segunda-feira, 1 de julho de 2019

EM CARTA ABERTA BILIONÁRIOS NORTE-AMERICANOS PEDEM PARA PAGAR MAIS IMPOSTOS

Os 18 bilionários americanos a favor de mais impostos, da esquerda para a direita: Louise J. Bowditch, Robert S. Bowditch, Abigail Disney, Sean Eldridge, Stephen R. English, Agnes Gund, Catherine Gund, Nick Hanauer, Arnold Hiatt, Chris Hughes, Molly Munger, Regan Pritzker, Justin Rosenstein, Stephen M. Silberstein, Ian T. Simmons, Liesel Pritzker Simmons, Alexander Soros, George Soros. Foto: Getty Images / AFP / Reprodução


Em defesa do EMPREGO, do AMBIENTE e da SAÚDE, ultrarricos estão dispostos a contribuir com além do estabelecido

Uma carta aos candidatos à Presidência dos Estados Unidos reivindicando uma taxação maior aos multimilionários e bilionários provavelmente passaria despercebida não fosse um detalhe: ela é assinada por um grupo notável de 19 ultrarricos — entre eles o megainvestidor George Soros, o cofundador do Facebook Chris Hughes e as herdeiras Abigail Disney e Liesel Pritzker. No texto, publicado na plataforma Medium na última segunda-feira, dia 24, eles defendem um imposto moderado sobre as fortunas do décimo mais abastado entre o 1% mais rico dos americanos. Os signatários se referem especificamente a um plano da senadora Elizabeth Warren, de Massachusetts, que estima afetar 75 mil famílias e arrecadar cerca de US$ 3 trilhões ao longo de dez anos. De acordo com a proposta, a contribuição seria de 2% sobre ativos a partir de US$ 50 milhões, com um imposto adicional de 1% para aqueles que excedessem US$ 1 bilhão.

A manifestação do grupo a favor da taxação envia uma mensagem controversa à Casa Branca, já que o presidente Donald Trump e o Partido Republicano aprovaram, em 2017, um projeto que reduziu a carga tributária para um seleto grupo de americanos e corporações. Nos meses recentes, democratas como o senador Bernie Sanders e a congressista Alexandria Ocasio-Cortez sugeriram planos para taxar grandes fortunas, questionando se a concentração de capital em poucas famílias não confere poderes políticos e econômicos que COLOCAM EM RISCO OS VALORES DEMOCRÁTICOS. Os signatários da carta, no entanto, frisam que o apelo está isento de motivações partidárias e se reporta tanto a republicanos como a democratas. “A América tem a responsabilidade moral, ética e econômica” de tributá-los mais, escrevem, argumentando que ajudaria a enfrentar a CRISE CLIMÁTICA, MELHORAR A ECONOMIA e os RESULTADOS NA SAÚDE, bem como criar oportunidades (EMPREGOS). “É do interesse de nossa República”, emendaram.

A ideia também é respaldada pela maioria dos americanos: sete em cada dez apoiam taxas maiores aos bilionários, segundo pesquisas. Uma análise atual do Federal Reserve, banco central dos EUA, constatou que, nas últimas três décadas, os integrantes do 1% mais rico da população viram seus patrimônios crescer US$ 21 trilhões, à medida que a riqueza da metade inferior da pirâmide caiu US$ 900 milhões. Estudos mostram ainda que os ultrarricos gastarão 3,2% de sua riqueza neste ano, enquanto 99% dos cidadãos vão desembolsar 7,2% de suas economias. Conscientes desses números, os signatários entendem que “o próximo dólar das novas receitas fiscais deve vir dos mais afortunados financeiramente, não dos americanos de classe média ou baixa renda”. Justificam, na carta, com seis razões precípuas que vão desde patriotismo ao aumento de investimentos públicos. Os bilionários acreditam que, além de ser justo, um imposto sobre riqueza DEIXARÁ OS AMERICANOS MAIS SAUDÁVEIS, fortalecerá a LIBERDADE E A DEMOCRACIA e será uma ferramenta poderosa para resolver impasses referentes à MUDANÇA CLIMÁTICA.

E não é a primeira vez que magnatas expressam sua preocupação com a desigualdade crescente. Em 2011, Warren Buffett, fundador da Berkshire Hathaway, observou, em um de seus ensaios, que sua taxa efetiva de impostos era inferior ao percentual pago pelas outras 20 pessoas de seu escritório. A avaliação incitou o presidente à época, Barack Obama, e lideranças políticas a exigirem que os milionários pagassem 30% de sua renda em tributos. O empresário Nick Hanauer alertou, em 2014, seus “colegas zilionários” que estavam prosperando mais do que sonhavam os plutocratas, ao passo que os demais 99% encontravam-se estagnados. Em seu livro Fair shot , Hughes já havia preconizado impostos mais elevados. Disney classificou há pouco tempo como “insano” o pacote de remuneração de US$ 65 milhões ao executivo Bob Iger. Em 2017, um grupo de 400 bilionários, incluindo Soros e Steven Rockefeller, condenou a proposta de Trump para aliviar os impostos aos ultrarricos, alegando que a medida “exacerbaria a desigualdade”.

CINCO BRASILEIROS SOZINHOS TINHAM RIQUEZA IGUAL À DA METADE DA POPULAÇÃO. NO PAÍS, OS MAIS RICOS TÊM MAIS ISENÇÕES E PAGAM PROPORCIONALMENTE MENOS IMPOSTOS QUE OS MAIS POBRES”

Em direção contrária, no Brasil, o restrito grupo de multimilionários e bilionários se articula para manter seus privilégios. Há algumas décadas, projetos que visam tributar seus patrimônios seguem inertes no Congresso. A Constituição Federal admite, em seu artigo 153, a taxação de fortunas pelo governo federal, mas os parlamentares ainda não a regulamentaram. É o único dos sete tributos previstos que ainda não saiu do papel.

Dados do Imposto de Renda (IR) mostram que os brasileiros mais ricos têm mais isenções e pagam proporcionalmente menos impostos. Aproximadamente 10% dos R$ 2,94 trilhões de rendimentos declarados em 2018 compreenderam rendimentos submetidos à tributação exclusiva na fonte. Outros R$ 908 bilhões corresponderam a rendimentos isentos de IR. No topo da pirâmide, o percentual da renda isenta e não tributada sobre o total de rendimentos bateu em 70%. Um relatório da ONG britânica Oxfam, do ano passado, apontou que cinco brasileiros tinham riqueza igual à da metade da população do país. Na lista, constam os bilionários Jorge Paulo Lemann, Joseph Safra, Marcel Herrmann Telles, Carlos Alberto Sicupira e Eduardo Saverin. Em 2019, a desigualdade de renda atingiu o maior patamar já registrado, segundo pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV). Ela explicita que os mais pobres têm demorado mais a se recuperar dos efeitos da crise.

Os mais resistentes aos impostos evocados pelos ultrarricos americanos citam obstáculos para implementação e execução. Questionam se ativos como patrimônios privados e coleções de arte podem ser avaliados com precisão para fins tributários. Há ainda os que julgam se tratar de uma inconstitucionalidade. Contudo, os signatários não enxergam validade em tais argumentos, baseando-se em estudos e postulações de acadêmicos proeminentes. Admitem a necessidade de um esforço considerável para resolver as complexidades da proposta, o que consideram inerente às ideias de longo alcance. Na frase que encerra a carta, a mensagem aos futuros governantes é clara e direta: “Avancem na ideia de nos taxar um pouco mais”.

Rodrigo Castro
27/06/2019

Fonte: "epoca"

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