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quarta-feira, 24 de março de 2021

Datafolha mostra que Lula virou um líder com enorme passado pela frente

 

Lula.  Imagem Edilson Dantas/ Agência O Globo



Lula tornou-se para o PT um personagem paradoxal. Continua sendo o único líder nacional do partido. Mas o contencioso criminal do pajé do PT transformou-o num político de futuro duvidoso.

De acordo com o Datafolha, a maioria dos brasileiros considera justa a condenação de Lula no caso do tríplex (57%). É majoritária também a percepção de que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, agiu mal ao anular todas as sentenças da Lava Jato contra o ex-preso petista (51%).

Lula voltou a fazer pose de inocente nas manchetes. No melhor estilo "nunca antes...", apresenta-se como vítima da "maior mentira jurídica contada em 500 anos de história." Demora a admitir que sua imagem mitológica, fruto de uma construção político-religiosa, já não existe.

A divindade petista consolidou-se como um típico político brasileiro —grosso modo falando. É um político tradicional, suspeito de tudo o que se costuma suspeitar nessa fauna. Não se preocupa em provar uma hipotética inocência. Sua defesa especializa-se em esgrimir falhas processuais capazes de empurrar veredictos com a barriga.

O PT não tem como se livrar do seu maior líder. A legenda perderia a própria alma. Mas teria sido inteligente construir lideranças alternativasLula não permitiu. O petismo não conseguiu evoluir da lulodependência para o pós-Lula. Em consequência, a legenda vem perdendo espaço na preferência do eleitorado.

Lula prevaleceu nas eleições presidenciais de 2002 e 2006 com 61% dos votos válidos. Em 2010, impôs Dilma como candidata. Ela foi enviada ao Planalto com 56% dos votos. Em 2014, já com a fábula da gerentona estilhaçada, Dilma foi reeleita raspando na trave, com 52%. Foi enviada mais cedo para casa.

Na sucessão de 2018, o morubixaba petista estava na cadeia. Negou-se a conceder ao PT um habeas-Lula. Impôs ao partido o nome de Fernando Haddad, que amealhou 44,8% dos votos válidos. O antipetismo impulsionou a vitória de Bolsonaro, com 55% dos votos.

Forte o bastante para empurrar o "poste" Haddad para o segundo turno de uma disputa presidencial, o lulismo revelou-se em 2018 menor do que o antipetismoO pedaço conservador da classe média que acreditara na Carta aos Brasileiros —aquele documento no qual Lula renegara em 2002 o receituário radical que o impedia de chegar ao Planalto— tomou ojeriza pelo PT.

Virou moda dizer que a Lava Jato criminalizou Lula e o PT. EnganoO que criminalizou o partido e seu líder foi o excesso de crimes. Presenteado por Fachin com a lavagem de sua ficha suja, Lula se equipa para disputar um terceiro mandato presidencial, dessa vez sem intermediários.

Oferece ao PT o projeto-divindade. Anuncia a intenção de percorrer o país, convidando o petismo a acompanhá-lo com suas preces. O partido adere à procissão. É movido por uma fé de inspiração cristã.

O ingrediente da dúvida não faz parte do credo do PT. A legenda se alimenta da certeza de que seu único líder é uma potência moralque não deve contas a ninguém. O problema é que nem os aliados tradicionais de esquerda dão de barato que Lula prevalecerá em 2022.

Resta a Lula um consolo. No governo, informa o Datafolha, a única novidade além do negacionismo científico é que Bolsonaro, um presidente com a imagem já bem rachadinha, é visto como um estelionato eleitoral. Para 67% dos brasileiros, haverá mais corrupção no governo do capitão daqui para a frente.

A julgar pelo andar das carruagens de Lula e Bolsonaro, a sucessão de 2022 vai se tornando uma avenida com duas contramãos. Numa contramão trafega o passado pós-1964, comandado por um personagem que virou estorvo à vacinação, fala em "estado de sítio" no meio da pandemia e se refere à caserna como "meu Exército".

Noutra contramão desliza a realidade pós-2003, dirigida por um líder que tem um enorme passado pela frente. Um personagem que, estalando de pureza moral, trata como absolvição decisão judicial que se escora na alegação de "incompetência do foro" para transferir processos de Curitiba para Brasília, oferecendo uma oportunidade à prescrição.

A pesquisa do Datafolha reforça a impressão de que há uma avenida escancarada para que o representante de uma terceira via percorra. O que não existe, por ora, é candidato capaz de personificar o desalento do eleitorado que está de saco cheio da polarização.

Josias de Souza

Observação: os grifos são meus.

Fonte: "JOSIAS DE SOUZA"


quarta-feira, 10 de março de 2021

De tanto fazer política, Supremo ganha uma aparência de Congresso Nacional

 

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Às vésperas do julgamento em que o Supremo autorizou a prisão de Lula, em abril de 2018, Gilmar Mendes praticamente antecipou o seu voto contra a tranca: "Ter um ex-presidente da República, um 'asset' (ativo) como o Lula, condenado, é muito negativo para o Brasil". Chegou a afirmar que a sentença da Lava Jato contra Lula "mancha a imagem do Brasil."

Nesta terça-feira, ao votar pela suspeição de Moro no julgamento sobre o caso do tríplex do Guarujá, Gilmar disse estar tranquilo, pois, diferentemente de outros ministros, não chegou ao Supremo "pelas mãos do Partido dos Trabalhadores". Sentiu a necessidade de proclamar: "Eu sou um insuspeito nessa matéria."

Parceiro de Gilmar na cruzada contra a Lava Jato, Ricardo Lewandowski também posicionou-se a favor da suspeição de Moro. Pintou com cores fortes as violações que acusa a Lava Jato de cometer. Citou, por exemplo, a condução coercitiva de Lula para prestar depoimento, em 2018. Comparou ao "transporte de animais para o abatedouro."

Na entrevista concedida por Gilmar em 2018, aquela em que ele condenou a condenação de Lula, um segundo comentário ficou piscando no letreiro da conjuntura da época: "Se alguém torce para prisão de A, precisa lembrar que depois vêm B e C".

No Brasil, as coisas são mais simples do que muitos imaginam. Simples como o ABC.

A, existe Lula, líder máximo do PT, que acaba de ser brindado por Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, com a anulação das condenações que a força-tarefa de Curitiba pendurou em sua biografia. Lula é amigo de Lewandowski.

B, existe Michel Temer, um presidente do MDB que ralava na época da fala de Gilmar um par de denúncias criminais.

C, existem Aécio Neves e José Serra, grão-duques do PSDB, encrencados na Lava Jato até a última pluma. Temer, Aécio e Serra são amigos de Gilmar.

Deve-se a indicação de Gilmar para o Supremo a FHC. Lewandowski chegou à Corte "pelas mãos do Partido dos Trabalhadores". O próprio Lula o indicou. A origem das indicações não deveria ser motivo de atenção. Mas Gilmar proclamou-se "insuspeito" porque, a exemplo de Lewandowski, são frequentemente associados a comentários de injusta maledicência.

Ao destruir a Lava Jato no voto contra Moro, Gilmar lembrou que foi algoz do PT no julgamento do mensalão. Chegou a tachar o partido de "quadrilha". Nessa época, Lewandowski estava na trincheira oposta. Revisor do voto do então relator Joaquim Barbosa, frequentemente sugeria absolvições ou atenuações de culpas. Gilmar recobriu-o de elogios ao rememorar o julgamento, ocorrido em 2017.

Absteve-se de mencionar, naturalmente, um episódio ocorrido no dia em que a denúncia da Procuradoria contra a "quadrilha" do mensalão foi convertida em ação penal no Supremo. Lewandowski divergiu 12 vezes de Barbosa. Discordou, por exemplo, do acolhimento da denúncia contra José Dirceu e José Genoino por formação de quadrilha.

Terminada a sessão, Lewandowski foi jantar com amigos num restaurante de Brasília. A certa altura, soou-lhe o celular. Era o irmão, Marcelo Lewandowski. O ministro levantou-se da mesa e foi para o jardim externo do restaurante. Por mal dos pecados, a repórter Vera Magalhães, acomodada em mesa próxima, ouviu algumas de suas frases. "A imprensa acuou o Supremo. Todo mundo votou com a faca no pescoço", disse. "A tendência era amaciar para o Dirceu", acrescentou.

Houve quem enxergasse nas declarações de Lewandowski a fala de alguém que tentara golpear, sem sucesso, o devido processo legal. Fizera isso sem dor na consciência: "Para mim não ficou tão mal, todo mundo sabe que eu sou independente", declarou, no fatídico telefonema. Deu a entender que, não fosse pela "faca no pescoço", poderia ter divergido muito mais: "Não tenha dúvida. Eu estava tinindo nos cascos."

Gilmar e Lewandowski esculacharam a Lava Jato servindo-se do material oferecido pela própria força-tarefa de Curitiba. Mensagens roubadas por hackers dos celulares dos procuradores expõem as entranhas da investigação. Revelam o relacionamento juridicamente tóxico que se desenvolveu entre Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol. Os dois trocaram figurinhas, combinaram ações, consultaram-se mutuamente.

Moro ultrapassou a fronteira que deveria separar o magistrado do investigador. Adotou um timbre de superioridade hierárquica, imiscuindo-se no trabalho da Procuradoria. Como consequência, a Segunda Turma do Supremo armou-se para desconstruir a sentença do tríplex. Gilmar diz que o país está diante do "maior escândalo judicial da nossa história".

Muitos dos que têm vontade de concordar com o ministro avaliam que ele pode ser parte do problema, não da solução. Uma visita rápida ao Google é suficiente para assistir a vídeos em que Gilmar conversa com encrencados com a lei —um governador que acabara de receber a visita dos rapazes da PF, um senador réu em ações penais por corrupçãoSob Temer, fazia refeições amiúde com investigados. No comando do TSE na época do julgamento da chapa Dilma-Temer, presidiu aquilo que o então relator Hermann Benjamin chamou de "enterro de provas vivas".

Como se tudo isso fosse pouco, a obtenção da maioria a favor da suspeição de Sergio Moro passa pelo voto do ministro Nunes Marques, que ganhou uma cadeira no Supremo porque dividiu goles de tubaínas com Jair Bolsonaro, no Palácio da Alvorada. Interessa a Bolsonaro a conversão de Moro de herói em vilão. Na cabeça do capitão, seria uma alternativa a menos no baralho da centro-direita para 2022.

A Bolsonaro interessa revitalizar a polarização com o PT, recriando a atmosfera de 2018. Preferiria disputar a reeleição contra o "poste" petista Fernando Haddad. Mas nem sempre se pode ter tudo na vida. Avalia que Lula, reabilitado eleitoralmente por Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, já não é um osso tão duro de roer.

A Segunda Turma transforma Moro em ex-Moro num julgamento crivado de surrealismo. Começou em dezembro de 2018, a partir de um pedido de habeas corpus da defesa de Lula. Esboçava-se na época um placar de 3 a 2 a favor de Moro. Gilmar pediu vista dos autos.

Manteve o trunfo na gaveta por dois anos, à espera do momento ideal para o bote. Ao pressentir que o momento se aproximava, Fachin deu à luz um despacho destrambelhado. Sob o pretexto de que a 13ª Vara Federal de Curitiba não era o foro competente para julgar Lula, determinou o envio dos processos para a Justiça Federal de Brasília. E anulou as sentenças, lavando a ficha suja de Lula.

Atrasando-se o relógio, chega-se a uma decisão de junho de 2016. Nessa época, o relator da Lava Jato no Supremo era Teori Zavascki, morto num acidente de avião. Teori cogitou içar as investigações contra Lula para Brasília porque um grampo que Moro mandara instalar nos telefones do ex-prestdente petista captara um diálogo dele com Dilma Rousseff.

Teori ficou uma arara porque Moro levantou o sigilo do célebre grampo em que Dilma avisa a Lula que o "Bessias" estava a caminho, levando o ato de sua nomeação para o cargo de ministro-chefe da Casa Civil. Teori sustentou que, ao deparar com a voz de Dilma, autoridade com foro no Supremo, Moro deveria ter enviado os autos para Brasília. O então juiz pediu "escusas", a Procuradoria interveio, e Teori decidiu que a Vara de Curitiba tinha competência legal para investigar e julgar Lula. Reenviou os autos para Moro.

A defesa de Lula vinha tentando tirar o cliente de Curitiba havia quase cinco anos. E nada. De repente, Fachin alegou que o Supremo já havia retirado da capital paranaense outros casos que não envolviam apenas desvios praticados na Petrobras, mas em outros guichês do Estado. Do nada, concluiu que as condenações curitibanas de Lula não valiam coisa nenhuma.

Ao farejar na decisão de Fachin uma manobra para livrar Moro do julgamento sobre a suspeição, Gilmar retirou da gaveta o habeas corpus que guardava desde o final de 2018. Que não pôde ser julgado em definitivo porque o ministro bolsonarista Nunes Marques pediu vista dos autos.

Esse balé de elefantes parece uma coreografia do Congresso Nacional, não da Suprema Corte.

Corre no Supremo há dois anos um inquérito secreto que investiga ataques desferidos contra seus ministros e ameaças dirigidas à Corte. São mesmo intoleráveis os sujeitos que sistematicamente desmoralizam o Supremo, jogando a opinião pública contra o tribunal. O problema é que, infelizmente, os que fazem isso vestem toga e dão expediente na última instância do JudiciárioTêm a aparência de escândalos que ainda não encontraram um hacker. Aliciados, podem, botar a culpa em alguém.

Fonte: "josias-de-souza"

Observação: os grifos são meus

quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Festas de final de ano são eventos patológicos

 

Festa clandestina em Manaus. Foto: UOL


Mal comparando, a pandemia do coronavírus é como uma avalanche. Cada pessoa representa uma pedra. Se infectada, ela desliza por um penhasco, e vai contaminando outras pessoas. Esse movimento, quando foge ao controle, soterra o sistema de saúde, provocando mortes. É contra esse pano de fundo fúnebre que proliferam por diferentes pontos do mapa do Brasil grandes celebrações de final de ano. Pessoas se reúnem às centenas para dançar, comer, beber e se infectar.

Convites são comercializados na internet com inusitada transparência. Flagrantes de grandes aglomerações inundam as redes sociais com hedionda naturalidade. Não bastasse a pandemia, o Brasil enfrenta surtos de insensatez. O grande problema é que a imprudência dos insensatos infecciona a precaução dos cuidadosos. Nenhum ser humano tem domínio sobre a vida e a morte. O nascimento é uma contingência. O funeral, uma fatalidade. O segredo da existência está em saber usufruir da transição entre o útero e a sepultura.

A vida se torna muito mais agradável e divertida quando conseguimos combinar a liberdade de fazer escolhas com a responsabilidade pelas escolhas que fazemos. Quem vai a uma grande festa em plena pandemia exibe a sensibilidade de uma pedra que não se sente responsável pela avalanche que provoca. E cada vez que alguém imagina que a crise sanitária não é seu problema, essa atitude individual magnifica o problema coletivo.

Quem enxerga neste ocaso de 2020 razões para participar de festejos coletivos empurra com mais força para dentro de 2021 uma avalanche que abarrota os hospitais, tira o sono dos profissionais da saúde, sobrecarrega os coveiros e dilacera a alma dos familiares e amigos dos quase 200 mil mortos que a Covid já produziu no Brasil. Se a sociedade brasileira já estivesse sendo vacinada, as festas seriam focos de irresponsabilidade. Numa quadra em que faltam ao Brasil, além de vacinas, também as seringas, a celebração é um evento patológico.

Josias de Souza

Fonte: “uol”

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

A oligarquia unida jamais será vencida





Ninguém imagina a família presidencial, o procurador-geral, os supremos magistrados e os injustiçados do centrão com os pés em cima da mesa, uisquinho na mão, entoando o lema da moda: "A oligarquia unida jamais será vencida." Como é impossível supor que o forno de assar pizzas em que a Lava Jato foi enfiada acendeu por geração espontânea. Há método no funcionamento da pizzaria.

Se as carreatas que foram às ruas no domingo (6) serviram para alguma coisa foi para realçar o seguinte: a essa altura, nem a rua será capaz de livrar o esforço anticorrupção da combustão. A contraofensiva dos oligarcas não chegou a tempo de salvar o mandato de Romero Jucá, cassado na urna em 2018. Mas a sangria de que falava o ex-senador foi finalmente estancada —"com o Supremo, com tudo."

As autoridades continuam soando bem intencionadas. Todo mundo é a favor do combate à corrupção. Os fatos é que conspurcam as boas intenções. A imagem rachadinha da primeira-família, o procurador que não procura, o Supremo isento de supremacia, os corruptos convertidos em heróis da resistência... Diante de um cenário assim, tudo que está no futuro é restauração do passado.

No mensalão, o Supremo despertou no brasileiro uma mania de Justiça. Os magistrados granjearam prestígio social inédito ao demonstrar que não há reforma política mais eficaz do que a remessa dos ladrões para a cadeia. No petrolão, um pedaço da Suprema Corte passou a privilegiar a abertura das celas.

A histórica decisão em que o Supremo autorizara o encarceramento de corruptos condenados em segunda instância já havia sido confirmada uma, duas, três, quatro vezes. De repente, alguns magistrados mudaram de posição. O placar de 6 a 5 a favor da tranca virou um 6 a 5 pela política de celas abertas —54,5% das togas deram às outras 45,5% uma péssima reputação.

Ao devolver os larápios ao meio-fio, o Supremo restabeleceu o velho cenário em que a concretização da justiça é um momento infinito. Com a perspectiva de recorrer em liberdade até a prescrição dos crimes, escassearam os delatores.

A celas começaram a se abrir num instante em que aguardavam na fila por uma condenação personagens como Aécio Neves, José Serra e Michel Temer, amigos de determinadas togas. E sonhavam com a reconquista da liberdade condenados como Lula e José Dirceu, chegados de outras togas. Quem estava solto relaxou. Quem estava preso se livrou. A plateia se deu conta de que não se deve confundir certos magistrados com magistrados certos.

Restabeleceu-se o ambiente que vigorava antes do mensalão, quando a oligarquia política e empresarial do país achava que, acima de um certo nível de poder e renda, nenhuma ilegalidade justificava uma reprimenda. Eliminou-se a ilusão pós-petrolão, fase em que o país percebeu que o problema das prisões não é a superlotação de pretos e pobres, mas a ausência de bandidos de grife.

Os coveiros da Lava Jato seguem duas linhas de argumentação: a linha da "restauração do devido processo legal" e a linha da "revisão dos abusos da República de Curitiba." Comunicando-se por ondas telepáticas, que não podem ser grampeadas, a turma do torniquete conclui que as duas estratégias são boas.

A estratégia do devido processo legal é boa porque permite aos suspeitos, aos culpados e aos cúmplices chamar conivência de "garantismo". E a defesa da contenção dos arroubos de Curitiba é boa porque dispensa seus cultores de recordar que os condenados perambulam pela conjuntura acorrentados a confissões e provas que resultaram na recuperação de bilhões em verbas surrupiadas de cofres públicos.

O Brasil vive um momento delicado. O pano de fundo desse momento é a restauração da imoralidade. A roubalheira não atingiu o estágio epidêmico no Brasil por acaso. Os oligarcas tornaram-se corruptos porque a corrupção tem defensores poderosos no país. Feridos, os paladinos da imoralidade estavam recolhidos. Jogavam com o tempo.

Os cavaleiros da velha ordem estão de volta. Movem-se com desenvoltura incomum. É como se planejassem tirar o atraso. Já nem se preocupam em maneirar. Perderam o recato. Em Brasília, o movimento envolve um pedaço do Congresso e uma ala do Supremo. Há duas novidades: a aliança com Jair Bolsonaro e a simpatia do procurador-geral Augusto Aras.

No momento, o problema da pizzaria é o excesso de massa. Será necessário definir o que fazer com a corrupção descoberta pela Lava Jato. Pode-se retardar julgamentos e anular sentenças. Mas a roubalheira, de proporções amazônicas, não cabe no forno.


Observação 1: os grifos são meus

Observação 2:Você pode ajudar o blog clicando nas propagandas. E não esqueçam da pizza do meu amigo João Costa. Basta clicar no banner situado na parte superior da coluna lateral direita. Desfrute!

sábado, 19 de agosto de 2017

Supremo virou sucursal da Casa da Mãe Joana

Aroeira

"Certas decisões dão ao Supremo Tribunal Federal a aparência de sucursal da Casa da Mãe Joana. A OAB requereu ao Supremo que obrigue o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a analisar um pedido de impeachment feito pela entidade contra Michel Temer. O caso caiu sobre a mesa de Alexandre de Moraes. Ex-ministro da Justiça de Temer, o magistrado deveria se declarar impedido de julgar a matéria. Mas Alexandre de Moraes não se deu por achado.
Num país lógico, a própria OAB deveria arguir a suspeição do ministro. Independentemente do veredicto de Alexandre de Moraes, está em jogo a credibilidade da Justiça. Mal comparando, numa ação sobre a guarda de filhos, por exemplo, um advogado da mãe jamais deixaria de questionar a atuação de um juiz que fosse amigo do pai. E um pedido de impeachment não é menos importante do que uma ação da Vara de Família.
Alexandre de Moraes era subordinado de Temer até outro dia. Foi indicado por ele para o Supremo. E a lei prevê que um juiz deve se declarar impedido de atuar em determinado processo sempre que há razões capazes de comprometer a imparcialidade do julgamento. Essa regra tem sido negligenciada. Que o diga outro ministro do Supremo, Gilmar Mendes. Expansiva, Mãe Joana já não se contenta em dar expediente apenas no Congresso e no Planalto. Ela agora veste toga".

Josias de Souza