Foto extraída do Fantástico, rede Globo |
O
programa Fantástico da Rede Globo apresentou ontem (27), em
reportagem conduzida pelo repórter Ernesto Páglia, um retrato bem
fidedigno da forma como os três entes da federação brasileira-
municípios, estados e União- tratam a questão ambiental.
O
pouco caso no trato com o meio ambiente fica demonstrado na pergunta
inicial que é o mote do programa: “como foi possível acontecer
tudo de novo, tão pouco tempo depois da tragédia de Mariana?”
Para
a pergunta, podemos encontrar algumas respostas do ponto de vista
econômico, político e técnico (de engenharia).
Um
técnico entrevistado propõe que se reavalie o hábito de se ficar
estocando lama. Nada mais sensato, se as barragens de rejeito de lama
não são confiáveis, não são cem por cento seguras.
A
intervenção desastrosa da Agência Nacional de Águas (ANA) vem
demonstrar que precisamos também rediscutir a forma como as
agências reguladoras estaduais e nacionais funcionam. A ANA, meses
antes da tragédia, assegurou que a barragem do Feijão era de “baixo
risco”. Também ficou claro que os órgãos federais de
fiscalização não podem permitir que a própria Vale contrate
empresas para fazer a fiscalização das barragens, pois é óbvio
que quem contrata a orquestra, escolhe a música. Uma empresa alemã
contratada pela Vale atestou a estabilidade das instalações da
barragem do Feijão.
AS
DECISÕES ECONÔMICO-ADMINISTRATIVAS
Na
primeira década deste século a tonelada de minério de ferro
custava 190 dólares. Com a desaceleração econômica da China,
grande compradora mundial de minério, o preço caiu para 75 dólares
em 2017. Além disso, o minério de ferro de Carajás (PA) é de
melhor qualidade que o de MG. É óbvio que nessas condições, para
se obter competitividade no mercado, rebaixou-se o máximo possível
os custos. E todos sabem que o custo de se estruturar uma boa
segurança não é nada desprezível.
A
crise fiscal do estado de MG é outo fator de peso. Com 30 bilhões
de reais de dívida e o não pagamento do 13º salário de mais de
609 mil servidores, obviamente que o governo estadual remanejaria
verbas de algumas secretarias para cobrir o rombo. Como sempre,
nesses casos, as dotações das secretarias de meio ambiente são
remanejadas sem a menor cerimônia. Quer confirmar, veja a dotação
para o meio ambiente em Búzios no orçamento deste ano.
Mesmo
com todas estas dificuldades, a Vale não pode alegar que não possua
recursos para investir em segurança de barragens. A empresa vem
apresentando nos últimos anos bons resultados no cenário
internacional e doméstico.
A
questão da fiscalização é outro ponto fundamental. Faltam
recursos do governo estadual e da União para a área de segurança
de barragens. Recursos financeiros e recursos humanos. Em geral, nos
municípios, nos estados e na União, a fiscalização é frágil,
deficiente. E nunca atende plenamente os objetivos que estão
previstos na politica municipal , estadual e nacional de meio
ambiente. Muito menos à política nacional de mineração.
Segundo
dados do TCU, a Agência Nacional de Mineração tinha em 2018 apenas
36 servidores qualificados para monitorar barragens. Um número
ínfimo, já que em todo território brasileiro temos 790 barragens somente de rejeitos de mineração. Isso sem considerar outros tipos de
barragens. Quer confirmar que os governos em geral não se preocupam
com a fiscalização ambiental, procure saber quantos fiscais de meio
ambiente tem em sua cidade ou em seu estado. Até parece que esses
governos se omitem justamente para não criar problemas para os
empresários do setor.
AS
DECISÕES POLÍTICAS
Segundo
o Ministério Público, a fiscalização das mineradoras foi entregue
às próprias empresas. As tragédias comprovam que isso não
funciona. Todas as tentativas de se mudar as leis fracassaram porque
o poder econômico domina as Casas Legislativas, sejam municipais,
estaduais ou federal. Observe como se comportam os vereadores em
relação às leis urbanísticas de seu município. Em geral as
modificações feitas por eles vêm atender interesses de grandes
especuladores imobiliários.
O
licenciamento é feito pelo governo de maneira muito acelerada, “à
toque de caixa”. E estudos técnicos importantes não são
realizados. Procure saber como as empresas que realizam grandes
empreendimentos em seus municípios ou estado, obtém licenças
prévias, de instalação ou de operação. Depois não vai reclamar
se acontecer uma tragédia em seu município.
Por
falar em tragédia, depois da tragédia de Mariana alguns deputados
mineiros apresentaram projetos de lei para tentar endurecer as regras
para a atividade mineradora no estado. Mas nenhum deles foi adiante.
O Deputado Estadual João Vitor Xavier- um dos que apresentaram
projeto de lei nesse sentido-, diante da não aprovação de seu
projeto, previu no ano passado que uma nova tragédia ocorreria. Dito
e feito.
Outro
que se manifestou nesse mesmo sentido foi o ambientalista Leonardo
Ivo, da ONG Observatório De Leis Ambientais. No final do ano
passado, ele lamentou que se terminou o ano de 2018 sem conseguir
aprovar uma legislação específica de segurança de barragens.
Em
sentido contrário à questã da segurança, no final de 2017, o
governo petista de Pimentel publicou normas que permitiram rebaixar o
potencial de risco de algumas barragens. A medida acelerou o
licenciamento ambiental no estado. A deliberação normativa (DN) nº
74 foi revogada e substituída pela DN nº 217, que mudou o sistema
de licenciamento ambiental no estado de MG. Com base nessa
deliberação do governo estadual, a Vale pediu a ampliação das
atividades da Mina do Feijão até 2032!
Em
dezembro de 2018, a Câmara Técnica do Conselho de Política
Ambiental (COPAM) se reuniu para discutir a ampliação ou não do
complexo da barragem do Feijão. Composta por 12 membros, sendo 6
representantes de órgãos públicos e 6 da sociedade civil, com 3
representantes da indústria mineradora entre estes últimos, não
podia decidir de outra maneira, a não ser a favor da ampliação da
barragem do Feijão. Procure saber como anda a composição do
Conselho Municipal que cuida da Política Ambiental de seu município
e do seu estado. Verifique se ele é tão “paritário” quanto o
COPAM mineiro.
Segundo
Maria Teresa Corujo, ambientalista e membro do COPAM, o Conselho
representa o interesse econômico dos empresários de MG.
Rodrigo
Ribas, representante da Secretaria de Meio Ambiente do governo de MG,
rebate as críticas com veemência. Considerou desagradável que as
pessoas chamem a minha equipe de “criminosos”. “Nós temos
muita tranquilidade naquele parecer que nós elaboramos e nós
estamos muito seguros em relação a ele”.
Germano
Vieira, secretário estadual de Meio Ambiente, estranhamente o único
integrante da gestão petista anterior mantido pelo novo governador
no cargo, disse:
“Agora
nós temos que fazer deste desastre uma mudança de postura do setor
de mineração e também das tratativas legislativas”.
Agora,
secretário! Por que nada foi feito depois do desastre anterior de
Mariana? Pior, em vez de apertar nas normas para aumentar a
segurança, o governo mineiro e sua secretaria de meio ambiente
afrouxaram as normas do setor. Criminosos!
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