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segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Triste aquarela das tragédias da mineração

Foto extraída do Fantástico, rede Globo

O programa Fantástico da Rede Globo apresentou ontem (27), em reportagem conduzida pelo repórter Ernesto Páglia, um retrato bem fidedigno da forma como os três entes da federação brasileira- municípios, estados e União- tratam a questão ambiental.

O pouco caso no trato com o meio ambiente fica demonstrado na pergunta inicial que é o mote do programa: “como foi possível acontecer tudo de novo, tão pouco tempo depois da tragédia de Mariana?”

Para a pergunta, podemos encontrar algumas respostas do ponto de vista econômico, político e técnico (de engenharia).

Um técnico entrevistado propõe que se reavalie o hábito de se ficar estocando lama. Nada mais sensato, se as barragens de rejeito de lama não são confiáveis, não são cem por cento seguras.

A intervenção desastrosa da Agência Nacional de Águas (ANA) vem demonstrar que precisamos também rediscutir a forma como as agências reguladoras estaduais e nacionais funcionam. A ANA, meses antes da tragédia, assegurou que a barragem do Feijão era de “baixo risco”. Também ficou claro que os órgãos federais de fiscalização não podem permitir que a própria Vale contrate empresas para fazer a fiscalização das barragens, pois é óbvio que quem contrata a orquestra, escolhe a música. Uma empresa alemã contratada pela Vale atestou a estabilidade das instalações da barragem do Feijão.

AS DECISÕES ECONÔMICO-ADMINISTRATIVAS

Na primeira década deste século a tonelada de minério de ferro custava 190 dólares. Com a desaceleração econômica da China, grande compradora mundial de minério, o preço caiu para 75 dólares em 2017. Além disso, o minério de ferro de Carajás (PA) é de melhor qualidade que o de MG. É óbvio que nessas condições, para se obter competitividade no mercado, rebaixou-se o máximo possível os custos. E todos sabem que o custo de se estruturar uma boa segurança não é nada desprezível.

A crise fiscal do estado de MG é outo fator de peso. Com 30 bilhões de reais de dívida e o não pagamento do 13º salário de mais de 609 mil servidores, obviamente que o governo estadual remanejaria verbas de algumas secretarias para cobrir o rombo. Como sempre, nesses casos, as dotações das secretarias de meio ambiente são remanejadas sem a menor cerimônia. Quer confirmar, veja a dotação para o meio ambiente em Búzios no orçamento deste ano.

Mesmo com todas estas dificuldades, a Vale não pode alegar que não possua recursos para investir em segurança de barragens. A empresa vem apresentando nos últimos anos bons resultados no cenário internacional e doméstico.

A questão da fiscalização é outro ponto fundamental. Faltam recursos do governo estadual e da União para a área de segurança de barragens. Recursos financeiros e recursos humanos. Em geral, nos municípios, nos estados e na União, a fiscalização é frágil, deficiente. E nunca atende plenamente os objetivos que estão previstos na politica municipal , estadual e nacional de meio ambiente. Muito menos à política nacional de mineração.

Segundo dados do TCU, a Agência Nacional de Mineração tinha em 2018 apenas 36 servidores qualificados para monitorar barragens. Um número ínfimo, já que em todo território brasileiro temos 790 barragens somente de rejeitos de mineração. Isso sem considerar outros tipos de barragens. Quer confirmar que os governos em geral não se preocupam com a fiscalização ambiental, procure saber quantos fiscais de meio ambiente tem em sua cidade ou em seu estado. Até parece que esses governos se omitem justamente para não criar problemas para os empresários do setor.

AS DECISÕES POLÍTICAS

Segundo o Ministério Público, a fiscalização das mineradoras foi entregue às próprias empresas. As tragédias comprovam que isso não funciona. Todas as tentativas de se mudar as leis fracassaram porque o poder econômico domina as Casas Legislativas, sejam municipais, estaduais ou federal. Observe como se comportam os vereadores em relação às leis urbanísticas de seu município. Em geral as modificações feitas por eles vêm atender interesses de grandes especuladores imobiliários.

O licenciamento é feito pelo governo de maneira muito acelerada, “à toque de caixa”. E estudos técnicos importantes não são realizados. Procure saber como as empresas que realizam grandes empreendimentos em seus municípios ou estado, obtém licenças prévias, de instalação ou de operação. Depois não vai reclamar se acontecer uma tragédia em seu município.

Por falar em tragédia, depois da tragédia de Mariana alguns deputados mineiros apresentaram projetos de lei para tentar endurecer as regras para a atividade mineradora no estado. Mas nenhum deles foi adiante. O Deputado Estadual João Vitor Xavier- um dos que apresentaram projeto de lei nesse sentido-, diante da não aprovação de seu projeto, previu no ano passado que uma nova tragédia ocorreria. Dito e feito.

Outro que se manifestou nesse mesmo sentido foi o ambientalista Leonardo Ivo, da ONG Observatório De Leis Ambientais. No final do ano passado, ele lamentou que se terminou o ano de 2018 sem conseguir aprovar uma legislação específica de segurança de barragens.

Em sentido contrário à questã da segurança, no final de 2017, o governo petista de Pimentel publicou normas que permitiram rebaixar o potencial de risco de algumas barragens. A medida acelerou o licenciamento ambiental no estado. A deliberação normativa (DN) nº 74 foi revogada e substituída pela DN nº 217, que mudou o sistema de licenciamento ambiental no estado de MG. Com base nessa deliberação do governo estadual, a Vale pediu a ampliação das atividades da Mina do Feijão até 2032!

Em dezembro de 2018, a Câmara Técnica do Conselho de Política Ambiental (COPAM) se reuniu para discutir a ampliação ou não do complexo da barragem do Feijão. Composta por 12 membros, sendo 6 representantes de órgãos públicos e 6 da sociedade civil, com 3 representantes da indústria mineradora entre estes últimos, não podia decidir de outra maneira, a não ser a favor da ampliação da barragem do Feijão. Procure saber como anda a composição do Conselho Municipal que cuida da Política Ambiental de seu município e do seu estado. Verifique se ele é tão “paritário” quanto o COPAM mineiro.

Segundo Maria Teresa Corujo, ambientalista e membro do COPAM, o Conselho representa o interesse econômico dos empresários de MG.

Rodrigo Ribas, representante da Secretaria de Meio Ambiente do governo de MG, rebate as críticas com veemência. Considerou desagradável que as pessoas chamem a minha equipe de “criminosos”. “Nós temos muita tranquilidade naquele parecer que nós elaboramos e nós estamos muito seguros em relação a ele”.

Germano Vieira, secretário estadual de Meio Ambiente, estranhamente o único integrante da gestão petista anterior mantido pelo novo governador no cargo, disse:

Agora nós temos que fazer deste desastre uma mudança de postura do setor de mineração e também das tratativas legislativas”.

Agora, secretário! Por que nada foi feito depois do desastre anterior de Mariana? Pior, em vez de apertar nas normas para aumentar a segurança, o governo mineiro e sua secretaria de meio ambiente afrouxaram as normas do setor. Criminosos!