Joaquim Falcão. Foto: Revista Época |
Festas
têm uma função na definição da justiça
Dos
três Poderes, o Judiciário e seus tribunais é o que mais oferece
festas. Festas para todos gostos, ano inteiro.
Por
quê? Para quê?
Não
são gratuitas. Têm uma função na definição da justiça.
Medalhas,
títulos, honra ao mérito, jantares de adesão, comemorações de
promoções, aposentadorias, remoções. Almoços que iniciam
seminários, coquetéis que encerram. Prêmios. Recepção a
ministro do Supremo. A outro, também. Discursos, conferências,
palestras. Idas a resorts, comitivas ao exterior. Festas presenciais,
é claro. Não são virtuais. Um abecedário que não acaba em
z.
Se
Gilberto Freyre fizesse a sociologia destas festas, começaria
perguntando: Quem vai? Quem não vai? Para quem são?
Vão
os magistrados, desembargadores, ministros, procuradores,
subprocuradores, presidentes de tribunais, corregedores. E cônjuges.
Vai toda a hierarquia. Relatores, conselheiros, peritos, assistentes.
Famílias.
Advogados,
muitos, muitos e muitos advogados. Vão sobretudo as partes com
grandes processos pendentes. Os advogados de milhões de pequenas
causas não são convidados.Mas o que tanto conversam? Servidores
públicos, donos de cartórios, partes, juízes e ministros?
Não
é sobre teorias jurídicas. Hart versus Alexy, ou Pontes de Miranda.
É sobre processos para serem julgados. A pauta da próxima sessão.
Despachos auriculares. Pedidos de vista. Jovem juiz é
apresentado ao desembargador que vai votar, ou não, a sua promoção.
Desembargador apresentado ao governador que vai escolher na lista
tríplice. Pedidos de audiência. Procuradores alertando juízes. E
vice-versa. O despacho vai ser publicado quando?
O
coquetel judicial é o mercado das informações judiciais
potenciais.
Lembra
o mercado da praça de Jemaa el-Fna, patrimônio cultural da Unesco
em Marrakech.Tudo é informação. A linguagem corporal. O grupinho.
Tudo interferirá, subliminarmente ou não, no processo.
Citar
jurisprudência ou doutrina, com um Prosecco na mão, já é uma
pista. Criticar o potencial voto do colega, outra. Prorrogar prazo
também.
Gilberto
Freyre não seria unilateral. Festa é também fraternidade,
celebração do conhecer os colegas, formular empatias intelectuais.
Alianças inter e extra políticas. De reforçar o sistema de
relações profissionais, diria Luhmann.
Mas
tudo vai depender das conversas. Será que nelas se respeita o artigo
do Código de Processo que proíbe um processo passar à frente de
outro? Ou o artigo da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, que
proíbe o juiz de se pronunciar sobre processo seu ou do colega?
O
processualismo protoformalista, tão em moda, proíbe conversas,
independentemente dos resultados. Proíbe a forma, independentemente
do conteúdo. Proíbe a boa-fé. A descontração. E, no entanto, se
conversa, se ouve, se pratica a boa-fé.
Um
coquetel é humano. Demasiadamente humano para ser codificado.
Demasiadamente fugaz para ser punido.
No
final, cada um recorta a conversa como lhe apeteceu.
O
importante foi o ouvir, e não o falar.
E
se as conversas fossem gravadas e vazassem?
O
coquetel seria contra o devido processo legal, imparcial e
inconstitucional.
Anulam-se
os processos ou o coquetel?
Joaquim
Falcão
Doutor
em educação pela Universidade de Genebra, mestre em direito pela
Universidade Harvard, membro da Academia Brasileira de Letras e
professor da Escola de Direito do Rio da FGV
Fonte: "folha"
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