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Brasão TJ-RJ |
Decisão (3/6/2017)
"Trata-se de mandado de segurança
impetrado pelo Vereador Miguel Pereira de Souza contra ato do
Presidente da Câmara Municipal de Armação dos Búzios e da Mesa
Diretora da aludida Casa, inserindo-se no polo passivo a própria
municipalidade. Pugna o impetrante a concessão liminar do mandamus
para sustar os efeitos do Decreto Legislativo nº 279/2017 que
determinou em processo de impeachment, tramitado naquele Órgão
Legislativo, o afastamento do Chefe do Poder Executivo Municipal.
Insta acentuar que o requerido processo foi autuado sob o nº
26/2017.
A tese do impetrante assenta-se no entendimento sumulado do
Pretório Excelsior consubstanciado na Sumula Vinculante nº 46 no
sentido de que a definição dos crimes de responsabilidade e o
estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são
da competência privativa da União. Ressalta então que no âmbito
da medida cautelar nº 22.034 da qual foi o relator o Ministro Luiz
Roberto Barroso, restou decidido que o afastamento do prefeito por
infração-político administrativo com base normativa municipal
distinta do Decreto-Lei nº 201/67 viola a Sumula Vinculante.
Procedente no mesmo sentido colaciona na sua exordial o impetrante na
reclamação nº 24.461/CE, agora da relatoria do Ministro Edson
Fachin no sentido de que o afastamento temporário do Chefe do Poder
Executivo Municipal em processo de apuração de responsabilidade
político-administrativa não pode se dar apenas em dispositivo da
Lei Orgânica do Município e da Lei Estadual, pois isto violaria a
competência privativa da União para legislar acerca da definição
de crime de responsabilidade de crime político-administrativo e seu
respectivo processamento, pois compreenderia o STF que
ontologicamente tal processo detém natureza de processo penal,
encontrando-se, portanto, sob o abrigo do disposto do artigo 22,
inciso I, da Constituição Federal/88.
Colaciona também o
impetrante na peça vestibular a representação de
inconstitucionalidade nº 0026530-85.2013.8.19.0000, no âmbito do
Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,
na qual foi exarado julgamento no sentido de que o Decreto-Lei
201/67, que dispõe sob responsabilidade de prefeito e vereadores não
prevê o afastamento temporário do Chefe do Poder Executivo após
regular juízo de admissibilidade nesse tipo de processo
político-administrativo, mas tão somente o afastamento definitivo
do cargo do prefeito que for declarado por voto de 2/3 da vereança,
pelo menos, como incurso em qualquer das infração especificadas na
aludida lei, mais precisamente, as infrações especificada no artigo
4º do Decreto-Lei 201/67.
Em prosseguimento exsurge a legitimação
ativa do impetrante, eis que o mesmo é detentor de garantia
institucional oponível através da garantia individual do mandamus
de participar de processo de apuração de responsabilidade
político-administrativo com validade e respeito as normas
constitucionais e legais, ou seja, de participar de processo válido.
Diametralmente exsurge a legitimidade ad causam da Câmara Municipal
e da sua respectiva Mesa Diretora, pois apesar de se tratarem de
Órgãos pertencentes a entidade político-administrativa, confere-se
aos aludidos a legitimação ad causam para figurarem em processos
judiciais. Destacando-se que o ato inquinado emanou da Presidência
da Câmara Municipal e de sua Mesa Diretora. Neste sentido é também
a Presidência da Câmara de Vereadores um Órgão do Poder
Legislativo Municipal.
Destaca ainda o Juízo que foi apresentado
pelo representante legal do impetrante pedido inserto no artigo 104
CPC, eis que o advogado que o substabeleceu a procuração se
encontra licenciado da OAB. Inobstante o casuístico substabelecido
com reservas é o próprio que subscreve a exordial.
Em continuação,
o Juízo vislumbra a prima face o periculum in mora no sentido de
autorizar a apreciação da matéria pelo órgão do Plantão, pois
se trata de afastamento de Chefe do Poder Executivo Municipal, fato
por deverás gravoso e que demanda apreciação imediata,
tratando-se, portanto, de medida urgente e urgentíssima que se
subsume a hipótese da Resolução do Tribunal de Justiça acerca dos
plantões judiciários. Outrossim, de qualquer sorte, após a regular
distribuição este julgador advirá como Juiz Natural, posto que
cumula pelos próximos dois meses as duas Varas da Comarca de Armação
dos Búzios, ambas com concorrência acerca da competência
fazendária.
Estabelecido então a legitimidade do impetrante e a
legitimação passiva dos impetrados, bem como a competência deste
Órgão Jurisdicional de Plantão, urge então ressaltar que o
Ministério Público, com a atribuição junto a este Órgão opinou
pela concessão liminar do mandamus, eis que o Órgão Ministerial em
sua promoção vislumbrou a violação do processo e do procedimento
previsto no Decreto-Lei nº 201/67, o que no seu entendimento maculou
subsequentemente o princípio do contraditório e da ampla defesa do
Chefe do Poder Executivo denunciado por infração
político-administrativo. Nesta esteira, pelo cotejo dos elementos
trazidos pelo impetrante assiste razão ao Parquet, pois pela simples
análise dos autos depreende-se que uma denúncia oferecida por
eleitor contra o Prefeito por infração político-administrativa, na
data de 31/05/2017, foi em sessão ordinária realizada no dia
subsequente, então admitida por 2/3 dos membros da Câmara Municipal
e, incontinente, em sessão extraordinária realizada no mesmo dia
veio a ser editado o Decreto Legislativo para afastar o Chefe do
Poder Executivo de suas funções. Com efeito, pela simples análise
dos autos exsurge com clareza cristalina a prova pré-constituída do
impetrante.
Ou seja, prova acerca da inversão processual, mesmo que
não quanto ao cabimento ou não de afastamento temporário do
Prefeito em processo de impeachment por ausência de previsão legal
desta possibilidade no referido Decreto-Lei nº 201/67. Aliás,
quanto aplicabilidade in casu da Sumula Vinculante nº 46 do STF, ad
argumentandum tantum reputa este Juízo que tal interpretação
poderia sofrer alteração, inclusive ensejando mutação
constitucional, pois a ausência de norma que possibilite o
afastamento temporário do Prefeito ao qual responde processo de
impeachment na respectiva legislação federal denota não só uma
vulneração do princípio da simetria, mas também por não assim
dizer uma violação ao princípio da vedação da proteção
deficiente, pois seria salutar em qualquer apuração de
responsabilidade político-administrativo o afastamento do detentor
do mandado eletivo após regular juízo de admissibilidade pelo Órgão
Legislativo. Ademais, com todas as vênias, o entendimento sumulado
não deixa de ferir o princípio da autonomia municipal. Sendo que,
in casu, habemus legem, vez que o artigo 88 da Lei Orgânica do
Município de Armação dos Búzios admite na apuração
político-administrativas pela Câmara Municipal o afastamento do
prefeito, pelo voto de 2/3 de seus membros. Conquanto, no caso em
tela sem proceder este Órgão Jurisdicional julgamento ultra petita,
o que se vislumbra de fato, como antecedente lógico da concessão
liminar do mandamus é a total inobservância no respectivo processo
de impeachment do disposto no artigo 5º do Decreto-lei nº 201/67,
que estabelece normas processuais de impedimento do prefeito por
cometimento de infrações político-administrativas.
Destarte, o
ponto nevrálgico não é nem se a Câmara Municipal detém ou não,
o poder de afastar temporariamente o Chefe do Poder Executivo
Municipal durante o curso do processo de impeachment, mas sim o fato
de que tal afastamento se deu mero juízo de prelibação, sem que
fosse conferido ao denunciado o direito de ampla defesa, após a
regular instauração de Comissão Processante criada para emitir
parecer favorável, ou contrário, ao prosseguimento do processo de
impedimento. Com efeito, o virtual poder de afastamento do prefeito
municipal somente poderia vir a ser exarado pelo quórum qualificado
da Câmara Municipal em juízo de admissibilidade após regular
formação de Comissão Processante, com a possibilidade de
apresentação de defesa prévia e indicação de provas pelo
denunciante dantes da elaboração de qualquer parecer por tal aludia
Comissão. Ou seja, não foi observado no respectivo processo de
afastamento o disposto previsto no artigo 5º, inciso III, do
Decreto-lei nº 201/67, que dispõe sob a responsabilidade dos
prefeitos e vereadores.
Assim, pode-se estabelecer no presente caso
um paralelo com o processo de impeachment da Ex-presidente Dilma
Rousseff do qual o Pretório Excelso no julgamento da ADPF nº 378,
da relatoria do Ministro Luz Roberto Barroso, estabeleceu que o
afastamento da então mandatária suprema do país somente poderia
ocorrer após votação de parecer de Comissão Especial pela maioria
de 2/3 dos membros da Câmara dos Deputados Federais. Em suma, tal
processo ao menos analogicamente comparar-se-ia ao rito dos processos
do Tribunal do Júri que julga crimes doloso contra a vida dos quais
se distinguem três fases: A) Juízo de prelibação B) Juízo de
Admissibilidade (judicium accusationis) C) Juízo de mérito ou
certeza (judicium causae) No caso em tela, nada disso foi observado
sendo certo que um dia após o oferecimento da denúncia o Prefeito
Municipal foi afastado por Decreto da Câmara de Vereadores editado
em sessão extraordinária. Destarte, neste aspecto o supracitado
artigo 88 da Lei Orgânica Municipal, que já é por si só
questionável ante o teor da Sumula nº 46 do STF, o mesmo em relação
ao rito do Decreto-Lei nº 201/67 é totalmente incompatível e por
conseguinte também é incompatível com o rito estabelecido pela Lei
nº 1.079/50, que define os crimes de responsabilidade e regula o
respectivo processo e julgamento, bem como também é incompatível
com o julgamento da ADPF 378 procedido do Pretório Excelso.
Assim,
em juízo liminar sequer há de se perscrutar da aplicação ou não
in casu da vinculação da Sumula nº 46 do STF, pois o que já se
observa em antecedente logico é a verdadeira inversão e açodamento
da Câmara Municipal em processo tão importante e grave, o que viola
então não só as garantias individuais e institucionais do
mandatário do Chefe do Poder Executivo Municipal, mas também as
garantias constitucionais do impetrante que como Vereador da Câmara
Municipal de Armação dos Búzios tem o direito de participar de
processo válido e regular de apuração de infração
político-administrativo eventualmente cometido pelo Prefeito
Municipal. Insta ressaltar que tal percepção de violação
processual e procedimental nada tem a ver como o mérito do processo
de responsabilização político-administrativo, cuja a competência
de análise é inteiramente conferida pelo ordenamento pátrio aos
representantes eleitos pelo povo, a saber, pelos Vereadores eleitos
pelo Povo.
Compete também advertir parafraseando o ex-Ministro
Joaquim Barbosa que o processo de impeachment não pode ser opção
sacada alvedrio da impopularidade do mandatário ou de eventual perda
de seu apoio parlamentar sem que haja não só caracterização de
crime de responsabilidade, mas também estrita observância das
normas processuais e procedimentais para apuração de pratica de
crime de responsabilidade. Lembre-se que nosso sistema não é
parlamentarista e o processo de impeachment tem feição completa
diversa de mero veto de desconfiança urdido em regime
parlamentarista. Assim sendo, para se proteger o regime democrático
é necessário que o Poder Judiciário sempre esteja atento a
observância mais estrita das normais processuais e procedimentais
previstas nos processos de impedimento tendentes a cassação de
mandatos políticos.
Isto posto, concedo liminarmente o mandamus para
sustar os efeitos do Decreto-Legislativo nº 278/2017, determinando a
reintegração do Prefeito Municipal no exercício do seu cargo
eletivo, bem como solicitando-se a Câmara Municipal informações na
pessoa de seu Presidente no prazo de 48 horas. Já quanto a Comissão
Processante solicite-se informações no decêndio legal. Adverte o
juízo que a sustação do aludido decreto legislativo não impede a
continuação do processo de responsabilização consubstanciado no
processo administrativo nº 26/2017 no âmbito da Câmara de
Vereadores, apenas fazendo observar que o cumprimento estrito do
disposto no artigo 5º e respectivos incisos do Decreto-Lei nº
201/67 olvidará eventuais futuras jurisdicionalização da questão
em tela. Distribua-se ao Juiz Natural"
Juiz MARCELO ALBERTO CHAVES VILLAS
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