Sede da Odebrecht, SP, foto O globo |
Após a divulgação das delações de 77 executivos da Odebrecht tomamos conhecimento da existência de um mercado de leis no Congresso Nacional. Há acusações escancaradas, com detalhes de negociações espúrias, nas quais deputados e senadores recebiam dinheiro para fazer leis em benefício de negócios da Odebrecht.
A
compra e venda de leis é um
novo e promissor universo de corrupção, pelo qual as investigações
da Lava Jato vão avançar nos próximos meses. Ameaçados pelas investigações, os
políticos reagem com intimidação tentando aprovar projeto de
lei destinado a coibir e punir abusos cometidos por autoridades. A
comissão que analisa o projeto tem 12 investigados pela Lava Jato,
incluindo o presidente,senador Edison Lobão, que é réu em cinco
inquéritos da Lava Jato. O líder do PMDB, senador Renan
Calheiros,
é investigado em 12 inquéritos oriundos de casos de corrupção
descobertos pela Lava Jato.
Ciente
desse ataque, que pode ser devastador, a parte do Senado que é alvo
das investigações busca o contragolpe, por meio do projeto relatado
por Requião. A resistência nasceu ali porque é justamente o
Senado, especialmente sua cúpula, o principal alvo dos
investigadores
A
turma de senadores atingidos pela Lava Jato está com o senador
Requião, O projeto de lei de abuso de autoridade relatado por ele é
daquelas matérias que têm mérito institucional, mas são
instrumentalizadas com oportunismo para servir a alguns. Foi
ressuscitado por um grupo de senadores acusados de corrupção como
forma de intimidar e reduzir os poderes de quem investiga e pune
políticos – no momento, os que participam da Operação Lava Jato.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, foi pessoalmente ao
Congresso no início do mês apresentar um projeto seu, alterando o
texto original, apresentado pelo líder do PMDB, senador Renan
Calheiros, e relatado por Requião. Suas sugestões foram deixadas de
lado. O senador Randolfe Rodrigues, que joga com a força-tarefa da
Lava Jato, conseguiu adiar o desfecho.
No
balcão de negócios sujos- como dizia a ex-senadora Heloísa Helena- que se transformou o congresso nacional foram
negociadas, segundo os delatores, pelo menos 20 alterações
legislativas, sendo 15 Medidas Provisórias, quatro
projetos de lei e um projeto de resolução, durante
um período de mais de dez anos de 2004 a 2015, já durante o curso
da Operação Lava Jato.
A
função de subornar e influenciar deputados e senadores cabia
principalmente ao então diretor de relações institucionais da
Odebrecht, Cláudio Melo Filho, que atuava na
defesa dos interesses de todas as empresas do grupo, por seu bom
trânsito no Legislativo.
Segundo
o delator, seu principal parceiro na atuação legislativa espúria
era o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que o
orientava e ajudava na defesa dos interesses da empreiteira. Por
isso, Jucá é o principal acusado nesses casos de
alterações legislativas detalhados pela Odebrecht e se tornou alvo
de quatro novos inquéritos no Supremo. A Odebrecht não
poderia ter escolhido melhor. Jucá não foi líder de três governos
seguidos FHC, Lula, Dilma e é do governo Temer à toa. Tem
raciocínio rápido, conhece o regimento do Senado melhor do que
todos, é desenvolto em matérias econômicas, trabalha muito, é
capaz de farejar sucesso e fracasso a quilômetros, é próximo do
Palácio do Planalto e tem trânsito com os colegas. Não é à toa
que, em seu depoimento, Cláudio Melo Filho conta que Jucá
era identificado como “pessoa de grande força no Senado Federal”
e, por isso, foi o primeiro ponto de apoio da Odebrecht.
MP
252 (MP do Bem)
A
primeira dessas parcerias público-privadas foi a MP
252, enviada ao Congresso em junho
de 2005. Conhecida como MP do Bem, tratava
de incentivos fiscais a empresas. Tornou-se alvo de
lobby da Odebrecht, interessada em obter uma mudança na
tributação da nafta, matéria-prima da Braskem, braço petroquímico
do grupo. “Esse de fato é o primeiro assunto importante em
que eu me envolvo e peço de forma efetiva e clara a ajuda do senador
Romero Jucá para defesa dos interesses da organização Odebrecht”,
afirmou Cláudio Melo Filho aos procuradores. Outro delator, José
de Carvalho Filho, disse que chegou a entregar pessoalmente
dinheiro vivo no gabinete de Jucá no Senado. Mas, em geral, era o
lobista Milton Lyra, ligado ao PMDB, quem recolhia o dinheiro de
Jucá. Em nota, Lyra afirma que “é mentira de José Carvalho Filho
que eu tenha intermediado qualquer tipo de pagamento destinado ao
senador Romero Jucá ou qualquer outro parlamentar”. Conhecido por
suas declarações desastrosas, Jucá proferiu mais uma delas ao
rebater as acusações. “Não tem sentido alguém pensar que se
vende emenda por R$ 150 mil. Com R$ 150 mil não se vende (emenda)
nem na feira do Paraguai. É uma piada”, afirmou, em referência a
um mercado de produtos baratos (e muitos ilegais) em Brasília. Jucá
ainda ironizou as delações, como “ficções premiadas”. Um
ponto, no entanto, deve ser levado a sério: o valor. De valores
(financeiros) Jucá entende.
MP
579
Com
Jucá aparecem seus colegas de PMDB que formam a trinca mais poderosa
do Senado, o presidente Eunício Oliveira e o
ex-presidente e líder do partido Renan Calheiros. Em 2012,
Renan deu uma força para a Odebrecht. O delator Cláudio Melo Filho
afirma que procurou o senador, o relator da MP
579, que reduzia o preço da energia elétrica para
grandes consumidores no Nordeste. A pedido da Odebrecht,
Renan fez modificações que beneficiaram a Braskem, empresa
do grupo, que aliás tinha uma planta em Alagoas, terra de Renan.
Dois anos depois, Cláudio Melo Filho foi à residência oficial de
Renan no Lago Sul, em Brasília, para tratar de nova etapa do
assunto. Depois de ouvir Cláudio Melo Filho, Renan pediu
contribuição para a campanha eleitoral do filho ao governo do
estado. A Odebrecht deu R$ 1,2 milhão ao PMDB de Alagoas e pelo
menos R$ 800 mil foram à campanha de Renan Filho. Renan é
investigado pela atuação na tramitação de outras quatro Medidas
Provisórias.
MP
470 (Refis da crise)
Enquanto
o delator Cláudio Melo Filho atuava no Congresso, o presidente da
empresa, Marcelo Odebrecht, se envolvia pessoalmente quando as
negociações de Medidas Provisórias exigiam ajuda do Palácio do
Planalto. A MP 470, de 2009,
conhecida como Refis da Crise, salvou a Braskem de
dificuldades financeiras ao permitir o parcelamento da
dívida tributária. Marcelo contou aos procuradores que
negociou a MP diretamente com o então ministro da
Fazenda, Guido Mantega. “Ele pediu a contrapartida de R$ 50
milhões para a campanha de 2010 (de Dilma à Presidência)”,
afirmou Marcelo.
MP 613
Em
seguida, ele negociou com Mantega outra Medida Provisória, a 613,
que estabeleceu um regime especial de tributação
favorável à Odebrecht. Por essa benesse, houve uma
exigência ainda maior. “Quando chegou perto da campanha de 2014,
os R$ 50 milhões já tinham ido embora. Aí ele (Mantega) me disse:
‘Olha, Marcelo, a campanha está chegando, eu tenho a expectativa
de uns R$ 100 milhões'”, disse Marcelo. Na ocasião, dinheiro para
o PT dava em árvores da Odebrecht, claro. Os pagamentos foram feitos
em dinheiro vivo e por transferências bancárias internacionais,
cujo destinatário final era o marqueteiro João Santana, responsável
pelas campanhas de Dilma Rousseff. Pela MP 613, a
Odebrecht distribuiu R$ 7 milhões, segundo três delatores, a
parlamentares. A lista inclui os atuais presidentes
da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira.
O setor de propina da Odebrecht registra dois pagamentos de R$ 1
milhão cada a Eunício -um em outubro de 2013 e outro em janeiro de
2014. Rodrigo Maia nega favorecimentos à Odebrecht e o recebimento
de vantagens indevidas. O senador Euníco Oliveira afirma por meio de
nota que não há registro de iniciativas dele no trâmite da MP 613
e que “não autorizou o uso de seu nome em supostas negociações”.
As defesas de Mantega e de Dilma negam as acusações e afirmam que
nunca receberam propina da Odebrecht. O senador Renan Calheiros nega
as acusações.
MP 703
A
desfaçatez da engenharia criminosa chegou a ponto de, com a Lava
Jato em curso, tentar blindar as empreiteiras. O
alvo da Odebrecht foi a Medida Provisória
703/2015, que modificou as regras para a
celebração de acordos de leniência espécie de delação premiada
das empresas. O próprio patriarca do grupo, Emílio
Odebrecht, pediu ajuda ao ex-presidente Lula e ao então
ministro da Casa Civil, Jaques Wagner (PT). O objetivo
era inserir uma mudança que excluísse o Ministério
Público dos acordos, permitindo que as empresas assinassem os
acordos diretamente com o governo. A mudança facilitaria
muito a vida da Odebrecht. Apesar de editada pelo governo Dilma
Rousseff em dezembro de 2015, a MP não virou lei.
Questionado se houve pedido de propina nesse caso, Emílio afirmou
que não, porque tanto a Odebrecht quanto o governo estavam
enfraquecidos pela Lava Jato. “Era o torto pedindo ajuda ao
aleijado”, contou aos procuradores, em meio a risos.
Para
corroborar as informações prestadas pelos delatores, a
Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal vão levantar
a tramitação detalhada dos projetos e Medidas Provisórias
colocados sob suspeita, incluindo todas as emendas
e alterações propostas. Entre as diligências solicitadas
pela PGR estão também a identificação de entradas dos executivos
da Odebrecht no Congresso, o levantamento de doações oficiais aos
parlamentares e o rastreamento das reuniões entre os funcionários
da empreiteira e os políticos.
No
domingo de Páscoa, pessoas que estiveram presentes em um jantar
oferecido pelo presidente Michel Temer com lideranças do Congresso,
no Palácio da Alvorada, notaram que o presidente do Senado, Eunício
Oliveira, estava abatido. O sentimento é compartilhado por muitos
políticos. Parlamentares reclamam da decisão do ministro Edson
Fachin de divulgar as delações da Odebrecht de forma ampla e
irrestrita. Afirmam que parte do Judiciário e do Ministério Público
busca “criminalizar a política”. Ao fim das investigações será
possível dizer se alguém fez da atividade política uma atividade
criminosa.
Fonte: "epoca"
Nenhum comentário:
Postar um comentário