Sergio Moro, da Lava Jato à demissão do Ministério da Justiça |
Ninguém,
entre os caciques políticos, verte pela força-tarefa uma furtiva
lágrima
A Operação
Lava Jato agoniza,
sufocada pelo procurador-geral da República, Augusto
Aras,
sob a aprovação silenciosa do conjunto de partidos e líderes
políticos —de A a Z.
Na
origem, a força-tarefa encarnou a autonomia do sistema de Justiça
em relação ao Executivo, sustentada nos poderes ampliados que lhe
conferiu a Constituição de 1988. Tornou-se possível com o advento
de uma nova geração de promotores e juízes que já não dependiam
da patronagem, mas de seus méritos aferidos em concursos públicos,
para ingressar na carreira. Faz sentido que se vissem como guardiões
da lei maior ameaçada por um sistema político no seu entender
irremediavelmente corrupto.
A
Lava Jato trouxe à luz a existência daquilo que, décadas antes, o
cientista político americano Gordon Adams tinha chamado triângulos
de ferro: arranjos informais e secretos que ligam firmas de prestação
de serviços, burocratas de estatais e partidos políticos, em
benefício dos envolvidos e em detrimento do interesse coletivo.
A
Lava Jato não criou a crise política que pulverizou o sistema de
partidos e abriu caminho para a ascensão da extrema direita. Mas
forneceu o combustível para as campanhas da imprensa e as grandes
manifestações de rua, as quais, associadas à crise econômica, à
polarização política e ao desmanche da base parlamentar
governista, tornaram possível o impeachment
de Dilma Rousseff e
tudo o que se lhe seguiu.
Os
métodos reprováveis a que recorreram promotores e o juiz Sergio
Moro —especialmente sua inaceitável
proximidade durante a montagem dos processos—
tampouco contribuíram para o aperfeiçoamento da aplicação da
Justiça e a criação de instrumentos legítimos para reduzir a
corrupção política.
No
Brasil, o discurso moralista foi componente central de todas as
grandes crises políticas sob regime democrático. Apesar do
retrospecto, a Lava Jato morre agora não como explosão, mas como
murmúrio —e sem ninguém, entre os caciques políticos, a verter
por ela uma furtiva lágrima.
Mas
os triângulos de ferro do professor Adams sobrevivem a ela. Ativados
e operantes, existem em empresas públicas e agências reguladoras.
Por isso, a retórica anticorrupção continuará sendo um recurso da
luta política.
Alimentará
o populismo de direita enquanto não ocupar também posição de
relevo na agenda dos democratas.
Maria
Hermínia Tavares
Professora
titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do
Cebrap. Escreve às quintas-feiras.
Fonte: "FOLHA"
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