Os salários que o Sesi paga aos apadrinhados do PT
As remunerações a indicados por Lula e pelo partido chegam a R$ 36 mil –
e alguns deles nem precisam aparecer para trabalhar
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COMPANHEIROS
Jair Meneguelli e o ex-presidente Lula. Nomeado por Lula,
ele está há 11 anos no Sesi e ganha até R$ 60 mil mensais (Foto Ricardo
Benichio, divulgação)
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"Um espectro ronda a casa 787 da Rua José Bonifácio, numa esquina do
centro de São Bernardo do Campo, em São Paulo – o espectro do empreguismo. De
longe, vê-se apenas uma casa amarela, simples e estreita como as demais da
região. De perto, subitamente, tudo o que é sólido se desmancha no ar e – buuu!
– sobram somente os fantasmas. Naquele endereço, na cidade paulista onde o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mora e fez sua carreira, funciona o
“escritório de representação”, em São Paulo, do Conselho Nacional do Serviço
Social da Indústria, o Sesi. A casa amarela mal-assombrada fica a 40 metros do
Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em que Lula se projetou como um dos maiores
líderes políticos do Brasil. O sindicato mais famoso do país continua sob o
comando de Lula e seus aliados. A casa amarela foi criada por esses aliados no
governo de Lula. Quem a banca são as indústrias do país. Todo ano, elas são
obrigadas a financiar as atividades do Sesi, cuja principal finalidade é
qualificar os trabalhadores das indústrias. A casa amarela é um dos melhores
lugares do Brasil para (não) trabalhar. O escritório é modesto, mas os salários
são inimagináveis – e as jornadas de trabalho, imaginárias. Difícil é entrar. É
preciso ser amigo de petistas poderosos.
Na manhã da última quarta-feira, ÉPOCA reuniu coragem para bater à porta
da casa amarela. Estava em busca de Marlene Araújo Lula da Silva, uma das noras
do ex-presidente Lula. No papel e na conta bancária, ela trabalha ali. A
reportagem encontrou apenas dois sindicalistas, além da copeira Maria e da
secretária Silvana. Dona Maria parece ser a mais produtiva do lugar. Faz um
ótimo café. Talvez por medo, não fala sobre as aparições. Assim que ÉPOCA
perguntou pela nora de Lula, a secretária Silvana tratou de alertá-la por
telefone. Cerca de 45 minutos depois, Marlene finalmente estacionava seu
Hyundai Tucson preto na garagem.
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APARIÇÕES
Marlene (à esq.),
nora de Lula, só apareceu no trabalho depois de ÉPOCA perguntar por ela. Márcia
(à dir.), mulher do mensaleiro João Paulo Cunha, estava em casa (Foto: Rogério
Cassimiro/ÉPOCA)
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Casada com o quarto filho de Lula, Sandro Luís Lula da Silva, Marlene
raramente aparece no serviço, apesar de ter um salário de R$ 13.500 mensais.
Diz ser “formada em eventos”. Questionada sobre o que faz no Sesi, onde está
empregada desde 2007, Marlene foi vaga. Disse trabalhar em programas do Sesi na
capital paulista e na região do ABC. “Trabalho com relações institucionais.
Fico muito tempo fora do escritório. Tenho uma jornada flexível. Quem me
contratou foi o Jair Meneguelli”, afirmou. Meneguelli é o presidente do Sesi.
Sindicalista e amigo de Lula, ocupa o cargo desde que o PT chegou ao Planalto,
em 2003. “Mas por que está fazendo essas perguntas? Se você está me procurando,
deve ser pela ligação que tenho de sobrenome”, disse.
Marlene é apenas um dos fantasmas vermelhos que, segundo descobriu a
Controladoria-Geral da União, a CGU, habitam a casa amarela. No começo do ano,
funcionários do Sesi procuraram a CGU para denunciar a existência de fantasmas
nos quadros da entidade. Todos indicados por Lula e outros próceres do PT. Os
auditores da CGU, como caça-fantasmas, foram a campo. Encontraram apenas
ectoplasmas. Estiveram na casa amarela e jamais flagraram a nora de Lula
trabalhando. Experimentaram ligar em horários alternados, na tentativa de
achá-la na labuta. Nenhum vestígio. Por fim, decidiram perguntar ao Sesi que
atividades Marlene exercera nos últimos tempos. A resposta foi evasiva. Agora,
a CGU trabalha num relatório sobre a caça aos fantasmas.
A rotina tranquila permitiu que Marlene se lançasse ao mundo
corporativo. Em 2009, ela se tornou sócia do marido e de um cunhado, Marcos
Luís, numa empresa de tecnologia que se diz especializada na produção de
software, a FlexBr. Até hoje a empresa não tem site. Antes escanteada num
imóvel da família do advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula, em São
Bernardo do Campo, a FlexBr mudou-se para um
belo prédio no bairro dos Jardins, em São Paulo. ÉPOCA também esteve lá
na semana passada. As atendentes do prédio disseram que a empresa não funciona
mais lá há pelo menos um ano. Nunca
viram Marlene ali.
Por que o emprego de Marlene no Sesi nunca veio à tona? Um servidor do
Sesi afirmou que se deve à dificuldade de associar o nome de solteira de
Marlene ao sobrenome Lula da Silva. Na relação de funcionários do Sesi, o nome
dela é Marlene de Araújo. Sobram fantasmas na família Lula. Em 2005, o jornal
Folha de S.Paulo revelou que Sandro Luís, o marido de Marlene, tinha sido
registrado como funcionário do PT paulista, com salário de R$ 1.500. Sandro nem
sequer aparecia no partido.
O assessor Rogério Aurélio Pimentel deveria ser colega de Marlene na
casa amarela. Até há pouco, estava lá
apenas em espírito. Aurélio foi contratado no começo de 2011, para ser gerente
de serviços sociais. Ganha R$ 10 mil por mês. O emprego no Sesi foi arranjado
depois que a presidente Dilma Rousseff chegou ao Planalto e o dispensou.
Aurélio, amigo de Lula, trabalhou no gabinete pessoal dele nos oito anos de
mandato. No Planalto, dividia sala com Freud Godoy, ex-segurança de Lula. Godoy
e Aurélio eram conhecidos no Planalto como “dupla dinâmica”. Freud se consagrou
com o escândalo dos Aloprados, na campanha de Lula em 2006. Foi acusado de usar
dinheiro sujo para comprar um dossiê fajuto com denúncias contra o tucano José
Serra. ÉPOCA encontrou Aurélio na casa amarela. Ele disse não ter sido indicado
por Lula. “Trabalho com Marlene assessorando projetos e também ajudo aqui no
escritório”, disse. Não quis dar mais explicações. Desde as visitas dos
caça-fantasmas da CGU, Aurélio passou a se apresentar no escritório do Sesi com
mais regularidade.
O emprego da nora de Lula demorou a ser descoberto porque ela usava o
sobrenome de solteira.
Na sede do Sesi, em Brasília, os caçafantasmas entrevistaram
funcionários (de verdade) e vasculharam os computadores dos fantasmas em busca
de vestígios de que trabalhavam. Nada. Uma das que não entravam no próprio
computador chama-se Márcia Regina Cunha. Ela é casada com o ex-deputado João
Paulo Cunha, do PT de São Paulo, condenado no processo do mensalão. Foi Márcia
quem buscou os R$ 50 mil, em dinheiro vivo, que João Paulo recebeu de Marcos
Valério – ele dizia que ela fora ao banco pagar a conta de TV a cabo. No Sesi,
Márcia está empregada como gerente de marketing desde 2003. Recebe R$ 22 mil
por mês.
>> Ascensão e queda de João Paulo Cunha
Sou gerente de marketing. Trabalho lá (em Brasília) e aqui em São
Paulo"
MÁRCIA CUNHA, MULHER DO MENSALEIRO JOÃO PAULO CUNHA, EM SUA CASA
Na tarde da mesma quarta-feira em que procurou Marlene na casinha
amarela, ÉPOCA flagrou Márcia a 1.000 quilômetros da sede do Sesi em Brasília,
onde ela deveria estar. Márcia estava em sua casa, na cidade de Osasco, região
metropolitana de São Paulo. A casa de Márcia e do ex-deputado João Paulo Cunha
está em reforma. Márcia parecia acompanhar as obras. ÉPOCA quis saber por que
ela não estava em Brasília. “Sou gerente de marketing. Trabalho lá (Brasília) e
aqui em São Paulo. Tem uma unidade do Sesi aqui”, disse – e logo desapareceu.
Os caça-fantasmas tiveram dificuldade para encontrar também o advogado e
jornalista Douglas Martins de Souza no Sesi em Brasília. Contratado para ser
consultor jurídico, ganha R$ 36 mil. Filiado ao PT desde 2000, foi secretário adjunto
da Secretaria de Igualdade Racial no início do governo Lula. Marlene disse que
Douglas “fica entre Brasília e São Paulo”.
Além de atender a pedido de amigos, Meneguelli, o presidente do Sesi,
também emprega os seus. Um deles é o petista Osvaldo Bargas. No período em que
Meneguelli presidiu a Central Única dos Trabalhadores (CUT), ligada ao PT,
Bargas era seu número dois. No Sesi, recebe salário de R$ 33 mil. A
sindicalista Sandra Cabral, amiga do ex-tesoureiro petista Delúbio Soares,
também conseguiu emprego lá. Recebe R$ 36 mil por mês.
Se alguém ganha bem no Sesi, é o próprio Meneguelli. Há meses em que
ganha quase R$ 60 mil – somando ao salário uma “verba de representação”. Hoje,
ocupa uma sala espaçosa num dos prédios mais luxuosos da capital federal.
Meneguelli desfila num impecável Ford Fusion preto, modelo 2014, com motorista.
Para não ficar a pé no ABC paulista, deu ordens para que um Toyota Corolla
zerinho fosse transportado de Brasília a São Bernardo do Campo. Fica a sua
disposição, com motorista. As despesas com esses e outros três bólidos do Sesi
somam mais de R$ 150 mil por ano.
Meneguelli tem uma mania incorrigível de confundir o patrimônio do Sesi
com o dele. Todos os finais de semana, recebia passagens pagas pelo Sesi para
ir a sua casa em São Caetano do Sul, em São Paulo. Isso acabou quando uma
auditoria do Tribunal de Contas da União, o TCU, vetou o procedimento. Outra
auditoria da CGU também achou estranho que Meneguelli tenha criado uma
representação do Sesi em São Bernardo do Campo – e não na capital paulista.
Silvana Aguiar, secretária de Meneguelli em São Bernardo, disse que a casa
amarela, antes de ser o escritório do Sesi, já abrigava o escritório político
de seu patrão.
Por meio de sua assessoria, Meneguelli afirmou que Marlene, Márcia,
Aurélio, Sandra e Douglas cumprem suas jornadas de trabalho normalmente, que os
cargos são de livre provimento e que os carros usados por ele são compatíveis
com “padrão executivo, adotado pela instituição desde antes da atual gestão, e
a despeito de quem seja gestor”. Afirmou não enxergar conflito de interesses na
contratação do amigo Bargas. Lula não quis comentar".
MURILO RAMOS