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Carlos Terra na rádio Connect Búzios |
Muito velho que sou,
pensei ter tido notícia de todas as nuances do caráter humano e que portanto,
nada mais seria capaz de me fazer corar, de me surpreender negativamente ao
ponto de ter que meditar sobre os limites da audácia dos hipócritas e coragem
dos desonestos. É certo que estes personagens do submundo, sempre existiram
pois, ainda na primeira metade do século passado, o "Águia de Haia",
boquiaberto setenciava: "De tanto ver triunfar as nulidades, te tanto ver
crescer as injustiças, de tanto ver agigantar-se o poder nas mãos dos maus, o
homem chega a desanimar da virtude, rir-se da honra, a ter vergonha de ser
honesto".
Tivesse aquele sábio
brasileiro sobrevivido até hoje e presenciado o cenário político de nosso País,
teria certamente se utilizado de palavras muito mais rudes e contundentes para
retratar as barbaridades perpretadas contra a sociedade, por um punhado de
bandidos encastelados no poder.
Inocentemente me enchi de
esperança quando, mobilizada pelas mídias modernas, a sociedade resolveu
protestar uníssona, aos milhares, pelas ruas de todos os recantos deste País,
gritando em alto e bom som, veementemente: " vocês não nos
representam", "não aceitamos participação de nenhum Partido
Político", "queremos saúde, educação", "corrupção nunca
mais" e por aí afora, sempre resoluta e decidida a permanecer nas ruas,
até que soluções fossem implementadas.
O reflexo desse movimento
espontâneo, foi a total perplexidade de todo o ambiente político, que como
protegido por uma carapaça, não tinha a menor sensibilidade sobre a realidade
que agora lhes assaltava, ameaçando-os de morte, pela ruptura iminente do
ambiente de impunidade em que reinavam tranquilamente.
Assim é que, os aumentos
da tarifa de transporte público, foram revogados imediatamente comprovando que
não eram indispensáveis, médicos de todas as nacionalidades foram convocados em
urgência, a PEC 37 que ameaçava castrar
do Ministério Público o direito de investigação, foi rejeitada por unanimidade
e o voto aberto foi universalizado na Câmara e no Senado. Há de se notar também
que “pela primeira vez na história deste País”, parafraseando o protagonista
principal do teatro macabro da política brasileira, um deputado e um senador
foram condenados à prisão, sendo que o deputado foi recolhido ao presídio da
Papuda, onde está obrigado a tomar banho de água fria e comer a mesma
"bóia" dos outros detentos, situação que o revoltou quando atônito
afirmou: "estou sendo tratado como um preso comum", como se todos os
presos não fossem iguais, não tivessem sido excluídos do convívio social por
prejuízos causados à sociedade.
No sopro desses bons
ventos de mudanças, aconteceram a condenação dos mensaleiros e o aparecimento
de uma figura pública merecedora do respeito de todos por seu destemor e
desprendimento no comando e relatoria da Ação Penal 470, no âmbito do Supremo
Tribunal Federal- STF. Fazendo valer a autonomia deste Poder, o Ministro
Joaquim Barbosa, ganhou status de estadista, de personagem a ser copiado,
admirado e reconhecido por todos os brasileiros. Quanta esperança por dias
melhores, parecia que os maus ventos, carregados de tormentas e escândalos,
estavam mudando de quadrante e sendo substituídos por uma brisa acalentadora de
sonhos, parecia ...
As ruas se calaram,
arrefeceu o medo e com isso foi restaurado o ambiente anterior, de impunidade
absoluta, de passividade pusilânime, que servia de garantia para a sucessão de
atrocidades arquitetadas nos porões de Brasília, para posteriormente serem
exibidas à luz dos plenários da Câmara e do Senado, sem nenhum temor da reação dos ofendidos.
Abusando da paciência do
leitor, lembrarei da sessão que manteve o mandato do Deputado-Presidiário Natan
Donadan, como se fosse possível existir um pinto na ausência do ovo que o
gerou. Os direitos políticos do deputado-presidiário, condição necessária à
existência de seu mandato, foram cassados pela sentença do STF - Supremo
Tribunal Federal, fato que arrasta a perda do mandato em sua esteira. Numa
manobra vergonhosa que deixou a Nação perplexa, os deputados mantiveram o
mandato do "presidiário", ignorando todas as circunstâncias legais e
fáticas de sua impertinência, sem nenhum receio da mobilização da multidão para
se vingar desta traição. É inacreditável,
mas foram capazes !!!
Escrever essas linhas é
consequência de duas tardes dedicadas à votação pelo Supremo Tribunal Federal,
da admissibilidade de embargos infringentes quanto ao acórdão da Ação Penal
470, conhecida como "Mensalão". Minha revolta com relação à
argumentação dos defensores do cabimento desse recurso revisor que, em última
análise, assegura um novo julgamento do mesmo fato, tem raízes em questões
práticas, de lógica elementar, inatingíveis pelos argumentos cínicos,
travestidos de tecnicidade falaciosa, sustentados pelos ministros novatos,
certamente em pagamento de suas indicações. Jamais o preechimento das vagas da
mais alta Corte de Justiça, poderia se dar pelo impulso político de um outro
Poder, no caso do Executivo, uma vez que as decisões dos escolhidos, afetam
diretamente o poder de quem os indicou. Essa regra há que ser modificada
urgentemente, para que constrangimentos semelhantes ao das duas últimas sessões
do Plenário do STF - Supremo Tribunal Federal -não se repitam.
Os argumentos que
fundamentam os votos dos Ministros Joaquim Barbosa, Luis Fucs, Marco Aurélio
Melo, Gilmar Mendes e Carmem Lúcia, são impregnados de lógica, técnica, oportunidade e principalmente, estão
amparados por extensa Jurisprudência, em situações similares transitadas em
julgado.
Em resumo são:
a) a premissa de
Instância bi-cameral não tem cabimento quando a Sede corresponde à mais alta
Corte do Poder Judiciário, não há para quem recorrer;
b) a ordem jurídica há que respeitar isonomia
sempre, portanto, como não existe a figura dos embargos infringentes nas
esferas inferiores do Judiciário, como é o caso do STJ - , não pode perseverar
a existência deste tipo de recurso na esfera superior, pois à contrário senso,
rompe-se a isonomia;
c) admitir o cabimento do
reexame do processo, pelo mesmo Plenário, composto em tese pelos magistrados
mais competentes deste País, seria ridicularizar a decisão anterior, como muito
bem argumentou o Ministro Gilmar Mendes quando, sarcasticamente, se referiu a
não ser aquela uma Corte Juvenil;
d) conclusivo também, é o
fato de que este julgamento, por sua
importância e singularidade, consumiu 53 sessões de uma Instância abarrotada de
responsabilidades cujo exame foi postergado face à necessidade de cnsagrar que
políticos desonestos estão ao alcance das garras da Justiça, não são imunes às
consequências de seus desmandos.
Enfim, como bem enfatizou
o Ministro Marco Aurélio, pesa sobre os ombros do decano Ministro Celso de Melo
desempatar a votação, que caso represente a vitória dos embargos infringentes,
materializará as razões do medo de Ruy Barbosa, isto é, sairão vencedores as nulidades,
as injustiças e o poder nas mãos dos maus. A virtude, a honra e a honestidade,
serão valores dos quais devemos nos envergonhar !!!
Tanta audácia e coragem
só podem ser sustentadas pela certeza da impunidade, da inércia dos ofendidos.
Meu medo, diferentemente do de Ruy Barbosa, é que a revolta tenha consequências
e termine em sangue e lágrimas, que neste caso farão sentido. Democrata que
sou, lamento muito concluir assim, mas “não há mal que sempre dure”, diz o
ditado popular. Será que teremos que recorrer à violência para terminar com esse?
Carlos Terra Ferreira –
Pecuarista
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