A
deflagração das operações “Cadeia Velha” e “Furna da Onça”,
aliada à mudança substancial de governo em 2018, levava a crer que
o esquema de aliciamento do Legislativo fluminense pelo Executivo
regional cessaria. Infelizmente, contudo, o que se viu foi o seu
aprimoramento, como se pode depreender pela narrativa
do exSecretário de Saúde EDMAR SANTOS, que durante o
período que esteve no cargo funcionou como peça fundamental para
essa poderosa engrenagem criminosa.
Segundo
o MPF, pelo menos seis Deputados Estaduais associaram-se entre si,
com membros do Executivo e também com empresários, cada qual
desempenhando funções próprias de seus campos de atuação, para
obter vantagens ilícitas derivadas
da prática de diversas infrações penais, notadamente peculato,
corrupção ativa e corrupção passiva.
A
exemplo do modelo criminoso delineado na era Cabral, também agora a
figura do Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro ganhou especial relevância, dada a força política do
cargo. Desse ambiente advém o protagonismo de ANDRÉ
CECILIANO (CPF nº 872.396.397-20), que assumiu o
posto em fevereiro de 2019 depois de eleito pelos pares e após
exercer a interinidade com o afastamento, na legislatura anterior, do
exDeputado JORGE PICCIANI.
Seguindo
os passos do antecessor, ANDRÉ CECILIANO também cooptou
outros Deputados por meio de distribuição de dinheiro público
desviado e indicações para vagas de trabalho em organizações
sociais. De igual modo, empregou o poder da função
para blindar o Executivo e empresários sempre que lhe fosse
conveniente.
A
colaboração premiada de EDMAR SANTOS confirma o protagonismo do
atual Presidente do Poder Legislativo fluminense, o qual, em conjunto
com o atual Governador do Estado, WILSON JOSÉ WITZEL,
e do ViceGovernador CLÁUDIO CASTRO, organizou
esquema criminoso que contou com a participação do próprio EDMAR,
Secretário Estadual de Saúde na época, dos Deputados RODRIGO
BACELLAR e MÁRCIO CANELLA, além do
Secretário Estadual ANDRÉ MOURA.
A
estratégia, apresentada ao colaborador pelo próprio ANDRÉ
CECILIANO em reunião no gabinete da Presidência da Alerj em meados
de 2019, consistia no desvio, em
proveito dos Deputados, de sobras dos duodécimos do Poder
Legislativo, “doados” ao Erário estadual sob pretexto de
financiar as Secretarias Municipais de Saúde. Para
tanto, após ingresso dos recursos nos cofres da Secretaria Estadual
de Saúde, parte dos valores seria repassada para alguns municípios
específicos, o que viabilizaria posterior desvio em favor dos
integrantes do esquema, além da exploração política desses
aportes financeiros em suas bases eleitorais de olho nas próximas
eleições.
Nas
palavras do colaborador, já em 2019, por iniciativa de ANDRÉ
CECILIANO, pouco mais de R$ 100 milhões foram “doados”
pela Alerj.
Com
a efetiva transferência das verbas para a conta do tesouro estadual,
ANDRÉ CECILIANO mais uma vez procurou o colaborador e o orientou a
repassar parte dos recursos para alguns municípios, evidenciando que
a estratégia tinha por objetivo maior atender aos interesses
espúrios do grupo criminoso. Um dos primeiros a receber por ordem de
ANDRÉ CECILIANO foi o Município de São João de Meriti,
cujo Vice-Prefeito, Gelson Azevedo, é seu aliado político.
Em
seu relato o colaborador disse ter sido orientado por ANDRÉ
CECILIANO a seguir as determinações do Deputado Estadual RODRIGO
BACELLAR sobre os Municípios que seriam beneficiados com as
transferências dos duodécimos da Alerj. O Deputado Estadual RODRIGO
BACELLAR, que é líder do Partido Solidariedade no Norte, Noroeste e
Lagos Fluminense, deixou de lado as necessidades dos sistemas
regionais de saúde para privilegiar suas bases eleitorais,
sobrepondo projetos de poder aos interesses da população. Por essa
razão Campos dos Goytacazes, região na qual ambos, ANDRÉ CECILIANO
e RODRIGO BACELLAR, possuem interesse político e procuram emplacar
candidato próprio à prefeitura, foi um dos prestigiados pela dupla:
Segundo
o MPF consulta ao SIAFE-RIO revelou que o Município de Campos é
contratante da organização social NOVA ESPERANÇA,
que comprovadamente integra a organização criminosa em análise.
Essa descoberta reforça o entrelaçamento entre os diversos núcleos
da organização criminosa, notadamente o núcleo político, no seu
braço dentro da Alerj, e o núcleo econômico.
É
notória a similaridade entre a configuração do esquema criminoso
narrado por EDMAR SANTOS e aquele apurado nas operações “Cadeia
Velha” e “Furna da Onça”, mantido, assim, o modus operandi.
Trata-se de característica típica das organizações criminosas,
nas quais as pessoas em si são menos importantes do que os cargos e
as atribuições que ocupam, cujo exercício, este sim, é essencial
para que as tarefas distribuídas continuem sendo realizadas em
benefício da engrenagem já posta pela organização criminosa.
Os
cargos mais próximos do Governador continuam responsáveis, no
Executivo, por dar cumprimento às suas ordens na captura do
Parlamento regional. Nesse sentido, as tarefas que, sob a gestão de
SÉRGIO CABRAL, ficavam a cargo de LUIZ PEZÃO, WILSON CARLOS e
AFFONSO MONNERAT – respectivamente, Vice-Governador, Secretário de
Governo e Chefe de Gabinete – hoje, na gestão WILSON WITZEL, são
desempenhadas por CLÁUDIO CASTRO,
Vice-Governador, ANDRÉ MOURA, Secretário da Casa
Civil, e CLEITON RODRIGUES, Chefe de Gabinete do
Governo. A centralização do esquema na Presidência da Alerj também
não é novidade. Nas operações “Cadeia Velha” e “Furna da
Onça”, constatou-se que parte da distribuição da propina, a bem
tanto próprio como de outros Deputados, perpassava as figuras de
JORGE PICCIANI e PAULO MELO, então Presidentes da Casa Legislativa,
o que se repete com ANDRÉ CECILIANO.
As
semelhanças entre o esquema delatado por EDMAR SANTOS e aquele
apurado nas operações “Cadeia Velha” e “Furna da Onça” não
param por aí. Em seu depoimento o colaborador descreveu detalhes de
como eram distribuídos entre Deputados Estaduais cargos
nas organizações sociais com o objetivo de angariar
apoio político.
DELAÇÃO
DE EDMAR SANTOS
Que,
em meados de 2019, o PASTOR EVERALDO pediu ao colaborador que criasse
algumas “vagas” para serem ofertadas a CLEITON; Que essas vagas
seriam disponibilizadas a CLEITON para que este pudesse negociar com
deputados da base do governo na ALERJ, facilitando a aprovação de
projetos; Que o colaborador levanta, então, o quantitativo de
funcionários que poderiam ser oferecidos aos deputados; Que chegou a
conclusão que 10% dos cargos de UPAs e Hospitais poderiam ser
oferecidos, uma vez que esse percentual não prejudicaria o
funcionamento das unidades; Que as vagas oferecidas eram
essencialmente de cargos básicos, de baixa escolaridade, como
porteiro, auxiliar de limpeza, segurança, ou de nível médio como
técnico de enfermagem, técnico de radiologia; Que em situações
excepcionais cargos de médicos ou enfermeiros também eram
oferecidos; Que o colaborador montou, então, planilha com o
mapeamento de cargos e unidades; [...] Que entregou a planilha a
CLEITON para que este fizesse a negociação com os deputados; Que a
metodologia era a seguinte: CLEITON, sabendo das demandas dos
deputados, apresentava a disponibilidade de cargos aos mesmos; Que,
ato contínuo, os deputados entregavam os currículos das pessoas
indicadas a CLEITON que os repassava a BRUNO GARCIA REDONDO, ou
diretamente a BRUNO GARCIA REDONDO; Que BRUNO GARCIA REDONDO então
levava tais currículos às organizações sociais; Que o colaborador
tem certeza que a OS Lagos, cujo contato é o Sr. JURACY BAPTISTA DE
SOUZA FILHO, que a OS MAHATMA GANDHI, cujo contato é o Sr. CAMILO, e
a OS IDAB, cujo contato é o Sr. MATHEUS aceitaram currículos e
empregaram funcionários oriundos dessas indicações de
parlamentares; Que quando ANDRE MOURA chega na Casa Civil, essa
articulação sai de CLEITON para MOURA; Que BRUNO GARCIA REDONDO
leva cópia da planilha para ANDRE MOURA e este processo passa a ser
gerenciado por MOURA e não mais por CLEITON RODRIGUES; Que este
processo gerou muito ruído com os parlamentares, uma vez que a
apresentação de currículos não garantia a vaga, havendo um
processo seletivo; Que a OS poderia rejeitar alguns currículos que
não fossem condizentes com o cargo; Que isso gerava desgaste por
parte do deputado que não conseguia ver a sua promessa de oferta de
cargo honrada; Que, por conta disso, o colaborador acredita que nem
10% das vagas em tese disponíveis foram preenchidas; Que 10% do
total de vagas correspondia a 1800 posições; Que o colaborador
acredita que nem 180 pessoas foram contratadas com base na
sistemática acima descrita;
EDMAR
SANTOS disse, ainda, o seguinte:
Andre
Moura, pouco depois, é nomeado como Secretário da Casa-Civil e
passa, então, a ser o responsável pela articulação com a ALERJ.
Com efeito, passa a ser – também – o responsável por encaminhar
a seu assessor, Bruno Garcia Redondo, as demandas relativas aos
cargos anteriormente mencionados. Andre Moura passa a dividir
com Marcio Pacheco, então líder do Governo, a
responsabilidade pela montagem de tal lista e a encaminhavam
diretamente a Bruno. Recorda-se de que algumas OSs certamente
contrataram pessoas indicadas, são elas: LAGOS, MAHATMA GANDI e
IDAB.
A
distribuição das tarefas entre os integrantes da organização
criminosa da gestão WILSON WITZEL para operacionalização
do loteamento de cargos em organizações sociais é
rigorosamente idêntica à do esquema de distribuição de vagas em
empresas de mão de obra terceirizada e cargos em autarquias e órgãos
públicos detectado nas gestões SÉRGIO CABRAL e LUIZ PEZÃO.
Conforme
se observa, as funções que eram desempenhadas WILSON CARLOS, hoje
são encabeçadas por ANDRÉ MOURA. As empresas de ARTHUR SOARES
agora são as organizações sociais, comandadas por JURACY BAPTISTA,
CAMILO RANGEL e MATEUS SIMÕES e ganham contratos com o Governo do
Estado do Rio de Janeiro já compromissadas com a disponibilização
de vagas para indicados políticos. Pontue-se que JURACY BAPTISTA já
foi, inclusive, denunciado pelo Ministério Público do Estado do Rio
de Janeiro, na “Operação Paganus”, em que se apuram sobrepreço
e superfaturamento em contratos firmados com a organização social
INSTITUTO LAGOS RIO, com consequente desvio para si e para terceiros
por ele indicados.
Relevante
trazer à tona que o ex-Deputado Estadual EDSON ALBERTASSI, principal
organizador do esquema, era, à época da deflagração da “Operação
Cadeia Velha”, líder do Governo na Alerj. No esquema atual essa
posição foi assumida por MÁRCIO PACHECO –
que foi indicado, em janeiro de 2019, como líder de Governo WILSON
WITZEL no Legislativo fluminense – em conjunto com CLEITON
RODRIGUES, Chefe de Gabinete do Governador.
Chama
a atenção, ainda, que, em cada órgão loteado havia um responsável
pelo tráfego dos currículos e fechamento de contratos, o que também
confere verossimilhança às narrativas do colaborador quando aponta
a figura de BRUNO GARCIA REDONDO a desempenhar tal função na
Secretaria Estadual de Saúde, na qualidade de assessor especial de
articulação institucional da Secretária Estadual de Saúde.
Em
2018, a distribuição de cargos para Deputados Estaduais era
particularmente intensa no Detran/RJ, onde, por exemplo, estava
presente a figura de CARLA ADRIANA PEREIRA, responsável por
articular as nomeações dos parlamentares com a administração da
autarquia. Outra autarquia muito visada pelos Deputados Estaduais era
a Fundação da Infância e Adolescência – FIA. Lá, a gestão das
indicações e contratações era feita por SHIRLEI APARECIDA
MARTINS, ex-chefe de gabinete de EDSON ALBERTASSI.
EDMAR
SANTOS disse que, em outubro de 2019, fora convidado para um almoço
com o Deputado Estadual RODRIGO AMORIM, o Eeputado
Estadual ALEXANDRE KNOPLOCH, o Secretário
Estadual LEONARDO RODRIGUES e também o empresário JOSÉ CARLOS DE
MELO. Embora não tenha sido discutida a prática de ilícitos nessa
oportunidade, fato é que essa reunião de aproximação se deu em
contexto no qual o grupo econômico de JOSÉ CARLOS DE MELO buscava
aumentar sua influência na pasta da saúde.
Foram
essas as palavras do colaborador no ponto:
Que
a Secretaria de Ciência e Tecnologia, cujo Secretário é LEONARDO
RODRIGUES, tem forte influência do empresário MÁRIO PEIXOTO; Que,
apesar do Secretário LEONARDO RODRIGUES ter boa relação com MÁRIO
PEIXOTO, tem excelentes relações com JOSÉ CARLOS; Que o movimento
de LEONARDO é ampliar tais relações com JOSÉ CARLOS; [...] Que,
desde junho de 2019, havia tentativa de LEONARDO RODRIGUES para
aproximar o colaborador de JOSÉ CARLOS; Que LEONARDO RODRIGUES não
tinha qualquer “negócio” com o colaborador, mas havia um bom
ambiente de coleguismo entre ambos; Que, ao longo do tempo, forma-se
uma pressão muito grande em cima do colaborador, por este não
atender, com a velocidade desejada, os direcionamentos de licitação
que eram demandados e propostos pelo Grupo do PASTOR EVERALDO; Que a
pressão política feita era tão grande, com o risco do colaborador
perder o cargo, que o mesmo decidiu conversar com JOSE CARLOS à
procura de um maior equilíbrio dentro do Governo; Que LEONARDO
RODRIGUES marca reunião entre o colaborador e JOSE CARLOS na segunda
quinzena de outubro de 2019, no restaurante FRATELLI na Barra da
Tijuca; Que o colaborador é o primeiro a chegar e pegunta se havia
uma mesa reservada para JOSE CARLOS; Que o colaborador teve a
impressão ao chegar no restaurante que o local era frequentado com
muita habitualidade no FRATELLI, o que se confirmou posteriormente;
Que o colaborador senta-se na mesa reservada para JOSE CARLOS; Que
após um tempo chega LEONARDO RODRIGUES e, em sequência, JOSÉ
CARLOS; Que a primeira conversa não teve qualquer ilicitude
envolvida; Que após 20 minutos de conversa, chegam dois deputados
estaduais: RODRIGO AMORIM e ALEXANDRE KNOPLOCH; Que o colaborador não
sabia que os mesmos iriam participar; Que RODRIGO AMORIM e LEONARDO
eram muito próximos; Que o colaborador percebeu que os dois
deputados demonstravam conhecer JOSE CARLOS há bastante tempo; Que
durante o jantar JOSE CARLOS saiu da mesa e foi se encontrar com
outras pessoas, em reuniões paralelas; Que não há qualquer
proposta de vantagens indevidas nesse dia;
Esse loteamento,
como vem sendo asseverado pelo MPF, integra, junto do pagamento
de propina em espécie, o pacote de vantagens ilícitas
que o chefe do Governo do Estado oferece aos parlamentares para
manter sua base no Legislativo e está indissociavelmente ligado,
entre outros objetivos, à tentativa de obstaculizar iniciativas da
Alerj que possam prejudicar a perpetuação da organização
criminosa.
Assim
é que, por exemplo, depois da deflagração da “Operação
Favorito”, WILSON WITZEL abriu processo de negociação de
Secretarias Estaduais para impedir o prosseguimento do processo de
impeachment no Parlamento fluminense, cujo relator é RODRIGO
BACELLAR, Deputado Estadual multicitado aqui como operador do esquema
de duodécimos no interesse do Presidente da Alerj, ANDRÉ CECILIANO.
O
MPF conclui o pedido de prisão preventiva afirmando que a atuação
em bloco dos Deputados Estaduais cooptados pelo Executivo e pelas
empresas que formavam o núcleo econômico da organização criminosa
resultou em atos de ofícios relevantes, como, por exemplo,
(i)
a designação dos integrantes da organização criminosa para
ocuparem funções estratégicas dentro da Alerj,
(ii)
a votação para os cargos de Conselheiro do Tribunal de Contas do
Estado,
(iii)
a votação para revogação das prisões decretadas no âmbito da
“Operação Cadeia Velha”,
(iv)
a não instauração de procedimento no Conselho de Ética contra
esses parlamentares objeto de medidas restritivas de liberdade,
(v)
a constante aprovação de contas do Governo do Estado,
(vi)
a não abertura de comissões parlamentares de inquérito,
(vii)
a condução concertada de projetos de lei voltados a beneficiar o
núcleo econômico da organização criminosa, entre outros.
Fonte: MPF/RJ
Fonte: MPF/RJ
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