sólidos
ou sobrenadantes) ou odor que caracterize a presença de esgoto na
drenagem.
Não foi observada
nenhuma “língua negra” ou outra evidência de que haja
lançamento de esgoto in natura na praia. Não foi apresentada
licença de operação do sistema. O conjunto de sumidouros não é
suficiente para promover a disposição final adequada dos efluentes
tratados, seja por estar subdimensionado ou pelo terreno ter perdido
sua capacidade de infiltração. ALÉM DISSO, EM VIRTUDE DA
PROXIMIDADE EM RELAÇÃO À PRAIA, PODE HAVER INFLUÊNCIA DO LENÇOL
FREÁTICO , O QUE PODE SER VERIFICADO A PARTIR DE UMA ANÁLISE DE
SALINIDADE DO EFLUENTE EXISTENTE NOS SUMIDOUROS.
Pouquíssimo tempo
depois, em 22/10/2019, a SEMAP (DOC 226) realizou, em companhia do
Procurador da República que subscreve a presente demanda, vistoria
in loco (RELATÓRIO DE VISTORIA - FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL Nº
37/2019), cuja conclusão é bastante esclarecedora:
Realizou-se visita à
estação de tratamento de efluente local, recentemente construída
para atender demanda de adequação da destinação dos efluentes
sanitários do estabelecimento. A estação estava concluída, pronta
para operar, aguardando a emissão da Licença Municipal de Operação
(LMO). (...) Observou-se que o antigo sistema de esgotamento
sanitário do local ainda estava sendo utilizado, mais
especificamente um sumidouro, que encontrava-se cheio no momento da
vistoria. De acordo com informações, o mesmo só estava sendo
utilizado pois a Estação de Tratamento de Efluentes ainda
estava inoperante, devido a não emissão da Licença Ambiental
(LMO). Diante deste fato e por ordem do Secretário de Meio
Ambiente foi emitido o Auto de Constatação n° 555, dando um prazo
de 3 dias para que o estabelecimento encerrasse o uso do
sumidouro. Na mesma ocasião, também foi verificada
supressão da vegetação.
Um ponto que merece
bastante destaque é o fato de a Licença de Operação (DOC 351, p.
16) ter sido concedida em 31/10/2019, mas, não obstante o alegado
funcionamento da nova ETE, novas situações de despejo de efluentes
foram identificadas, conforme anexos dos Documentos 260 (10/03/2020)
e 306 (06/08/2020), a revelar que eventual solução aplicada
reputou-se meramente paliativa.
Em que pese o relatório
mais recente (Relatório de Vistoria 004/2020 - DOC 3151), realizado
em 28/10/2020, ter apontado que a ETE está devidamente licenciada e
não ter sido constatado despejo de efluentes em valores superiores à
diretriz DZ-215-R-4, há de se convir que a morosidade ultrapassou
qualquer limite do razoável, na medida em que a primeira
manifestação da Associação nos autos data de 22 de abril de 2019
(DOC 129), ou seja, cerca de 1 ano e meio sem que fosse viabilizada a
adequada manutenção da ETE, de modo a causar danos de
ordem constante e gravidade que merece especial atenção em razão
da possibilidade de causar reflexos negativos ao lençol freático,
como bem apresentado no RELATÓRIO DE VISTORIA SELLAJRVT (DOC 196.1).
Todavia, apesar de toda a
insistência por parte do parquet federal em notificar o MUNICÍPIO
DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS/RJ para tomar providências, não se
observa resposta da municipalidade até a presente data.
Nesse contexto, observa-se que o MUNICÍPIO
DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS/RJ não está cumprindo apropriadamente o
seu poder de polícia em matéria ambiental ao permitir que as
irregularidades supramencionadas permaneçam causando danos por tanto
tempo, haja vista que o procedimento instaurado no âmbito do MPF já
tramita desde 2016, sem nenhuma resposta efetiva por parte da
Administração Pública.
No presente caso,
mostra-se indispensável a incidência do princípio da precaução,
com a consequente correção das irregularidades mencionadas no bojo
da presente ação, sendo certo que o prosseguimento dessas
intervenções antrópicas, nessas circunstâncias, pode acarretar
sérios e até mesmo irreversíveis danos ambientais.
Por toda a fundamentação
supra, entende o MPF que, além da reparação dos danos ambientais,
há que se ter como resposta a toda sociedade a condenação do réu
à reparação dos danos morais advindos de sua conduta.
Por todo o exposto, o
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer:
A) seja deferida
TUTELA DE URGÊNCIA, na forma do art. 300 do CPC/2015, para
determinar que os demandados, sob pena de multa diária no valor de
R$ 5.000,00 (cinco mil reais): - no prazo de 10 (dez) dias:
I) adotem medidas para
corrigir a falta de isonomia no tratamento dispensado a ambulantes em
comparação ao dispensado ao restaurante do hotel ECOPRAIA HOTEL
LTDA, no que tange à colocação de objetos e exploração do
comércio na faixa de areia;
II) cessem o fluxo e
estacionamento de automóveis na localidade da "área verde";
III) paralisem o despejo
irregular de efluentes por parte da ASSOCIAÇÃO CIVIL VILLAGE PRAIA
DAS CARAVELAS, bem como promovam o efetivo funcionamento da ETE
localizada na área, com a devida comprovação e verificação da
municipalidade; - no prazo de 90 (noventa) dias: IV) promovam a
demolição da parcela do ECOPRAIA HOTEL LTDA edificada na "área
verde";
B) a designação
de audiência conciliatória, nos termos do art. 334 do
CPC/2015;
C) a citação dos
réus para integrarem a lide e formalizarem o contraditório,
apresentando contestação, no prazo legal, sob pena de
revelia e dos respectivos efeitos, na forma dos arts. 335 e
seguintes, do CPC/2015;
D) a decretação
da inversão do ônus da prova (ou seu reconhecimento, ao
final, como regra de juízo), conforme art. 6º, VII da Lei 8.078/90,
c/c art. 21 da Lei nº 7.347/85, e consoante exige o princípio da
precaução;
E) ao final, após
o devido trâmite processual, sejam julgados PROCEDENTES os pedidos
ora formulados para, além de confirmar os pedidos liminares,
condenar os RÉUS a:
E.1) repararem
integralmente o dano ambiental na área objeto da lide, mediante
apresentação e execução de plano de recuperação de área
degradada (PRAD) a ser aprovado pelo órgão ambiental competente, no
prazo estipulado pelo respectivo órgão para seu cumprimento, sob
pena de multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), tudo
sem prejuízo da apuração de eventual crime ambiental, a ser arcada
pelas pessoas responsáveis;
E.2) adotar as medidas
mitigatórias e compensatórias do meio ambiente em relação aos
danos ambientais que se mostrarem irrecuperáveis no caso;
E.3) à indenização
pelos danos morais coletivos de forma solidária, com a comprovação
da ação regressiva em face das pessoas físicas responsáveis,
decorrente da conduta apurada nestes autos, em especial a ocupação
da faixa de areia de praia marítima e de área que deveria se manter
verde, sem edificação, além do longo tempo em que o sistema de
esgoto funcionou irregular e insatisfatoriamente, em valor não
inferior a R$ 500.000,00 acrescido de correção monetária,
a partir do ajuizamento desta ação (art. 1º, § 2º, da Lei nº
6.899/81) e de juros de mora, observada a taxa legal (art. 406 do
CC), a ser arcada pelas pessoas responsáveis, importância a ser
revertida ao fundo de que trata o art. 13 da Lei 7.347/85.
Por fim, requer o MPF a
produção de todos os meios de prova admitidos, notadamente a oitiva
de testemunhas, exibição de documentos e de autos de procedimentos
de entes públicos, a serem especificados posteriormente, após o
contraditório e o destaque dos pontos controvertidos. Dá-se à
causa o valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). (assinado
eletronicamente)
LEANDRO MITIDIERI
FIGUEIREDO
Procurador da República
Observação: os grifos são meus