A Noite dos Cristais |
Criação
de escolas militarizadas foi decisiva para infiltração do nazismo
O
governo Bolsonaro não tem a direcioná-lo uma doutrina, nem de
arremedo, que lhe dê fisionomia como razão de ser e de propósito.
O nível médio de ignorância entre os que o habitam não permitiria
lidar com ideias, rasas que fossem, nem com noções de ordem
cultural, simplistas embora.
Ressentimento,
interesses pessoais e de classe socioeconômica, racismo,
preconceitos vários, décadas de orientação militar exterior,
descaso pela comunidade planetária e seu ambiente e desprezo
absoluto pelo outro induzem a alternância caótica de suas práticas.
A similaridade delas com outras histórias ou atuais, no entanto,
proporciona ao governo Bolsonaro a fisionomia que lhe falta em
doutrina.
O
governo providencia, por exemplo, a criação de 108 escolas
militarizadas,
para início de ambicioso programa. O plano não é original, nem o
era nas primeiras referências ainda na campanha eleitoral. Foi uma
criação decisiva para a infiltração, ao longo dos anos 1930, do
nazismo e do culto ao ditador na vida da Alemanha. O voluntariado de
multidões jovens para a guerra simultânea do nazismo a dez países
europeus, em 1939-40, foi obra do ensino militarizado.
A
hostilidade de Bolsonaro à cultura artística oficializou-se já na
entrega do ministério próprio a um conservador radical e sem
contato com o ramo.
A
anticultura mostrou-se toda na identificação do
cinema nacional ao
que Bolsonaro, seu ministro e seus pastores imaginam do filme “Bruna
Surfistinha”, nem visto pelo primeiro. Esse combate à cultura
artística é usual nos governos autoritários, e se volta em
especial contra percepções sexuais quando o poder é militarizado
ou de submissão religiosa. O combate ao que foi chamado de “arte
degenerada”, na Alemanha hitlerista, também não começou pela
censura explícita. Usou por bom tempo o arrocho financeiro e outras
dificuldades, até dominar toda a arte. É o que começa aqui.
As
verbas federais destinadas aos estados estão submetidas por
Bolsonaro a novo critério: “os do Nordeste não vão ter nada”.
São de oposição a Bolsonaro.
O
critério depois abriu uma brecha, porém a depender de uma
exigência: “Se eles quiserem receber (...), eles vão ter que
falar que estão trabalhando
com o presidente Jair
Bolsonaro”. “Eles” são os governadores, as vítimas são as
populações. A condição punitiva e personalista, para o direito a
verbas públicas, contraria a Constituição. E foi o primeiro
recurso administrativo contra o oposicionismo regional na Alemanha e
na Itália fascista, assim como é comum nos poderes que buscam o
autoritarismo.
Os
ataques de retaliação à imprensa, a deportação sumária e sem
tempo para defesa, a desmontagem da Comissão de Mortos e
Desaparecidos Políticos são, todos, repetição do primeiro estágio
de ascensão ao poder ditatorial por nazistas e fascistas.
A
investida contra os índios, para a tomada exploratória de suas
terras, tem semelhança com o extermínio dos ciganos dados como
inúteis e viciosos pelos nazistas. Ensaio de extermínio, já
anunciada por Bolsonaro as mortes de gente “como baratas”, por
balas de impunidade assegurada. As similaridades vão longe, à
disposição dos atentos. Mas é intransferível o registro de mais
uma.
A
repetição por Bolsonaro, sob a dignidade da Presidência da
República, da qualificação de “herói nacional” para um
torturador e responsável por pelo menos 45 mortos e
desaparecidos sob sua guarda, é um desacato à Constituição. No
mínimo. O coronel Carlos Brilhante Ustra foi condenado pelo que o
texto constitucional define como “crimes imprescritíveis”. A
transgressão de Bolsonaro, dirigida também à Presidência, é, por
si só, suficiente para tornar imoral a sua continuidade no cargo. No
mínimo.
Jânio
de Freitas
Fonte: "folha"
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