Para
o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Ribeiro
Dantas,
o
foco no combate ao grande tráfico, ao seu financiamento e ao
comércio internacional de drogas
é um dos pontos mais importantes da proposta
de atualização da Lei de Drogas
(Lei
11.343/2006),
consolidada por uma comissão de juristas.
Ribeiro
Dantas presidiu
a comissão criada pela Câmara dos Deputados
em agosto de 2018 para propor alterações na lei. O ministro Rogerio
Schietti Cruz foi o vice-presidente da comissão, e o desembargador
federal Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região
(TRF1), o relator. O
anteprojeto foi entregue ao
presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), no início
deste mês.
Em
vez de adotar a mesma pena para várias práticas relacionadas ao
tráfico, como na lei atual, a proposta
cria vários tipos penais mais específicos, com penas
que variam conforme a gravidade da conduta. Assim, o anteprojeto
também permite a punição mais severa
para quem praticar condutas descritas em tipos diversos, mediante o
concurso de crimes.
Além
disso, a tipificação passa a prever penas maiores do
que as atuais em situações como tráfico
internacional e atividades de financiamento do tráfico,
podendo chegar a 20 anos antes mesmo da incidência de causas de
aumento.
As
causas de aumento de pena foram estabelecidas de forma objetiva no
anteprojeto, variando conforme a quantidade de droga
apreendida. Sendo superiores a um milhão de doses, por
exemplo, a pena pode ser aumentada em até dois terços, ao passo
que, nas apreensões entre dez e cem doses, poderá ser reduzida da
metade a dois terços.
Ao
mesmo tempo em que agrava
a repressão ao grande tráfico,
o anteprojeto prevê a descriminalização
do uso pessoal de drogas no limite de dez doses por usuário
e aposta na política
de redução de danos e de prevenção ao uso
(leia
na entrevista do ministro Rogerio Schietti Cruz).
Integrante
da Quinta Turma do STJ, o ministro Ribeiro Dantas analisa na
entrevista abaixo alguns pontos relacionados à parte
repressiva da proposta, com destaque para a nova tipificação
e a adoção de critérios objetivos para racionalizar o
enfrentamento ao crime organizado.
O
anteprojeto muda a redação do artigo
33,
que define o crime de tráfico. Quais as principais alterações
nesse ponto?
Ribeiro
Dantas –
A legislação atual estabelece um crime único para o tráfico de
drogas. No anteprojeto, nós substituímos os 18 verbos desse artigo
por 15
tipos criminais distintos.
Criamos a figura
do tráfico internacional,
que é punido mais severamente do que na legislação atual. Outro
crime com a pena muito alta é o financiamento
do tráfico de drogas.
É a pena mais alta de todas, de dez a 20 anos, e se o financiamento
for para o tráfico internacional pode aumentar em mais um terço.
E
outras condutas tiveram a pena reduzida, de acordo com a gravidade?
Ribeiro
Dantas –
Sim. Remeter,
transportar, por exemplo, são condutas mais graves do que armazenar,
que recebe uma pena menor. Outro exemplo de abrandamento da pena
seria o transporte por meio de terceiros, o caso da “mula” do
tráfico. O juiz poderá ainda deixar de aplicar a pena quando ficar
comprovado que o agente sofreu grave coação.
Como
foi tratada a questão das mulheres que tentam levar drogas para
dentro de presídios?
Ribeiro
Dantas –
É outro caso destacado de coação, por isso a pena fica mais branda
na proposta de atualização da lei. Muitas vezes, se não levarem as
drogas, elas morrem. Nessas situações, elas estão desesperadas.
Atualmente, a mulher é presa e alguns juízes dizem que a conduta é
mais grave que o tráfico standard porque
é o transporte de drogas para estabelecimento penitenciário. Ela
fica presa e quem toma conta das crianças acaba sendo o tráfico.
Por outro lado, no caso de tráfico dentro da prisão, aumentamos a
pena pela gravidade da conduta. Ainda sobre a coação das mulheres,
há uma preocupação nesse sentido. Os crimes relacionados a droga
representam mais
da metade do encarceramento das mulheres.
O que se observa é que elas são quase
sempre usadas pelo tráfico em situações de pressão ou coação.
A
exposição de motivos do anteprojeto menciona a necessidade de
critérios mais objetivos para a aplicação da lei. Poderia dar um
exemplo da nova redação nesse sentido?
Ribeiro
Dantas –
As causas de aumento ou diminuição de pena são uma novidade porque
trabalhamos com a quantidade
da droga.
Dependendo da quantidade, a pena pode ser aumentada de um sexto a um
terço. E a pena pode ser aumentada em dois terços se o crime for
praticado com violência, grave ameaça, se atingir adolescente,
criança, qualquer pessoa que tenha capacidade suprimida. Outra
situação é o tráfico com a participação de três ou mais
pessoas. Temos o conceito
de organização criminosa
caracterizado, neste caso, com a quantidade superior a um milhão de
doses da droga.
Em
outros casos, a objetividade também pode significar a redução da
pena?
Ribeiro
Dantas –
Sim, há casos de diminuição, como a quantidade entre cem e mil
doses, ou entre dez e cem doses, por exemplo. A colaboração do réu
para solucionar o caso, a questão da coação de mulheres, todos
esses são fatores de diminuição da pena no texto proposto.
Diminuir
o
caráter de subjetividade da lei atual
é um princípio norteador do texto apresentado?
Ribeiro
Dantas –
Esse foi o pensamento da comissão. Queremos diminuir
a subjetividade da Lei de Drogas
porque, atualmente, condutas idênticas, dependendo do juiz, podem
ter penas muito diferentes.
De
que forma a experiência como julgador auxiliou na elaboração do
anteprojeto?
Ribeiro
Dantas –
Foi muito importante ter essa experiência e também poder contar com
a experiência dos demais membros da comissão, já que ela contou
com desembargadores,
membros do Ministério Público, juízes, professores e outros
especialistas.
A comissão teve uma composição multifacetada e acesso a uma grande
variedade de informações. Além disso, realizamos várias
audiências. É importante registrar que o texto apresentado é
apenas a primeira palavra. Cabe agora ao Congresso dar andamento à
proposta. Nós demos uma contribuição em um tema complicado. Nas
questões-chave, se você ouvir cem pessoas, é possível ter cem
opiniões diferentes.
Houve
uma mudança de foco na repressão, com ênfase no combate ao grande
traficante. O que se pode esperar dessa política?
Ribeiro
Dantas –
É esse trabalho que efetivamente resolve. É
o combate ao grande tráfico
que pode “quebrar as pernas” do crime organizado, principalmente
cortando as linhas
de financiamento.
Se ficarmos centrando a repressão no pequeno flagrante de esquina,
pegamos o peixe pequeno e mandamos soldados para as facções do
crime organizado.
Fonte:
"stj"
Nota ‘10’, enfim um projeto de lei macro, este problema sempre foi para baixo do tapete, corretíssima a proposta de descriminalizar o usuário e aumentar a repressão para traficantes.
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