Processo nº 0005552-13.2014.8.19.0078
RAPHAEL BADDINI DE QUEIROZ CAMPOS
Juiz Titular da 2ª Vara de Búzios
RAPHAEL BADDINI DE QUEIROZ CAMPOS
Juiz Titular da 2ª Vara de Búzios
SENTENÇA:
14/6/2018
1.
RELATÓRIO: Trata-se de ação civil pública movida pelo Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro em face de ANDRÉ GRANADO
NOGUEIRA DA GAMA, prefeito do Município de Armação dos Búzios,
objetivando a sua responsabilização pela prática
de suposto ato de improbidade administrativa que atenta contra
princípio da administração pública, na forma do artigo 11, I, Lei
8.429/92.
Alega o ´parquet´ em sua petição inicial que, no mês de dezembro
de 2013, o Poder Executivo Municipal teria encaminhado projeto de Lei
Orçamentária à Câmara dos Vereadores aportando R$40.000.000,00
(quarenta milhões de reais) à rubrica 123, referentes a
determinados convênios. Analisando o projeto, o Poder Legislativo
entendeu que a receita não poderia fazer parte do orçamento, sob
pena de violação ao artigo 12 da Lei Complementar 101/00 (Lei de
Responsabilidade Fiscal), uma vez que o valor era proveniente de mera
expectativa de celebração de negócios jurídicos. Em sequência, a
Câmara de Vereadores aprovou, em 30 de dezembro de 2013, a Lei
Orçamentária para o exercício do ano seguinte, formalizando
emendas para adequar o ato normativo à Lei de Diretrizes
Orçamentárias. Não obstante, optou o Legislativo por retirar todas
as despesas e fontes de receitas provenientes de convênios, conforme
parecer dado pela Comissão Mista de Orçamento, reduzindo os valores
de R$ 250.029.700,62 (duzentos e cinquenta milhões, vinte e nove
mil, setecentos reais e sessenta e dois centavos) para
R$210.906.207,54 (duzentos e dez milhões, novecentos e seis mil,
duzentos e sete reais e cinquenta centavos). No entanto, em razão do
desatendimento ao artigo 165, §8º, ´c´, Lei Orgânica Municipal,
pelo Poder Executivo, norma essa que determina o envio do projeto de
lei orçamentária em meio magnético ao Legislativo, não foi
possível a consolidação das proposições formalizadas pelas
emendas, razão pela qual foi enviado pela Câmara projeto de lei com
texto consolidado, tendo o quadro de emenda sido enviado em apartado,
para posterior compatibilização e publicação.
Já
em 17 de janeiro de 2014, foi publicada LOA (Lei Orçamentária
Anual) com a inclusão de R$24.528.360,00 (vinte e quatro milhões,
quinhentos e vinte e oito mil, trezentos e sessenta reais) na rubrica
referente aos convênios, com a consequente redução proporcional de
gastos com pessoal e de receitas de fonte de recursos ordinários do
Município. Diante disso, percebendo a disparidade, a Câmara
Municipal se reportou ao Poder Executivo, tendo recebido a explicação
de que a compatibilização teria sido realizada de acordo com o
material apresentado, justificando sua postura pelo argumento de que
a Câmara não poderia alterar as dotações estabelecidas por
parecer da Comissão Mista, mas sim por meio de emenda, o que
indicava que a melhor solução seria a aprovação de uma nova lei.
O
imbróglio foi dissolvido com a publicação da LOA de 2014, no
Boletim Oficial de Armação dos Búzios nº 649, em 25 de julho de
2014, não sem antes ter colocado em risco a continuidade dos
serviços públicos naquele ano. Com a petição inicial não foram
juntados documentos (inquérito civil juntado por linha).
Recebimento
da petição inicial e inclusão do Município de Armação dos
Búzios no polo ativo da demanda, na f. 23. Manifestação do
Município na f. 32. Contestação nas f. 42/55, na qual se requer:
a) o reconhecimento da impossibilidade jurídica do pedido, uma vez
que o Ministério Público teria requerido a aplicação das penas
previstas no artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa, artigo
este que não prevê nenhuma penalidade; b) ausência de interesse de
agir, uma vez que o ´parquet´ teria participado da solução
consensual do conflito, que se consolidou por Termo de Ajustamento de
Conduta; e c) no mérito, requer a improcedência do pedido.
Representação
MPRJ nº 2015.00076511 nas f. 62/87. Audiência de Instrução e
Julgamento, cuja assentada se encontra nas f. 198/199, na qual foram
ouvidas quatro testemunhas de defesa e o réu. Audiência em
continuação, com assentada nas f. 209/211, oportunidade em que foi
ouvida testemunha do juízo, estando ausente a defesa técnica.
Intimada para se manifestar, a defesa técnica manteve-se inerte (f.
214). Em alegações finais por escrito, nas f. 216/221, o Ministério
Público confirma seu posicionamento pela existência de ato de
improbidade, requerendo a condenação do réu nas penas do artigo
12, III, em conjunto com artigo 11, ´caput´ e inciso I, todos da
Lei 8.429/92.
É
o breve relatório.
Passo
a decidir.
2.
FUNDAMENTAÇÃO: Inicialmente, entendo que estão presentes os
pressupostos processuais positivos e ausentes os negativos, bem como,
verificadas as condições da ação. Em relação à alegação de
impossibilidade jurídica do pedido, entendo que essa é
absolutamente descabida, uma vez que as penalidades previstas para os
atos que se amoldem nas hipóteses do artigo 11 da Lei 8.429/92 estão
presentes no artigo 12 dessa mesma legislação, sendo desnecessária
a menção expressa a este artigo na petição inicial, por se tratar
de mera consequência lógica. A preliminar de ausência de interesse
de agir é igualmente improcedente, já que a atuação do Ministério
Público tem por finalidade a tutela do interesse público, que é
indisponível por essência. Destaco que a simples participação do
´parquet´ na fase preliminar conciliatória não afasta, por si só,
seu interesse na responsabilização por eventual ato de improbidade,
mormente quando há a adição de elementos posteriores, ou que foram
conhecidos tardiamente, modificando substancialmente o estado das
coisas (entrevista para programa de rádio). Por fim, irrelevante
toda a discussão em torno da suspeição do magistrado que exercia a
titularidade deste Juízo, diante de sua remoção para outra
Comarca. Passadas essas questões, verifico que o feito está
devidamente instruído, não havendo a necessidade de produção de
provas complementares, o que permite o julgamento do feito no estado
em que se encontra, nos termos do art. 355, I, CPC, pelo que passo à
análise do mérito.
Analisando
o feito, noto que o réu sustenta sua defesa de mérito sobre o
argumento de que não houve dolo em sua conduta, tendo procedido da
forma narrada na petição inicial diante de aguda divergência de
entendimento entre os Poderes Legislativo e Executivo quanto à
possibilidade de parecer de Comissão da Câmara de Vereadores ser
instrumento hábil para substituir emenda legislativa para fins de
alteração de projeto de lei. Argumenta também a parte ré a
ausência de dolo na prática do referido ato, e que o pedido inicial
pretende a imputação de responsabilidade objetiva. Quanto a isso,
devo ressaltar que a jurisprudência há muito reconhece que basta o
dolo genérico de praticar a conduta ímproba para que seja possível
a incidência da Lei 8.429/92, sendo desnecessário dolo específico.
Nesse sentido: ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGRAVO
INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROMOÇÃO PESSOAL. PROPAGANDA
SUPOSTAMENTE INSTITUCIONAL. VINCULAÇÃO À IMAGEM DO PREFEITO. LESÃO
AO ERÁRIO CARACTERIZADA. SÚMULA 7/STJ. DOLO GENÉRICO EVIDENCIADO.
SÚMULA 83/STJ. (...)
3.
No tocante à controvérsia em torno do elemento anímico e motivador
da conduta do agente para a prática de ato de improbidade, este
Tribunal tem reiteradamente se manifestado no sentido de que ´o
elemento subjetivo, necessário à configuração de improbidade
administrativa censurada nos termos do art. 11 da Lei 8.429/1992, é
o dolo genérico de realizar conduta que atente contra os princípios
da Administração Pública, não se exigindo a presença de dolo
específico´ (REsp 951.389/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN,
PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 4/5/2011).
4.
´Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a
orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão
recorrida´ (Súmula 83/STJ). 5. Agravo interno improvido.(AgInt no
AREsp 1209815/MT, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 05/06/2018, DJe 08/06/2018). O dolo foi devidamente
comprovado pelo teor da entrevista concedida pelo réu a determinado
programa de rádio, conforme consta da petição inicial,
oportunidade em que assumiu publicamente que, uma vez que a Câmara
não aprovou o orçamento na forma desejada pelo executivo, promoveu
o remanejamento de verbas para garantir o valor de R$24.000.000,00
(vinte e quatro milhões de reais) relativos à expetativa de negócio
jurídico por ´obra do Alto da Boa Vista´. DESTACO QUE O CONTEÚDO
DA ENTREVISTA NÃO FOI IMPUGNADO PELO RÉU, QUE AFIRMOU HAVER APENAS
UMA INTERPRETAÇÃO EQUIVOCADA DO QUE FORA FALADO. OBVIAMENTE, TAL
ARGUMENTO NÃO MERECE PROSPERAR, HAJA VISTA QUE A DECLARAÇÃO
PRESTADA PELO PREFEITO, ORA RÉU, É DE CLAREZA SOLAR, NÃO RESTANDO
QUALQUER DÚVIDA DE QUE TENHA ATUADO COM A INTENÇÃO DE BURLAR O
DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO PARA LHE ´DAR AGILIDADE´ E DE MODO QUE
NÃO TIVESSE QUE ´ENCAMINHAR PARA A CÂMARA E ESPERAR TUDO QUE TÁ
ACONTECENDO AGORA´. É evidente que o atalho trilhado pelo Poder
Executivo gerou grave instabilidade nas relações institucionais,
além de provocar severo risco na continuidade dos serviços públicos
de responsabilidade do Município, sendo que a LOA somente pôde ser
publicada em julho do ano de 2014, após intensas negociações
entres os Poderes, com a participação ativa do Ministério Público.
Observa-se facilmente que houve incontestável
abuso de poder por
parte do Prefeito Municipal, que excedeu de forma manifestamente
dolosa a sua competência funcional ao promover alteração
orçamentária sem autorização legal para tanto e sem aprovação
legislativa, comprometendo a harmonia federativa e pondo em risco os
mais elementares fundamentos democráticos. Destaco, uma vez mais,
que a atitude
maliciosa e temerária do réu
pôs o Município em risco iminente de inexequibilidade do orçamento
público, o que causaria a paralização da prestação dos serviços
públicos pela ausência de Lei Orçamentária para o exercício do
ano de 2014. Portanto, uma vez verificada a ação dolosa por parte
do réu violadora de princípios da administração pública,
mormente os da legalidade, eficiência e continuidade do serviço
público, consistente em praticar ato visando fim proibido em lei ou
regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência
(artigo 11, I, Lei 8.429/92), devem a ele ser aplicadas as sanções
previstas no artigo 12, III, desse mesmo diploma legal. 3.
DISPOSITIVO:
Diante
do exposto JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na petição inicial,
com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para
CONDENAR o réu ANDRÉ GRANADO NOGUEIRA DA GAMA pela prática do ato
de improbidade administrativa descrito artigo 11, I, Lei 8.429/92
(praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso
daquele previsto, na regra de competência), aplicando-lhe as
seguintes sanções previstas no artigo 12, III, da mesma legislação:
a)
suspensão dos direitos políticos por 05 (cinco anos);
b)
pagamento de multa civil de 50 (cinquenta) vezes o valor da última
remuneração percebida pelo agente na função pública de Prefeito
do Município de Armação dos Búzios, devidamente corrigida
monetariamente, dado o relevo dos valores envolvidos no caso e o
extremo potencial lesivo da conduta comprovada nestes autos;
c)
perda da função pública que esteja eventualmente ocupando nesta
data;
d)
proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios
ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda
que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio
majoritário, pelo prazo de três anos.
Condeno
a parte ré, ainda, ao pagamento das custas processuais. Incabível a
condenação em honorários de sucumbência, conforme jurisprudência
dominante deste Tribunal de Justiça e do Superior Tribunal de
Justiça. Transitada em julgado, determino a inclusão do nome do
condenado no Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade
Administrativa. Comunique-se esta condenação ao Tribunal Regional
Eleitoral, para que promova os atos necessários para sua efetivação.
Após, dê-se baixa e arquive-se. Intimem-se, pessoalmente o
Ministério Público e o Município de Armação dos Búzios, esse
último na pessoa de seus procuradores.
Observação 1:
O MP ingressou com a Ação Civil Pública (ACP) a partir de denúncia feita pelo então vereador Gugu de Nair. Parabéns ao MP, a Gugu e sua advogada, que formalizou a denúncia.
Observação 2:
Os grifos são nosso
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Observação 1:
O MP ingressou com a Ação Civil Pública (ACP) a partir de denúncia feita pelo então vereador Gugu de Nair. Parabéns ao MP, a Gugu e sua advogada, que formalizou a denúncia.
Observação 2:
Os grifos são nosso
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