Ninguém
imagina a família presidencial, o procurador-geral, os supremos
magistrados e os injustiçados do centrão com os pés em cima da
mesa, uisquinho na mão, entoando o lema da moda: "A
oligarquia unida jamais será vencida."
Como é impossível supor que o forno
de assar pizzas em que a Lava Jato foi enfiada acendeu por
geração espontânea. Há método no funcionamento da pizzaria.
Se
as carreatas
que foram às ruas no domingo (6) serviram para alguma coisa
foi para realçar o seguinte: a essa altura, nem a rua será capaz de
livrar o esforço anticorrupção da combustão. A contraofensiva
dos oligarcas
não chegou a tempo de salvar o mandato de Romero Jucá, cassado na
urna em 2018. Mas a sangria de que falava o ex-senador foi finalmente
estancada —"com
o Supremo, com tudo."
As
autoridades continuam soando bem intencionadas. Todo mundo é a
favor do combate à corrupção. Os fatos é que conspurcam
as boas intenções. A imagem rachadinha da primeira-família, o
procurador que não procura, o Supremo isento de supremacia, os
corruptos convertidos em heróis da resistência... Diante de
um cenário assim, tudo que está no futuro é restauração do
passado.
No
mensalão, o Supremo despertou no brasileiro uma mania de
Justiça. Os magistrados granjearam prestígio social inédito
ao demonstrar que não há reforma política mais eficaz do que a
remessa dos ladrões para a cadeia. No petrolão, um pedaço da
Suprema Corte passou a privilegiar a abertura das celas.
A
histórica decisão em que o Supremo autorizara o encarceramento de
corruptos condenados em segunda instância já havia sido
confirmada uma, duas, três, quatro vezes. De repente, alguns
magistrados mudaram de posição. O placar de 6 a 5 a favor da tranca
virou um 6 a 5 pela política de celas abertas —54,5% das togas
deram às outras 45,5% uma péssima reputação.
Ao
devolver os larápios ao meio-fio, o Supremo restabeleceu o velho
cenário em que a concretização da justiça é um momento
infinito. Com a perspectiva de recorrer em liberdade até a
prescrição dos crimes, escassearam os delatores.
A
celas começaram a se abrir num instante em que aguardavam na fila
por uma condenação personagens como Aécio Neves, José Serra e
Michel Temer, amigos de determinadas togas. E sonhavam com a
reconquista da liberdade condenados como
Lula e José Dirceu, chegados de outras togas. Quem
estava solto relaxou. Quem estava preso se livrou. A plateia
se deu conta de que não se deve confundir certos magistrados com
magistrados certos.
Restabeleceu-se
o ambiente que vigorava antes do mensalão, quando a
oligarquia política e empresarial do país achava que, acima
de um certo nível de poder e renda, nenhuma ilegalidade justificava
uma reprimenda. Eliminou-se a ilusão pós-petrolão,
fase em que o país percebeu que o problema das prisões não é
a superlotação de pretos e pobres, mas a ausência de bandidos de
grife.
Os
coveiros da Lava Jato seguem duas linhas de argumentação: a
linha da "restauração do devido processo legal" e a linha
da "revisão dos abusos da República de Curitiba."
Comunicando-se por ondas telepáticas, que não podem ser grampeadas,
a turma do torniquete conclui que as duas estratégias são boas.
A
estratégia do devido processo legal é boa porque permite aos
suspeitos, aos culpados e aos cúmplices chamar conivência
de "garantismo". E a defesa da contenção
dos arroubos de Curitiba é boa porque dispensa seus cultores de
recordar que os condenados perambulam
pela conjuntura acorrentados a confissões e provas que resultaram na
recuperação de bilhões em verbas surrupiadas de cofres públicos.
O
Brasil vive um momento delicado. O pano de fundo desse momento é a
restauração da imoralidade. A roubalheira não
atingiu o estágio epidêmico no Brasil por acaso. Os
oligarcas tornaram-se corruptos porque a corrupção tem defensores
poderosos no país. Feridos, os paladinos da
imoralidade estavam recolhidos. Jogavam com o tempo.
Os
cavaleiros da velha ordem estão de volta. Movem-se com desenvoltura
incomum. É como se planejassem tirar o atraso. Já nem se preocupam
em maneirar. Perderam o recato. Em Brasília, o movimento envolve um
pedaço do Congresso e uma ala do Supremo.
Há duas novidades: a aliança
com Jair
Bolsonaro e a simpatia do procurador-geral Augusto Aras.
No
momento, o problema da pizzaria é o excesso de massa.
Será necessário definir o que fazer com a corrupção descoberta
pela Lava Jato. Pode-se retardar
julgamentos e anular sentenças. Mas a roubalheira, de
proporções amazônicas, não cabe no forno.
Fonte:
"JOSIAS
DE SOUZA"
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1: os grifos são meus
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