Associação Nacional dos Procuradores da República |
Senadores se posicionam contra a operação Mela Jato:
NOTA
TÉCNICA PRESI/ANPR/JR Nº 002/2017
Proposição:
Minuta de Projeto de Lei sobre os crimes de abuso de autoridade
Ementa:
Define os crimes de autoridade e dá outras providências.
Autoria:
Rodrigo Janot – Procurador Geral da República
Senhores
Senadores, a Associação Nacional dos Procuradores da República – ANPR
apresenta Nota Técnica quanto à Minuta de Projeto de Lei sobre os
crimes de abuso de autoridade, apresentada à Câmara dos Deputados
pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot.
Há
que se considerar que, a legislação que ora rege a matéria - Lei
nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965 -, é, de fato, atécnica, e, sem
dúvida necessita de aperfeiçoamentos. Assim, os debates que ocorrem
desde o ano de 2016, a partir da apresentação do PLS 280/2016 são
pertinentes para que a legislação possa ser aprimorada devidamente.
Neste
contexto, observa-se com a atual minuta uma importante evolução no
debate, tendo sido aprimorado o texto inicialmente discutido no PLS
280/2016, bem como em relação aos substitutivos posteriormente
apresentados pelo Senador Roberto Requião, corrigindo-se as mais
graves distorções, a que já tínhamos chamado a atenção em notas
técnicas anteriores.
Feita
essa breve introdução, passa esta Associação a expor alguns
comentários quanto à minuta, pertinentes especialmente em razão de
ainda tramitar no Senado o PLS 280/2016.
ARTIGO
1º
O
texto constante do art. 1º da minuta traz a mais importante
modificação em relação ao texto do PLS 280/2016. Com efeito, em
todas as notas técnicas apresentadas anteriormente por esta
Associação, ressaltamos a fragilidade da redação do art. 1º do
PLS 280/2016 e dos respectivos substitutivos.
O
referido art. 1º traz excludentes de tipicidade do crime de abuso de
autoridade, determinando que não configura o tipo penal a) a
divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e
provas, desde que fundamentada; b) o exercício regular das funções,
pelos agentes políticos, assegurada
a independência funcional; c) o cumprimento regular de dever do
ofício.
A
alteração realmente deve ser aplaudida. Conforme amplamente
criticado, a redação conferida no PLS 280/2016 (mantida no último
substitutivo apresentada pelo Senado Roberto Requião) exclui da
criminalização apenas as intepretações já amparadas em
precedentes ou jurisprudência divergentes, ou em avaliação
aceitável e razoável de fatos e circunstâncias. Tal redação,
extremamente aberta e subjetiva, resulta clara e insofismavelmente na
criminalização da hermenêutica, ao impedir que uma autoridade
ofereça novas interpretações a um dispositivo legal. A redação
engessa principalmente o juiz e o membro do Ministério Público,
tradicionais operadores do Direito, que só poderão basear sua
interpretação em jurisprudência existente, impedindo-os de inovar,
sob pena de crime!
E
mais, ao condicionar a isenção de crime a que o juiz tenha adotado
avaliação razoável e aceitável, o substitutivo ao PLS 280/2016
mantém o apelo ao subjetivismo. Afinal, o que seria uma avaliação
razoável ou aceitável dos fatos? Quem irá dizê-lo? Trata-se de
camisa de força na autoridade,
obrigando-a a adotar apenas a modalidade literal de interpretação
da lei. Qualquer outra interpretação vai o deixar sujeito a
punições.
Ora,
a interpretação gramatical é apenas um dos métodos
internacionalmente consagrados de hermenêutica. E nem é a melhor ou
mais festejada. Ao lado dela temos, ainda, a interpretação lógica,
a interpretação sistemática, a interpretação histórica, a
interpretação sociológica, a interpretação teleológica e a
interpretação axiológica. Ao lado da interpretação literal,
temos ainda a interpretação restritiva (em geral aplicável às
exceções à norma) e a interpretação extensiva.
Apenas
a guisa do erro e absurdo do exemplo, perceba-se que, se tal
dispositivo estivesse em vigor, os senadores – os quais estavam
então em função judicante - que votaram pelo impeachment da
presidente Dilma, mas a isentaram da pena de inabilitação para o
exercício de cargo público, teriam cometido abuso de autoridade,
por haverem adotado interpretação que fugiu de forma absoluta
literalidade da lei.
Até
mesmo a declaração incidental da inconstitucionalidade da lei,
modalidade de controle difuso, estaria vedada. Voltaríamos aos
tempos em que juízes eram condenados por abuso de autoridade por
recusarem-se a aplicar uma lei ofensiva à Constituição, com a
desvantagem de não termos mais Rui Barbosa para defendê-los, como
fizera outrora.
Se
estivesse em vigor a redação mantida no Substitutivo ao PLS
280/2016, estaríamos hoje aplicando os mesmos conceitos e soluções
jurídicas do século XIX. As garantias e os direitos que foram
reconhecidos pelos tribunais ao longo das últimas décadas, e que
tiveram seu início em decisões inéditas, desbravadoras ou
pioneiras de juízes de primeiro grau, não existiriam.
O
fato de órgãos distintos do Ministério Público e da Justiça, e
ademais se em momentos distintos do processo, terem e pronunciarem
interpretações jurídicas divergentes, sejam elas sobre o direito
ou as provas, é fato absolutamente normal e corriqueiro, derivado do
contraditório, da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição.
Pretender que exista abuso qualquer pelo só fato de haver uma
acusação, investigação e processo que depois é considerada
indevida é atentar não contra desmandos e sim contra a esperada
atuação independente e técnica do Estado, do Ministério Público
e da Justiça.
Assim,
a redação conferida na minuta apresentada pelo Procurador-Geral da
República ao art. 1º e seu parágrafo único, corrige as
distorções, ao garantir que o mero exercício ordinário das
funções não implique na incidência do tipo penal do abuso de
autoridade, razão pela qual, é a redação que se recomenda – com
veemência – acatar.
ARTIGO
26
Merece
destaque também o art. 26, no qual se verifica o aprimoramento da
redação do art. 31 do Substitutivo ao PLS 280/2016.
O
artigo tipifica como abuso de autoridade proceder à persecução
penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada, contra
quem o sabe inocente. Além de incluir a previsão da justa causa,
passa a prevê o dolo, a finalidade de prejudicar, como elemento
essencial do crime.
Com
isso corrige a inaceitável tautologia do art. 31 do Substitutivo ao
PLS 280/2016, que prevê ser crime de abuso de autoridade proceder à
persecução penal, civil ou administrativa, com abuso de autoridade.
Ora, com a devida e máxima vênia, tal tipificação é uma
aberração na sistemática penal, que exige clara tipificação dos
crimes, pois traz uma definição circular, sem parâmetros objetivos
de interpretação para a definição da conduta. O que seria abuso
de autoridade para fins deste artigo? É impossível saber. Pode ser
tudo e qualquer coisa, já que é definido como abuso abrir
investigação com abuso! O tipo é aberto, indefinido e, claramente
findaria por inibir e amordaçar os órgãos persecutórios do
Estado, prejudicando a ação técnica e autônoma do Ministério
Público, e dos órgãos de controle do Estado.
Assim,
a redação dada na minuta ora em comento corrige a tautologia,
indicando os elementos que caracterizam o crime – quais sejam, a
ausência de justa causa e a intenção de prejudicar.
ARTIGO
30
No
artigo 30 também foi realizada importante inovação, corrigindo as
falhas constantes do art. 35 do substitutivo ao PLS 280/2016, já
apontadas anteriormente. Trata-se da inclusão dos elementos de
competência do conhecimento do erro e da intenção de constranger
como condições para a caracterização do crime, evitando-se a
criminalização do mero agir irregular, que torna temerário o mero
exercício da profissão pela autoridade administrativa.
Veja-se
a nova redação, que merece ser aplaudida:
“Art.
30. Deixar de corrigir, quando provocado e tendo competência para
fazê-lo, erro relevante que sabe existir em processo ou procedimento,
quando não houver outra via impugnativa e com a intenção
deliberada de constranger indevidamente o interessado.
Pena
– detenção, de 3 (três) a 6 (seis) meses, e multa”.
ARTIGO
31
Finalmente,
ressaltamos também a redação do artigo 31 da minuta, que novamente
traz uma evolução redacional importante com relação ao art. 37 do
substitutivo ao PLS 280/2016. Com a nova redação, deixa-se de
criminalizar a mera divergência interpretativa (“deixar de
determinar a instauração de procedimento investigatório”),
incluindo os elementos de competência e conhecimento, que traduzem a
intenção de prejudicar, ou a negligência deliberada.
Ora,
o Ministério Público e a polícia agem a partir de um dado contexto
fático, e a percepção deste contexto pode levar a interpretações
diversas. Isto é absolutamente inerente às diversas carreiras, faz
parte da margem de discricionariedade que lhes é necessária para o
bom desempenho de suas funções. Não se pode, assim, criminalizar
uma conduta que deve ser objeto de punição administrativa e não
criminal.
Até
porque em diversos casos – na maioria deles certamente - é o
próprio excesso de trabalho, ou ausência de recursos materiais e
humanos, o que impede o agente estatal de uma pronta atuação. A
conduta, portanto, não pode simplesmente ser criminalizada. Existem
órgãos de controle para a atuação negligente destas autoridades,
como as corregedorias, o CNJ, o CNMP, que estão, inclusive, abertos
a representação por parte dos cidadãos.
Apoia-se,
assim, a redação conferida ao art. 31 da minuta de PL apresentada
pelo Procurador-Geral da República.
Por
todo o exposto, a ANPR apoia a minuta de projeto de lei apresentada
pelo Procurador-Geral da República em referência aos crimes de
abuso de autoridade, recomendando-se seja o projeto convertido em
projeto de lei e aprovado pelo Congresso Nacional.
Sendo
o que havia para o momento, permanecemos à disposição para
quaisquer esclarecimentos que se façam necessários. Recebam Vossas
Excelências nossos protestos de estima e consideração.
Brasília,
3 de abril de 2017.
José
Robalinho Cavalcanti
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