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sexta-feira, 21 de abril de 2017

Operação Mela Jato

Associação Nacional dos Procuradores da República

Senadores se posicionam contra a operação Mela Jato:




NOTA TÉCNICA PRESI/ANPR/JR Nº 002/2017

Proposição: Minuta de Projeto de Lei sobre os crimes de abuso de autoridade

Ementa: Define os crimes de autoridade e dá outras providências.

Autoria: Rodrigo Janot – Procurador Geral da República

Senhores Senadores, a Associação Nacional dos Procuradores da República – ANPR apresenta Nota Técnica quanto à Minuta de Projeto de Lei sobre os crimes de abuso de autoridade, apresentada à Câmara dos Deputados pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot.

Há que se considerar que, a legislação que ora rege a matéria - Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965 -, é, de fato, atécnica, e, sem dúvida necessita de aperfeiçoamentos. Assim, os debates que ocorrem desde o ano de 2016, a partir da apresentação do PLS 280/2016 são pertinentes para que a legislação possa ser aprimorada devidamente.

Neste contexto, observa-se com a atual minuta uma importante evolução no debate, tendo sido aprimorado o texto inicialmente discutido no PLS 280/2016, bem como em relação aos substitutivos posteriormente apresentados pelo Senador Roberto Requião, corrigindo-se as mais graves distorções, a que já tínhamos chamado a atenção em notas técnicas anteriores.

Feita essa breve introdução, passa esta Associação a expor alguns comentários quanto à minuta, pertinentes especialmente em razão de ainda tramitar no Senado o PLS 280/2016.

ARTIGO 1º

O texto constante do art. 1º da minuta traz a mais importante modificação em relação ao texto do PLS 280/2016. Com efeito, em todas as notas técnicas apresentadas anteriormente por esta Associação, ressaltamos a fragilidade da redação do art. 1º do PLS 280/2016 e dos respectivos substitutivos.

O referido art. 1º traz excludentes de tipicidade do crime de abuso de autoridade, determinando que não configura o tipo penal a) a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, desde que fundamentada; b) o exercício regular das funções, pelos agentes políticos, assegurada a independência funcional; c) o cumprimento regular de dever do ofício.

A alteração realmente deve ser aplaudida. Conforme amplamente criticado, a redação conferida no PLS 280/2016 (mantida no último substitutivo apresentada pelo Senado Roberto Requião) exclui da criminalização apenas as intepretações já amparadas em precedentes ou jurisprudência divergentes, ou em avaliação aceitável e razoável de fatos e circunstâncias. Tal redação, extremamente aberta e subjetiva, resulta clara e insofismavelmente na criminalização da hermenêutica, ao impedir que uma autoridade ofereça novas interpretações a um dispositivo legal. A redação engessa principalmente o juiz e o membro do Ministério Público, tradicionais operadores do Direito, que só poderão basear sua interpretação em jurisprudência existente, impedindo-os de inovar, sob pena de crime!

E mais, ao condicionar a isenção de crime a que o juiz tenha adotado avaliação razoável e aceitável, o substitutivo ao PLS 280/2016 mantém o apelo ao subjetivismo. Afinal, o que seria uma avaliação razoável ou aceitável dos fatos? Quem irá dizê-lo? Trata-se de camisa de força na autoridade, obrigando-a a adotar apenas a modalidade literal de interpretação da lei. Qualquer outra interpretação vai o deixar sujeito a punições.

Ora, a interpretação gramatical é apenas um dos métodos internacionalmente consagrados de hermenêutica. E nem é a melhor ou mais festejada. Ao lado dela temos, ainda, a interpretação lógica, a interpretação sistemática, a interpretação histórica, a interpretação sociológica, a interpretação teleológica e a interpretação axiológica. Ao lado da interpretação literal, temos ainda a interpretação restritiva (em geral aplicável às exceções à norma) e a interpretação extensiva.

Apenas a guisa do erro e absurdo do exemplo, perceba-se que, se tal dispositivo estivesse em vigor, os senadores – os quais estavam então em função judicante - que votaram pelo impeachment da presidente Dilma, mas a isentaram da pena de inabilitação para o exercício de cargo público, teriam cometido abuso de autoridade, por haverem adotado interpretação que fugiu de forma absoluta literalidade da lei.

Até mesmo a declaração incidental da inconstitucionalidade da lei, modalidade de controle difuso, estaria vedada. Voltaríamos aos tempos em que juízes eram condenados por abuso de autoridade por recusarem-se a aplicar uma lei ofensiva à Constituição, com a desvantagem de não termos mais Rui Barbosa para defendê-los, como fizera outrora.

Se estivesse em vigor a redação mantida no Substitutivo ao PLS 280/2016, estaríamos hoje aplicando os mesmos conceitos e soluções jurídicas do século XIX. As garantias e os direitos que foram reconhecidos pelos tribunais ao longo das últimas décadas, e que tiveram seu início em decisões inéditas, desbravadoras ou pioneiras de juízes de primeiro grau, não existiriam.

O fato de órgãos distintos do Ministério Público e da Justiça, e ademais se em momentos distintos do processo, terem e pronunciarem interpretações jurídicas divergentes, sejam elas sobre o direito ou as provas, é fato absolutamente normal e corriqueiro, derivado do contraditório, da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição. Pretender que exista abuso qualquer pelo só fato de haver uma acusação, investigação e processo que depois é considerada indevida é atentar não contra desmandos e sim contra a esperada atuação independente e técnica do Estado, do Ministério Público e da Justiça.

Assim, a redação conferida na minuta apresentada pelo Procurador-Geral da República ao art. 1º e seu parágrafo único, corrige as distorções, ao garantir que o mero exercício ordinário das funções não implique na incidência do tipo penal do abuso de autoridade, razão pela qual, é a redação que se recomenda – com veemência – acatar.

ARTIGO 26

Merece destaque também o art. 26, no qual se verifica o aprimoramento da redação do art. 31 do Substitutivo ao PLS 280/2016.

O artigo tipifica como abuso de autoridade proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada, contra quem o sabe inocente. Além de incluir a previsão da justa causa, passa a prevê o dolo, a finalidade de prejudicar, como elemento essencial do crime.

Com isso corrige a inaceitável tautologia do art. 31 do Substitutivo ao PLS 280/2016, que prevê ser crime de abuso de autoridade proceder à persecução penal, civil ou administrativa, com abuso de autoridade. Ora, com a devida e máxima vênia, tal tipificação é uma aberração na sistemática penal, que exige clara tipificação dos crimes, pois traz uma definição circular, sem parâmetros objetivos de interpretação para a definição da conduta. O que seria abuso de autoridade para fins deste artigo? É impossível saber. Pode ser tudo e qualquer coisa, já que é definido como abuso abrir investigação com abuso! O tipo é aberto, indefinido e, claramente findaria por inibir e amordaçar os órgãos persecutórios do Estado, prejudicando a ação técnica e autônoma do Ministério Público, e dos órgãos de controle do Estado.

Assim, a redação dada na minuta ora em comento corrige a tautologia, indicando os elementos que caracterizam o crime – quais sejam, a ausência de justa causa e a intenção de prejudicar.

ARTIGO 30

No artigo 30 também foi realizada importante inovação, corrigindo as falhas constantes do art. 35 do substitutivo ao PLS 280/2016, já apontadas anteriormente. Trata-se da inclusão dos elementos de competência do conhecimento do erro e da intenção de constranger como condições para a caracterização do crime, evitando-se a criminalização do mero agir irregular, que torna temerário o mero exercício da profissão pela autoridade administrativa.

Veja-se a nova redação, que merece ser aplaudida:

Art. 30. Deixar de corrigir, quando provocado e tendo competência para fazê-lo, erro relevante que sabe existir em processo ou procedimento, quando não houver outra via impugnativa e com a intenção deliberada de constranger indevidamente o interessado.

Pena – detenção, de 3 (três) a 6 (seis) meses, e multa”.

ARTIGO 31

Finalmente, ressaltamos também a redação do artigo 31 da minuta, que novamente traz uma evolução redacional importante com relação ao art. 37 do substitutivo ao PLS 280/2016. Com a nova redação, deixa-se de criminalizar a mera divergência interpretativa (“deixar de determinar a instauração de procedimento investigatório”), incluindo os elementos de competência e conhecimento, que traduzem a intenção de prejudicar, ou a negligência deliberada.

Ora, o Ministério Público e a polícia agem a partir de um dado contexto fático, e a percepção deste contexto pode levar a interpretações diversas. Isto é absolutamente inerente às diversas carreiras, faz parte da margem de discricionariedade que lhes é necessária para o bom desempenho de suas funções. Não se pode, assim, criminalizar uma conduta que deve ser objeto de punição administrativa e não criminal.

Até porque em diversos casos – na maioria deles certamente - é o próprio excesso de trabalho, ou ausência de recursos materiais e humanos, o que impede o agente estatal de uma pronta atuação. A conduta, portanto, não pode simplesmente ser criminalizada. Existem órgãos de controle para a atuação negligente destas autoridades, como as corregedorias, o CNJ, o CNMP, que estão, inclusive, abertos a representação por parte dos cidadãos.

Apoia-se, assim, a redação conferida ao art. 31 da minuta de PL apresentada pelo Procurador-Geral da República.

Por todo o exposto, a ANPR apoia a minuta de projeto de lei apresentada pelo Procurador-Geral da República em referência aos crimes de abuso de autoridade, recomendando-se seja o projeto convertido em projeto de lei e aprovado pelo Congresso Nacional.

Sendo o que havia para o momento, permanecemos à disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam necessários. Recebam Vossas Excelências nossos protestos de estima e consideração.

Brasília, 3 de abril de 2017.

José Robalinho Cavalcanti

Presidente da ANPR

Fonte: "anpr"


sexta-feira, 24 de março de 2017

Em defesa da Lava Jato

Rodrigo Janot em evento da Escola Superior do MPU:
"Colegas,
A Lava Jato completou neste mês de março três anos de profícuos trabalhos. Do que se revelou no curso das investigações, é possível concluir que existem basicamente duas formas de corrupção no país: a econômica e a política. Elas não se excluem e, em certa medida, tocam-se e interagem.
A primeira, sempre combatida e bem conhecida do Ministério Público, tem fundamentalmente uma finalidade financeira: o corrupto busca o enriquecimento com a venda de facilidades. Normalmente, esse tipo de corrupção encontra-se em profusão nas camadas inferiores da estrutura burocrática do Estado.
A segunda, até então mais intuída do que propriamente conhecida, é ambiciosa e mais lesiva. O proveito econômico não está na sua alçada principal, mas antes o poder. Enriquecer pela corrupção política é mais uma consequência do que propriamente um objetivo. Busca-se o poder, porque o dinheiro e suas facilidades chegam de arrasto. O mérito da Lava Jato foi haver encontrado o veio principal da corrupção política. Esse tipo de corrupção, como disse, é de altíssima lesividade social porque frauda a democracia representativa, movimenta bilhões de reais na clandestinidade e debilita o senso de solidariedade e de coesão, essenciais a uma sociedade saudável.
Escolhas para altos postos na estrutura do Estado, nas suas autarquias e empresas passam a não considerar a competência técnica do candidato, mas sua disposição para trabalhar na engrenagem arrecadadora de recursos espúrios destinados à máquina partidária que o apadrinhou. Desde o mensalão, essa realidade já começava a revelar seus contornos com mais nitidez. No entanto, foi nesses últimos três anos que a dura e inocultável verdade se mostrou por completo: nosso sistema político-partidário foi conspurcado e precisa urgentemente de reformas.
É necessário abrir espaço para a renovação o quanto antes, pois a política não pode continuar a ser uma custosa atividade de risco propícia para aventureiros sem escrúpulos. Certamente, essa crise política há de encontrar o devido equacionamento no âmbito do próprio sistema democrático. Serão as forças políticas da sociedade, dentro da institucionalidade, que, após debate e reflexão, devem apontar caminhos para que levem à quebra do círculo vicioso em que o país se encontra.
A nós do Ministério Público cabe um papel modesto nesse processo, mas de grande relevância social. Devemos dar combate, sem tréguas, ao crime, à corrupção e às tentativas de fraudar-se a lisura do processo eleitoral. É nesse contexto que o papel dos senhores, Procuradores Regionais Eleitorais, avulta em importância institucional. Muitos dos desvios do poder político podem e devem ser prevenidos e reprimidos, quando for o caso, já no processo eleitoral.
Precisamos intensificar, assim, a fiscalização do financiamento das campanhas, combater firmemente o caixa 2 e promover obstinadamente a responsabilização de quem não respeita o fair play do jogo democrático e abusa do poder econômico e político para vencer ilegitimamente eleições. O filtro do processo eleitoral, do qual o Ministério Público é importante componente, é fundamental para melhorar a qualidade de nossa política. Não é fácil a nossa missão, bem o sei. Para mim, já se vão 32 anos de árdua labuta nesta Casa.Tenho afirmado reiteradamente que o Ministério Público não engana a ninguém e não costuma vender ilusões ou fantasias. Quem busca atalhos e facilidades, de fato, não terá aqui o melhor lugar para encontrá-los.
Digo isso porque, mesmo quando exercemos nossas funções dentro da mais absoluta legalidade,estamos sujeitos a severas e, muitas vezes, injustas críticas de quem teve interesses contrariados por nossas ações. A maledicência e a má-fé são verdugos constantes e insolentes.Não quero deter-me no fato específico, mas não posso deixar de repudiar com toda veemência a aleivosia que tem sido disseminada para o público nos últimos dias: é uma mentira, que beira a irresponsabilidade, afirmar que realizamos, na Procuradoria-Geral da República, coletiva de imprensa para “vazar” nomes da Odebrecht.
Só posso atribuir tal ideia a mentes ociosas e dadas a devaneios, mas, infelizmente, com meios para distorcer fatos e desvirtuar instrumentos legítimos de comunicação institucional. Refutei pessoalmente o fato para os próprios representantes do veículo de comunicação que publicou a matéria inverídica. Procuramos nos distanciar dos banquetes palacianos. Fugimos dos círculos de comensais que cortejam desavergonhadamente o poder político. E repudiamos a relação promíscua com a imprensa.
Ainda assim, meus amigos, em projeção mental, alguns tentam nivelar a todos à sua decrepitude moral, e para isso acusam-nos de condutas que lhes são próprias, socorrendo-se não raras vezes da aparente intangibilidade proporcionada pela posição que ocupam no Estado.
Infelizmente, precisamos reconhecer que sempre houve, na história da humanidade, homens dispostos a sacrificar seus compromissos éticos no altar da vaidade desmedida e da ambição sem freios. Esses não hesitam em violar o dever de imparcialidade ou em macular o decoro do cargo que exercem; na sofreguidão por reconhecimento e afago dos poderosos de plantão, perdem o referencial de decência e de retidão. Não se impressionem com a importância que parecem transitoriamente ostentar.

No fundo, são apenas difamadores e para eles, ouvidos moucos é o que cabe e, no limite, a lei. Não somos um deles, e isso já nos basta.Para encerrar, compartilho com os senhores a advertência do mestre Montesquieu que sempre tive presente comigo: o homem público deve buscar sempre a aprovação, mas nunca o aplauso. E, se o busca, espera-se, ao menos, que seja pelo cumprimento do seu dever para com as leis; jamais por servilismo ou compadrio."