PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO
DO RIO DE JANEIRO
2ª VARA DA COMARCA DE BÚZIOS
PROCESSO Nº 0000510-22.2010.8.19.0078
S E N T E N Ç A
Trata-se de ação de procedimento
comum, de rito ordinário, com pedido de obrigação de fazer (pedido de tutela
cominatória) consubstanciado na extensão da rede de água potável à residência
da autora, e, alternativamente, em não havendo viabilidade técnica, o
fornecimento de água potável através de dois caminhões pipa, mensalmente, que
foi proposta por CLAUDIANE BATISTA VIEIRA em face de PRO LAGOS –
CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇOS PÚBLICOS DE ÁGUA E ESGOTO S/A.
Requerida também pela parte
autoral a concessão da antecipação dos efeitos da tutela.
A exordial consta de fls. 02/05,
elaborada pela Defensoria Pública, ante a hipossuficiência da parte, descreve
um grave problema de toda Região dos Lagos, em função da notória deficiência do
serviço prestado pela concessionária de serviço público PROLAGOS, de caráter
essencial, narrando, assim, que na Rua Luiz Alegre, n° 6, situada no bairro
Geribá, que, frise-se fica dentro da região peninsular deste Município de
Armação dos Búzios, e que inclusive detém a presença de condomínios nobres, com
proprietários de alto poder aquisitivo, inexiste ainda rede de distribuição de
água potável. Sendo que na ocasião da propositura desta demanda, a autora já
residia no imóvel há cerca de dois anos, sem que lhe fosse disponibilizado o
serviço citado e sem que fosse possibilitada por razões ‘técnicas’, diga-se,
falta de investimento da concessionária, o serviço essencial. Isto quando a
concessionária em lume cobra neste município a tarifa mais elevada da Região
dos Lagos, e quando já transcorridos mais de dezesseis anos da celebração do
contrato de concessão com o Estado do Rio de Janeiro.
O Juízo na decisão de fl. 14
deferiu a gratuidade de justiça, bem como exarou despacho liminar de conteúdo
positivo, determinando a citação da parte ré. No que tange ao pedido de
antecipação dos efeitos da tutela, o Juízo deixou de deferi-la, sustentando que
sem o contraditório, não haveria como aferir a viabilidade técnica da medida
pleiteada.
Na contestação de fls. 17/29
argui a empresa concessionária preliminar de litisconsórcio necessário,
pugnando pela integração do Poder Concedente à relação de cunho
jurídico-processual e a ‘consequente incompetência deste Juízo’, no mérito,
argumenta que apesar da concessão ter-lhe sido concedida em 25 de abril de
1998, que no contrato de concessão respectivo as metas de atendimento global de
água a serem prestadas à marginalizada população da Região dos Lagos previa até
os idos de 2006 o atendimento de 83% da população, e progressivamente até 90%
da população no ano de 2013, ou seja, de 2006 até 2011, por exemplo, parte-se
da premissa de que, nesta região, 17% da população não precisariam de água
potável, e que agora, em 2014, somente 10% ainda não necessitam de água, sendo
que dantes de 2006, percentual bem maior de 17% da população prescindia deste
precioso bem para a sua subsistência humana.
É certo que a concessionária,
apesar da linha argumentativa absolutamente antijurídica acima explanada, aduz com
proficuidade que, a fenomenologia da falta eficaz de um programa de construção
de moradia e da melhoria das condições habitacionais, que é de competência da
União Federal, como prevê o artigo 23, inciso IX, da Constituição Federal,
compromete o bom atendimento do serviço que deve ser de caráter universal,
obtemperando que a agência reguladora do serviço de fornecimento de água –
AGENERSA – Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio
de Janeiro exarou nota técnica no sentido de que nos idos de 2008 a empresa
demandada atingira a meta prevista no Edital de Licitação da Concessão do
Serviço Público em voga, bem como a meta contratual.
Outro fator que também depõe
contra a universalidade do serviço, e nesta esteira denota-se uma ‘co-culpabilidade’
estatal, traduz-se na falta da fiscalização de poder de polícia por parte das
municipalidades da região, mormente deste Município, na observância das normas
e das posturas edilícias municipais e das normas de proteção ao meio ambiente,
inclusive em áreas de proteção ambiental e áreas de proteção integral, fazendo
algumas municipalidades vistas grossas à ocupação irregular de terras e ao
fenômeno da ‘favelização’, ante a falta de política habitacional eficaz neste
país e ante ao clientelismo político, bem como, já se constatou neste
município, omitindo-se também certas municipalidades, na repressão a certos
grupos especulativos do ramo imobiliário, que agem de modo nocivo. Destarte,
tais fatores, indubitavelmente, sobrecarregam os serviços públicos, já
deficitários, muito embora, não excluam a responsabilidade das empresas
concessionárias.
Réplica na cota de fl. 58v.
O Juízo no despacho de fl. 59
instou às partes a aduzirem se tinham outras provas a produzir, além de indagar
se as partes tinham interesse na realização de audiência de conciliação.
A autora na cota de fl. 62v.
requereu a produção de prova testemunhal e depoimento pessoal do preposto da
ré.
A parte ré na petição de fl. 84,
já datada de 11 de julho de 2014, aduziu que não tinha interesse na realização
de audiência de conciliação e não pugnou pela realização de outras provas,
obtemperando que o local no qual está situado o endereço residencial da autora
não está abrangido por rede de água.
É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO:
No que tange a arguição de
incompetência absoluta deste Juízo, rejeito-a, pois a hipótese em tela envolve
relações de consumo. Assim, embora se trate também de matéria tarifária, não
afasta, contudo, a incidência das disposições do Código de Defesa do
Consumidor. Destarte, traduz-se estranha para a relação jurídica em voga (res
inter alios) a relação jurídica existente entre o Poder Concedente do
Serviço Público, a saber, o Estado do Rio de Janeiro, e a Concessionária de Serviço
Público de Fornecimento de Água e Esgoto, não havendo que se inferir, portanto,
a existência de litisconsórcio passivo necessário.
No entanto, mesmo que a ação em
voga também tivesse sido manejada em face do Poder Concedente, imperioso
esclarecer que este Juízo também está investido da competência fazendária,
inclusive para analisar demandas envolvendo o ente de direito público interno
do Estado do Rio de Janeiro. Sendo assim, não há que prosperar o argumento de
incompetência absoluta deste Juízo.
Presentes, portanto, as condições
do exercício do direito de ação, bem como presentes os pressupostos de
constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, passa-se a análise
de mérito.
Cabível ainda o julgamento
antecipado da lide, nos moldes do artigo 330, inciso I, do Código de Processo
Civil, tendo em vista que a demanda envolve questão de direito e de fato, da
qual se prescinde da produção de prova em audiência. A demanda em voga envolve
lide relativa às relações de consumo, sendo aplicável, portanto, ao caso
concreto as disposições da Lei nº 8.078/90, sendo assim, perfeitamente cabível
a inversão do ônus da prova, nos moldes do artigo 6°, inciso VIII, do Código de
Defesa do Consumidor, eis que verificada a vulnerabilidade do consumidor diante
concessionária do serviço público. Ademais, é fato notório nesta cidade que o
serviço de água e tratamento de esgoto feito pela concessionária neste
município é precário, apesar dos longos anos desde a delegação da concessão do
serviço de água e esgoto, com contraprestação tarifária que nem de longe
obedece ao princípio da modicidade.
Destarte, o ponto controvertido
da demanda se cinge a completa falta de prestação de serviço, embora com
beneplácito do Poder Concedente e da Agência Reguladora, que configura prática
mais do que abusiva de recusar atendimento à demanda do consumidor, na exata
medida de sua disponibilidade de estoque, e ainda em conformidade não só com os
usos e costumes, mas com a própria noção de juridicidade. Nesta senda, a água é
um bem da natureza essencial à vida humana, assim, qualquer vulneração ou
limitação ao acesso do cidadão a este bem constitui ofensa ao princípio da
dignidade da pessoa humana, que é um princípio basilar de um Estado Democrático
de Direito, ao entorno do qual gravitam todos os demais direitos e garantias
fundamentais.
Por via de consequência, é
contrária a noção de juridicidade, conforme o qual a atuação do Estado deve
estar em harmonia com o Direito, afastando a noção de legalidade estrita,
passando a compreender todas as regras e princípios que coordenam de modo
sistêmico todo o Ordenamento Pátrio, a autorização contratual (contrato de
concessão de serviço público), com suposto beneplácito regulamentar, no sentido
que a concessionária de serviço possa, hodiernamente, de se dignar a atender
tão somente 90% da população da Região dos Lagos, negando aos demais 10% o
acesso a um bem essencial.
Com efeito, além de prática
abusiva vedada pelo disposto do artigo 39, inciso II, do Código de Defesa do
Consumidor, a deficiência do serviço que se verifica no caso em tela é também
quanto é também quanto ao direito básico do consumidor de adequada e eficaz
prestação de serviços públicos em geral, recusando atendimento à demanda destes
consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoques.
Perpetrando, assim, a concessionária: prática abusiva vedada pelo mencionado
artigo 39, incisos II, do Código de Defesa do Consumidor, e vulnerando, em
decorrência, um direito básico do consumidor, pois nega à considerável parte
dos consumidores da Região dos Lagos o direito de acesso à rede de água e
esgoto, com base em cláusula contratual espúria.
Na esteira o direito do
consumidor, direito humano de nova geração, direito social e econômico
positivado na Constituição Federal, no seu artigo 5°, inciso XXXII, admite
também a aplicação simultânea do CDC com mais de uma lei geral ou especial, de
acordo com a TEORIA DO DIÁLOGO DAS FONTES, pois a idéia de que as leis devem
ser aplicadas de forma isolada umas das outras é afastada pela teoria do
diálogo das fontes, de acordo com a qual o ordenamento jurídico deve ser
interpretado de forma unitária. A teoria do diálogo das fontes foi idealizada
na Alemanha pelo jurista Erik Jayme, professor da Universidade de Helderberg e
trazida ao Brasil por Claudia Lima Marques, da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Tal teoria surge para fomentar a ideia de que o Direito deve ser
interpretado como um todo de forma sistemática e coordenada. Segundo a teoria,
uma norma jurídica não excluiria a aplicação da outra, como acontece com a
adoção dos critérios clássicos para solução dos conflitos de normas (antinomias
jurídicas) idealizados por Norberto Bobbio. Pela teoria, as normas não se
excluiriam, mas se complementariam.
Assim, do mesmo modo que o Código
de Defesa do Consumidor expressa que é direito básico do consumidor a prestação
adequada e eficaz de serviços públicos em geral, a Lei n° 8.987/95, a qual
dispõe sobre o regime de concessões e permissões de serviços públicos, prevê no
seu artigo 6° que, toda a concessão ou permissão pressupõe a prestação de
serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários. Por sua vez, esclarece
também o § 1° do artigo 6° da Lei n° 8.987/95, que serviço adequado é o que
satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança,
atualidade, generalidade, cortesia da prestação e modicidade da tarifa. Sendo
certo que o artigo 175 da Constituição Federal dispõe que incumbe ao Poder
Público, na forma da Lei, ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre
através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Deste modo, por generalidade,
também conhecido como princípio da impessoalidade ou universalidade, exige-se
que todos os usuários que satisfaçam as condições legais fazem jus à prestação
do serviço, sem qualquer discriminação, privilégio, ou abusos de qualquer
ordem. O serviço público deve ser estendido ao maior número possível de
interessados, sendo que todos devem ser tratados isonomicamente. Não pode,
portanto, mera autorização contratual do Poder Concedente, ou mero auspício
regulamentar da agência reguladora, coonestar uma prática abusiva da
concessionária de negar às demandas dos consumidores, na exata medida das
possibilidades de estoque da empresa fornecedora do serviço, quando
transcorridos mais de quinze anos da concessão do serviço público, com
imposição de tarifas que de modo algum podem ser reputadas como módicas.
Destarte, o que houve, de fato, no caso vertente foi a mais completa falta de
investimentos da concessionária na ampliação da rede, sendo certo que os
investimentos que são exigíveis ora e inadiáveis, sopesando-se os longos anos
nos quais a concessionária vem sendo remunerada por uma política tarifária
expansiva e progressiva, não necessitam de modo algum de reequilíbrio da álea
econômico-financeira do contrato por meio de novo aumento tarifário, mas sim de
aplicação e observância dos dispositivos constitucionais e legais acima
citados.
Assim, não vislumbra este Juízo
qualquer necessidade de realização de prova testemunhal ou depoimento pessoal
para a análise do caso ora em julgamento. Pelo contrário, a prova oral é
inteiramente prescindível e a sua realização conspurcaria o princípio da
economia processual, não havendo, portanto, ofensa ao princípio da ampla defesa
ante a rejeição desta prova despicienda para a análise meritória, reputando o
Juízo que a prova pleiteada pela parte autoral é desnecessária.
Em prosseguimento, a ré procede,
portanto, com inobservância ao princípio da boa-fé objetiva, que é o dever de
eticidade e lealdade que é almejado nas relações contratuais, tanto na fase
pré-contratual, quando das tratativas, quanto durante a execução da avença, e
inclusive após a conclusão do objeto do contrato. Estando tal princípio dotado de
força normativa, eis que positivado no artigo 422 do Código Civil, com campo de
incidência também sobre as relações de consumo, por ser norma geral aplicada a
todos os contratos e depreendendo-se ainda a incidência de várias fontes
formais em nosso Ordenamento sobre as relações consumeristas. Assim, tal
princípio impõe deveres laterais ao adimplemento do objeto do contrato, tais
quais: os deveres de informar e colaborar, que, in casu, travestiam-se
no próprio dever legal de atender às expectativas da consumidora.
Portanto, quanto à vulneração do
princípio isonômico, os argumentos despendidos pela ré em sua resposta não
encontram amparo no bom Direito, pois a concessão em voga já conta com tempo
razoável para que a concessionária tivesse feito os investimentos necessários
para implantação de um sistema de esgoto e tratamento de águas nesta cidade,
sem que tenha de recorrer ainda hodiernamente ao incremento tarifário. Além do
mais o serviço atinente ao saneamento, hodiernamente, ainda se revela de
notória deficiência, pois ainda hoje não há nesta cidade rede de separação de
água e esgoto, a saber, continua-se adotando o sistema de tempo seco para
coleta de esgoto, donde se vislumbra, então, que há um enriquecimento sem causa
da concessionária, que cobra tarifas elevadas, presta um serviço deficiente e
ainda não atende a toda a população.
Contudo, a adoção deste
entendimento por este Juízo não deve ser um estímulo para que a concepção dos
investimentos nesta cidade que são exigíveis da concessionária venha a se
traduzir em um estímulo a revisão da álea atinente ao equilíbrio
econômico-financeiro do contrato de concessão de serviço público mediante
incremento tarifário.
Acrescente-se ainda que a
delegação de serviços públicos que se processou ao longo da última década do
século XX, na esteira da reforma do Estado, demanda também certo aporte de
recursos próprios para investimentos por parte do concessionário que se sagre
vencedor em certame público, e não transferência deste encargo ao consumidor
pela elevação da política tarifária. No caso em tela, a ré confessa, no que diz
respeito a este Município, a inexistência de investimentos necessários à
ampliação da rede para o atendimento da universalidade da população aqui
existente.
Imperioso registrar que a concessão
de serviço público, precedida de licitação na modalidade concorrência, à pessoa
jurídica delegada ou consórcio de empresa pelo poder concedente, pressupõe que
o delegatário demonstre capacidade técnica e econômico-financeira para a
realização do serviço, por sua conta e risco, embora o investimento da
concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço
com imposição de tarifas, como dispõe o artigo 2°, inciso III, da Lei n°
8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão de serviços
públicos.
Por outro lado, o mencionado
artigo 6° da Lei n° 8.987/95, dispõe que toda a concessão de serviço público
pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários,
enquanto o seu § 1° explicita que serviço adequado é aquele que satisfaz as
condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade,
generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas, diga-se,
modicidade tarifária. Algo que no caso concreto não se vislumbra, pois os
consumidores desta região e abrangidos pelo serviço público prestado uti
singuli pela mesma concessionária e decorrente do mesmo Poder Concedente,
estão sendo tratados de forma diferenciada e de forma não isonômica, negando-se
atualmente a 10% da população desta região acesso a um bem essencial, o que,
obviamente, vem sobrecarregando o Poder Judiciário nesta região com as centenas
e centenas de ações que são propostas por cidadãos que se veem obliterados no
exercício de seus direitos básicos de acesso à obtenção de serviços públicos
essenciais.
Quanto ao beneplácito
regulamentar para adoção desta política de prestação de serviços públicos com
discrímen odioso, o Juízo não está infenso ao fenômeno da deslegalização, que
fez exsurgir à regulamentação por órgãos técnicos para determinadas atividades
econômicas prestadas por empresas concessionárias de serviços públicos, a
saber, com a mudança do modelo de Estado Social para o modelo Regulador e a, consequente,
Reforma do Estado brasileiro, que introduziu no ordenamento jurídico a
possibilidade de criação de autarquias especiais, denominadas Agências
Reguladoras, com finalidade de disciplinar e controlar atividades econômicas em
sentido amplo (serviços públicos e atividades econômicas em sentido estrito).
Um dos principais caracteres desses entes é o poder normativo, que encontra
algumas barreiras constitucionais para se legitimar, causando uma série de
árduas discussões na doutrina. A deslegalização consiste, então, em uma lei
rebaixar hierarquicamente determinada matéria para que ela possa vir a ser
tratada por regulamento. Como instituto importado do Direito alienígena, é
necessário fazer algumas adaptações para compatibilizá-lo com o nosso ordenamento.
E, como toda novidade, surgem várias vozes contrárias, argumentando no sentido
de sua inconstitucionalidade.
O Juízo, na forma acima dita, não
é contrário em termos dogmáticos a este fenômeno, no entanto, no caso em tela,
quanto à autorização da concessionária para negar acesso de serviços essenciais
a 10% da população desta região, não vislumbra o Juízo como estar afastada,
então, a regulação da matéria pelo Código de Defesa do Consumidor, que trata
dos direitos básicos dos consumidores e veda práticas abusivas, bem como pela
própria Constituição Federal, no que tange ao princípio da dignidade da pessoa
humana e ao reconhecimento dos direitos dos consumidores como direitos de
terceira geração. Além de não poder estar afastada a própria incidência em tela
da Lei n° 8.987/95, que trata das concessões e permissões da prestação de
serviços públicos previstos no artigo 175 da Constituição Federal, e que prevê
a obrigatoriedade dos serviços públicos serem prestados com generalidade, ou
seja, com universalidade a todos os usuários. Não se admitindo, para tanto, que
a Agência Reguladora, por falta de suficiência técnica da concessionária,
autorize modelos de prestação de serviços, que além de abusivos, não isonômicos
e discriminatórios, sejam contrários à ordem legal instituída. Não sendo a
hipótese, portanto, de regulação técnica específica, mas sim de prática abusiva
perpetrada com auspícios regulamentares.
Frisa-se: o Código de Defesa do
Consumidor se traduz em uma sobre-estrutura jurídica que perpassa por vários
ramos do Direito Pátrio, não estando sua incidência excluída da regulamentação
das relações jurídicas entre usuários e concessionários de serviços públicos,
havendo nestes casos o fenômeno já acima mencionado que se denomina “Diálogo
das Fontes”, que é o modelo brasileiro de coexistência e aplicação simultânea e
coerente do Código Consumerista, do Código Civil e de legislações especiais,
como a hipótese da Lei n° 8.987/95, disciplinadora do regime de concessão e
permissão de serviços públicos, previsto no artigo 175 da Constituição Federal.
Nesta senda, não é sem justificativa dogmática que o artigo 6°, inciso X, da
Lei n° 8.078/90 preceituar ser direito básico do consumidor a adequada e eficaz
prestação dos serviços públicos, e o já mencionado § 1° do 6° da Lei n°
8.987/95, dispor que serviço adequado é aquele que também satisfaz as condições
de modicidade das tarifas.
Em prosseguimento, cabível a
condenação da ré na obrigação de fazer de realizar, no prazo de 06 meses, a
extensão da rede de água até a residência da autora, situada na Rua João Alegre
n° 06, bairro Geribá, que inclusive se situa em região peninsular desta cidade
e em bairro onde há inclusive condomínios nobres. Caso contrário, vencido tal
termo, a ré deverá pagar multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) em prol
do Fundo Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Antecipando dado ao juízo de certeza ora exercido nesta sentença e o periculum
in mora, vez que a consumidora está sem acesso a um bem essencial, os
efeitos da tutela cominatória, inclusive para que a ré no curso do prazo de
seis meses a contar desta intimação, até a ultimação da ampliação da rede,
venha a fornecer mensalmente à autora, dois caminhões pipa de água em sua
residência, mediante contraprestação da consumidora (pagamento de tarifa),
também sob a pena de pagamento de multa de R$ 3.000,00 (três mil reais) em prol
do Fundo Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para cada
mês de inadimplemento.
DISPOSITIVO:
Ex positis, JULGO PROCEDENTE A DEMANDA,
extinguindo o processo com resolução do mérito, conforme a fundamentação acima,
para condenar a ré à obrigação de fazer de realizar, no prazo de 06 meses, a
extensão da rede de água até a residência da autora, situada na Rua João Alegre
n° 06, bairro Geribá, que inclusive se situa em região peninsular desta cidade
e em bairro onde há inclusive condomínios nobres. Caso contrário, vencido tal
termo, a ré deverá pagar multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) em prol
do Fundo Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Antecipando dado ao juízo de certeza ora exercido nesta sentença e o periculum
in mora, vez que a consumidora está sem acesso a um bem essencial, os
efeitos da tutela cominatória.
Para assegurar neste interregno,
o resultado prático equivalente, os efeitos da antecipação da tutela
cominatória abrangem ainda a obrigação da ré de fornecer mensalmente à autora,
dois caminhões pipa de água em sua residência,
mediante contraprestação da consumidora (pagamento de tarifa) até a ultimação
da ampliação da rede de distribuição de água e esgoto, também sob a pena de
pagamento de multa de R$ 3.000,00 (três mil reais) em prol do Fundo Especial do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para cada mês de
inadimplemento.
Ante a teoria da causalidade,
condeno a ré ao pagamento do valor das custas e da taxa judiciária, bem como
condeno a parte ré ao pagamento dos honorários advocatícios no montante de R$
3.000,00 (três mil reais), sopesando a complexidade da causa e o trabalho
despendido pela Defensoria Pública e o tempo de duração deste processo em prol
do Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública do Estado do Rio de
Janeiro.
Intime-se a ré, imediatamente,
para cumprimento das obrigações de fazer ora impostas e antecipadas nesta
sentença, para as quais foram fixadas astreintes.
Com o trânsito julgado, dê-se
baixa e arquivem-se.
P. R. I.
Búzios, 25 de setembro de 2014.
· MARCELO ALBERTO CHAVES VILLAS
· Juiz de Direito
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