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Os 18 bilionários americanos a favor de mais impostos, da esquerda para a direita: Louise J. Bowditch, Robert S. Bowditch, Abigail Disney, Sean Eldridge, Stephen R. English, Agnes Gund, Catherine Gund, Nick Hanauer, Arnold Hiatt, Chris Hughes, Molly Munger, Regan Pritzker, Justin Rosenstein, Stephen M. Silberstein, Ian T. Simmons, Liesel Pritzker Simmons, Alexander Soros, George Soros. Foto: Getty Images / AFP / Reprodução |
Em
defesa do EMPREGO, do AMBIENTE e da SAÚDE, ultrarricos estão dispostos a contribuir com
além do estabelecido
Uma
carta aos candidatos à Presidência dos Estados Unidos reivindicando
uma taxação maior aos multimilionários e bilionários
provavelmente passaria despercebida não fosse um detalhe: ela é
assinada por um grupo
notável de 19 ultrarricos —
entre eles o megainvestidor George Soros, o cofundador do Facebook
Chris Hughes e as herdeiras Abigail Disney e Liesel Pritzker. No
texto, publicado na plataforma
Medium
na última segunda-feira, dia 24, eles defendem um imposto
moderado sobre as fortunas do décimo mais abastado entre o 1% mais
rico dos americanos.
Os signatários se referem especificamente a um plano
da senadora Elizabeth Warren, de Massachusetts,
que estima afetar
75 mil famílias e arrecadar cerca de US$ 3 trilhões ao longo de dez
anos.
De acordo com a proposta, a contribuição seria de 2%
sobre ativos a partir de US$ 50 milhões,
com um imposto
adicional de 1% para aqueles que excedessem US$ 1 bilhão.
A
manifestação do grupo a favor da taxação envia uma mensagem
controversa à Casa Branca, já que o presidente Donald Trump e o
Partido Republicano aprovaram, em 2017, um projeto que reduziu
a carga tributária para um seleto grupo de americanos e corporações.
Nos meses recentes, democratas como o senador Bernie Sanders e a
congressista Alexandria Ocasio-Cortez sugeriram planos para
taxar grandes fortunas, questionando se a concentração
de capital em poucas famílias não confere poderes políticos e
econômicos que COLOCAM EM RISCO OS VALORES DEMOCRÁTICOS. Os
signatários da carta, no entanto, frisam que o apelo está isento de
motivações partidárias e se reporta tanto a republicanos como a
democratas. “A América tem a responsabilidade moral, ética e
econômica” de tributá-los mais, escrevem, argumentando que
ajudaria a enfrentar a CRISE CLIMÁTICA, MELHORAR A ECONOMIA e os RESULTADOS NA SAÚDE, bem como
criar oportunidades (EMPREGOS). “É do interesse de nossa República”,
emendaram.
A
ideia também é respaldada pela maioria dos americanos: sete
em cada dez apoiam taxas maiores aos bilionários, segundo
pesquisas. Uma análise atual do Federal Reserve, banco central dos
EUA, constatou que, nas últimas três décadas, os integrantes
do 1% mais rico da população viram seus patrimônios crescer US$ 21
trilhões, à medida que a riqueza da metade inferior
da pirâmide caiu US$ 900 milhões. Estudos mostram ainda que
os ultrarricos gastarão 3,2% de sua riqueza neste ano,
enquanto 99% dos cidadãos vão desembolsar 7,2% de suas
economias. Conscientes desses números, os signatários
entendem que “o próximo dólar das novas receitas fiscais deve vir
dos mais afortunados financeiramente, não dos americanos de classe
média ou baixa renda”. Justificam, na carta, com seis
razões precípuas que vão desde patriotismo
ao aumento de investimentos públicos. Os bilionários
acreditam que, além de ser justo, um imposto sobre riqueza DEIXARÁ OS AMERICANOS MAIS SAUDÁVEIS, fortalecerá a LIBERDADE E A DEMOCRACIA e será uma ferramenta poderosa para resolver impasses
referentes à MUDANÇA CLIMÁTICA.
E
não é a primeira vez que magnatas expressam sua preocupação com a
desigualdade crescente. Em 2011, Warren
Buffett,
fundador da Berkshire Hathaway, observou, em um de seus ensaios, que
sua taxa efetiva de impostos era inferior ao percentual pago pelas
outras 20 pessoas de seu escritório. A avaliação incitou o
presidente à época, Barack Obama, e lideranças políticas a
exigirem que os milionários pagassem 30%
de sua renda em tributos.
O empresário Nick Hanauer alertou, em 2014, seus “colegas
zilionários” que estavam prosperando mais do que sonhavam os
plutocratas, ao passo que os demais 99% encontravam-se estagnados. Em
seu livro Fair
shot ,
Hughes já havia preconizado impostos mais elevados. Disney
classificou há pouco tempo como “insano” o pacote de remuneração
de US$ 65 milhões ao executivo Bob Iger. Em 2017, um grupo de 400
bilionários, incluindo Soros e Steven Rockefeller, condenou a
proposta de Trump para aliviar os impostos aos ultrarricos, alegando
que a medida
“exacerbaria a desigualdade”.
“CINCO
BRASILEIROS SOZINHOS TINHAM RIQUEZA IGUAL À DA METADE DA POPULAÇÃO.
NO PAÍS, OS MAIS RICOS TÊM MAIS ISENÇÕES E PAGAM
PROPORCIONALMENTE MENOS IMPOSTOS QUE OS MAIS POBRES”
Em
direção contrária, no Brasil, o restrito
grupo de multimilionários e bilionários se articula para manter
seus privilégios.
Há algumas décadas, projetos
que visam tributar seus patrimônios seguem inertes no Congresso.
A Constituição Federal admite, em seu artigo 153, a
taxação de fortunas pelo governo federal,
mas os parlamentares ainda não a regulamentaram. É
o único dos sete tributos previstos que ainda não saiu do papel.
Dados
do Imposto de Renda (IR) mostram que os brasileiros mais ricos têm
mais isenções e pagam proporcionalmente menos impostos.
Aproximadamente 10% dos R$ 2,94 trilhões de rendimentos declarados
em 2018 compreenderam rendimentos submetidos à tributação
exclusiva na fonte. Outros R$ 908 bilhões corresponderam a
rendimentos isentos de IR. No topo da pirâmide, o percentual da
renda isenta e não tributada sobre o total de rendimentos bateu em
70%. Um relatório da ONG britânica Oxfam, do ano passado, apontou
que cinco
brasileiros tinham riqueza igual à da metade da população do país.
Na lista, constam os bilionários Jorge Paulo Lemann, Joseph Safra,
Marcel Herrmann Telles, Carlos Alberto Sicupira e Eduardo Saverin. Em
2019,
a desigualdade de renda atingiu o maior patamar já registrado,
segundo pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Ela explicita que os mais pobres têm demorado mais a se recuperar
dos efeitos da crise.
Os
mais resistentes aos impostos evocados pelos ultrarricos americanos
citam obstáculos
para implementação e execução.
Questionam se ativos como patrimônios
privados
e coleções
de arte
podem ser avaliados com precisão para fins tributários. Há ainda
os que julgam se tratar de uma inconstitucionalidade.
Contudo, os signatários não enxergam validade em tais argumentos,
baseando-se em estudos e postulações de acadêmicos proeminentes.
Admitem a necessidade de um esforço considerável para resolver as
complexidades da proposta, o que consideram inerente às ideias de
longo alcance. Na frase que encerra a carta, a mensagem aos futuros
governantes é clara e direta: “Avancem na ideia de nos taxar um
pouco mais”.
Rodrigo
Castro
27/06/2019