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segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Decisão judicial inédita garante a paciente uso de canabidiol





Decisão judicial inédita garantiu a uma mulher que sofre de quadro grave de epilepsia salvo-conduto para que possa plantar e consumir Cannabis Sativa. O que difere essa decisão de casos semelhantes envolvendo a substância canabidiol, é que a paciente poderá fazer uso direto da planta.

O entendimento do juízo da 14ª Vara Federal de Curitiba levou em consideração os direitos constitucionais à vida, à saúde e à dignidade da cidadã. A mulher de 34 anos, que sofre com o problema desde os 11 anos, tem a partir de agora o direito à posse de maconha e derivados e também a cultivar até 20 pés da planta em sua casa.

A decisão levou em conta também que a paciente já usou vários medicamentos disponíveis no mercado e que o uso da maconha é uma alternativa para devolver sua dignidade. 


sábado, 1 de junho de 2019

Porte de drogas para consumo pessoal é tema de Boletim de Jurisprudência Internacional



Tipicidade do porte de drogas para uso pessoal

APRESENTAÇÃO
O Boletim de Jurisprudência Internacional tem como objetivo levantar e sistematizar, para fins de comparação, decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), de altas Cortes nacionais e órgãos internacionais sobre um tema específico. O Boletim é resultado de pesquisa em bases de dados, bases de jurisprudência e publicações, nacionais e internacionais, com conteúdo em português, inglês ou espanhol. Todas as decisões recuperadas foram inseridas no boletim e não refletem, necessariamente, a posição do STF. As informações incluídas em cada resumo resultam da análise de decisões e documentos, em geral, em idioma estrangeiro, de modo que a fidelidade às fontes poderá ser aferida no original. Ressalta-se, contudo, que não formam um resumo de todo o julgamento, mas a seleção, tradução e adaptação dos trechos para fins de comparação do objeto de estudo em análise. A 6ª edição refere-se ao Tema 506 da repercussão geraltipicidade do porte de drogas para uso pessoal”, reconhecida no RE 635.659 RG, rel. min. Gilmar Mendes. A controvérsia constitucional cinge-se em determinar se o artigo 5º, X, da Constituição Federal autoriza o legislador infraconstitucional a tipificar penalmente o uso de drogas para consumo pessoal (artigo 28 da Lei 11.343/2006). Os principais termos de busca utilizados foram: porte de drogas, entorpecentes, consumo pessoal, uso próprio, cannabis, descriminalização, estupefaciente, tenencia de drogas, consumo personal, legalización del consumo de sustancias psicoactivas, personal use, legalization, possession of drugs, consumption and acquisition of narcotics.

ÁFRICA DO SUL
O direito à privacidade autoriza o adulto a usar, cultivar ou possuir maconha em local privado e para consumo pessoal.

É inconstitucional o dispositivo legal que prevê que uma pessoa portando qualquer quantidade de substância ilegal que produza dependência comete crime de tráfico de drogas, por violar o direito ao silêncio e o princípio da presunção de inocência.

ALEMANHA
O princípio da proporcionalidade em sentido estrito exige, como regra geral, que as autoridades responsáveis pela aplicação da Lei de Substâncias Intoxicantes abstenham-se de instaurar a persecução penal no caso de conduta meramente preparatória ao consumo pessoal de pequena quantidade de cannabis e que não ofereça risco a terceiros.

ARGENTINA
É inconstitucional dispositivo legal que reprime a posse de drogas para consumo próprio com pena de prisão. Ao incriminar conduta que não implica perigo ou dano específico aos direitos ou à propriedade de terceiros, o dispositivo viola os direitos constitucionais à privacidade e à liberdade pessoal.

BÉLGICA
A lei que determina que nenhum boletim de ocorrência policial deve ser elaborado em casos de posse de cannabis para consumo próprio por pessoa maior de idade compreende conceitos tão vagos e imprecisos que é impossível determinar o seu alcance.

BRASIL
HC 142987
A importação de quantidade ínfima de sementes da planta cannabis sativa, as quais, ante a ausência de substância psicoativa (THC), não podem, por si sós, produzir droga ilícita, não se amoldam ao crime de tráfico de drogas ou de contrabando.

HC 144161
É plausível a alegação de que importar pequena quantidade de substância ilícita, em tese, amolda-se ao porte de droga para consumo pessoal (artigo 28 da Lei 11.343/2006) e não ao crime de tráfico internacional de drogas.

RE 635659 RG
Há repercussão geral na questão quanto a tipicidade do porte de drogas para consumo pessoal.

ADI 4274
É dada interpretação conforme a Constituição ao §2º do artigo 33 da Lei 11.343/2006, restando excluída qualquer interpretação que enseje a proibição de manifestações e debates públicos acerca da descriminalização ou da legalização do uso de drogas ou de qualquer substância que leve o ser humano ao entorpecimento episódico, ou viciado, das suas faculdades psicofísicas.

CANADÁ
A exigência do consumo de maconha medicinal apenas na forma seca infringe os direitos constitucionais à vida, à liberdade e à segurança.

COLÔMBIA
O porte de droga em quantidade superior à dose mínima fixada em lei, exclusivamente para uso pessoal e decorrente de doença ou vício do usuário, é conduta atípica e, portanto, não configura crime, o que não justifica um armazenamento ilimitado de substâncias ilícitas.

É tolerado o porte de drogas destinado ao consumo pessoal, sendo puníveis comportamentos que consistam em "vender, oferecer, financiar e fornecer" substâncias narcóticas, psicotrópicas ou drogas sintéticas, em qualquer quantidade.

O uso pessoal de drogas não é considerado conduta criminosa, pois se limita à esfera individual do consumidor.

GEÓRGIA
É inconstitucional dispositivo legal que prevê pena de prisão àquele que adquirir até 70 gramas de folhas secas de cannabis, por se tratar de medida desproporcional e que não contribui efetivamente para a proteção da saúde e segurança dos indivíduos.

HUNGRIA
Permitir o consumo pessoal de entorpecentes elimina o direito do indivíduo à livre autodeterminação, uma vez que essa prática compromete a tomada de decisão livre, informada e responsável, trazendo sérias consequências para a sociedade e segurança pública, além de prejudicar a obrigação do Estado de proteção ao direito à saúde.

MÉXICO
É autorizado o uso pessoal e recreativo de maconha, bem como a prática de atos gerais ligados ao autoconsumo. Excluem-se dessa autorização quaisquer atos de comércio, bem como o consumo de outros entorpecentes e psicotrópicos.

PORTUGAL
Não viola o princípio da legalidade criminal a interpretação segundo a qual são puníveis como crime de consumo as situações de posse ou aquisição de droga em quantidade superior ao consumo médio individual para dez dias.

SEICHELES
Não viola o princípio da presunção de inocência a suposição de que aquele que é encontrado portando quantidade de drogas superior ao limite legal tem o intuito de traficá-la.

Fonte: "stf"

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Está faltando maconha no Canadá após droga ser legalizada

Milhares de pessoas aguardam em fila para comprar maconha em loja do governo em Montreal, no primeiro dia de liberação da substância para uso recreativo no Canadá, no dia 17/10/2018 — Foto: Ryan Remiorz/The Canadian Press via AP

Demanda superou expectativa em boa parte das províncias canadenses, que liberaram a venda da droga há um mês.
A maconha passou a faltar em lojas do Canadá desde o primeiro dia de legalização, há um mês.
O canadense James Burns, por exemplo, estava confiante de que sua empresa tinha produto suficiente nas prateleiras de suas cinco novas lojas de cannabis para dar conta da demanda, mesmo tendo recebido apenas metade do que encomendara do fornecedor.
Praticamente sem estoque, entretanto, ele tem colocado funcionários para acessar o site do governo que reúne os fornecedores licenciados nas primeiras horas da madrugada para conseguir pegar as raras novas levas de produtos assim que estiverem disponíveis. E está considerando diminuir o horário de funcionamento das lojas.
Burns é CEO da Alcanna, dona de lojas de bebidas no Canadá e nos EUA e agora de lojas de maconha na província de Alberta.
"Enquanto havia produto para encomendar, estávamos pegando grandes quantidades", afirma Burns. "Mas, óbvio, quando há falta de abastecimento, não importanta o quão grande é sua empresa, simplesmente não há nada que você possa fazer."
Na província de Newfoundland, Thomas Clarke foi um dos primeiros vendedores a distribuir a droga legalmente, a partir da meia-noite do dia 17 de outubro.
Ele vendeu tudo no primeiro dia e ficou sem estoque por ao menos uma semana.
Desde então, conseguiu abastecer parte das prateleiras, mas diz que não consegue encomendar exatamente o que precisa do fornecedor.
"São eles que dizem o quanto vão me mandar e quais produtos, então eu definitivamente não pego tudo o que quero", diz ele.
"Mas eu consegui o suficiente para não esgotar."
No Québec, as lojas da Société Québécoise du Cannabis atualmente só abrem de quinta a domingo devido à restrição de estoque.
"Achamos que nossos fornecedores vão conseguir suprir a demanda na próxima primavera, mas, até lá, ainda podemos ter faltas", diz Linda Bouchard, porta-voz da loja.
A província de New Brunswick teve 12 das 20 lojas brevemente fechadas por falta de abastecimento.
Em nota, a agência regional responsável pela venda de cannabis disse que encomendou um grande estoque para abastecer as lojas, mas recebeu apenas 20% ou 30% do pedido.
"Vendedores ao redor do país estão passando por uma situação parecida."

Novo setor após um século de proibição

A falta de maconha não é uma surpresa total.
Um relatório publicado no início de outubro pelo Instituto CD Howe, um think tank de Toronto, estimava que o estoque legal da droga iria dar conta de cerca de 30% a 60% da demanda total nos primeiros meses de legalização.
Mas especialistas do setor dizem que a escassez é pior do que se esperava.
"Todo muito sabia que iria faltar produto", diz Burns. "Mas não tão rápido e não tanto."
Patrick Wallace, dono da loja Waldo 420 em Alberta, diz que deve demorar cerca de 18 meses até que a produção dê conta da demanda.
A agência Health Canada, que autoriza as licenças para os produtores da planta cannabis, diz que trabalhou intensamente nos primeiros meses antes da legalização para aumentar o número de fornecedores legais. A agência pede paciência.
"É importante lembrar que a legalização no dia 17 de outubro veio após quase um século de criminalização, e foi o lançamento e regulação de um um novo setor inteiro no nosso país", disse a agência, em nota.
"E como qualquer nova indústria onde há demanda considerável, esperamos que haja épocas em que os estoques de alguns produtos fiquem baixos e, em alguns casos, acabem."
Sobre preocupação de que a escassez empurre consumidores de volta para o mercado negro, o governo federal diz que acabar com os fornecedores ilegais vai levar um tempo – assim como foi nos Estados americanos que legalizaram o produto.
Também há relatos de falta de maconha medicinal, que é legal no Canadá desde 2001.
A Health Canada diz que trabalha com grupos de pacientes e com a indústria da maconha para entender quais produtos ou variedades estão faltando mais.
E acrescentou que espera que "vendedores autorizados tomem medidas razoáveis para garantir que pacientes registrados continuem a ter acesso aos produtos que precisam para fins médicos".
O Instituto Angus Reid, fundação para pesquisas sem fins lucrativos, publicou uma pesquisa indicando que um em cada oito canadenses usaram maconha desde a legalização.
A Health Canada diz que produtores distribuíram mais de 14,6 mil kg de cannabis seca e 370 litros de óleo da planta até o momento e informaram um estoque de mais de 90 mil kg de produto seco e 41 mil litros de óleo.
Vic Neufeld, presidente da Aphria, uma das maiores produtoras legais do Canadá, disse à BBC que eles tiveram um gargalo na cadeia de distribuição.
"É como uma avenida de cinco faixas convergindo para uma rua de uma faixa só", ele ilustra.
A demora para conseguir os selos de imposto e outras questões causadas por mudanças de última hora nas exigências de rotulação também contribuíram para reduzir a velocidade de distribuição, além da demanda maior do que o esperado, diz o empresário.
Neufeld espera, contudo, que os problemas estejam resolvidos até o início de 2019 e afirma que sua empresa aguarda no momento por algumas autorizações da Health Canada que lhes permitirão ser "mais rápidos, ágeis e eficientes".
Fonte: "g1"

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

A pequena cidade brasileira que tinha maconha plantada até na praça principal

Cruzeta (RN) tem apenas 8.000 habitantes. Foto de JOHN LENNON GÓES

A praça João de Góes atualmente, local onde as plantas de maconha foram colocadas. Foto JOHN LENNON GÓES

A pequena cidade de Cruzeta (RN) tornou-se notícia em todo o Brasil há 22 anos. Na época, foram encontradas diversas plantações de maconha no município. Havia erva em várias localidades da região, entre elas em casas de moradores, em uma praça e até no cemitério.

O caso ganhou repercussão em todo o país e até hoje é alvo de comentários dos moradores da cidade de 8 mil habitantes. Entre os mais novos, alguns têm dificuldade para acreditar que o caso tenha acontecido no pacato município.

Nas redes sociais, uma reportagem de um telejornal sobre as plantações em Cruzeta, na época em que elas foram descobertas, constantemente volta a repercutir. No YouTube, um vídeo sobre o assunto tem mais de 200 mil visualizações.

Os moradores que consumiam a planta alegaram à polícia, logo que o caso veio à tona, que utilizavam a erva somente para fins medicinais. Eles afirmaram que ficaram surpresos com a descoberta de que se tratava de maconha. Na época, eles tiveram medo de ser presos, pois o ato de plantar a erva, mesmo que em pouca quantidade, poderia ser considerado crime.

Por mais de um mês, a BBC News Brasil apurou o caso. Falando com especialistas, profissionais que participaram da situação, relatos de moradores e acesso ao inquérito policial sobre o assunto, a reportagem descobriu os detalhes sobre a história mais famosa da pequena Cruzeta.

As plantações

Policiais descobriram em 1996 que plantas presentes em casas e na praça da cidade eram maconha. Reprodução
Era noite de sábado, no início de junho de 1996, quando a delegacia de polícia de Cruzeta recebeu uma denúncia anônima sobre um suspeito que estaria vendendo maconha em um bar, em uma região próxima à saída da cidade.

Os policiais foram ao local e encontraram um rapaz com uma pequena quantidade da droga. Eles descobriram que, minutos antes, o jovem havia jogado uma sacola de plástico por cima de um muro, em um terreno vizinho ao bar.

Conforme relatos dos policiais, na sacola foram encontradas diversas folhas de uma planta de cor verde, aparentemente recém-colhida, semelhante à maconha. O suspeito foi preso e encaminhado à delegacia, onde declarou ter conseguido a erva no quintal de um idoso de Cruzeta.

Na segunda-feira seguinte, a polícia do município obteve um mandado de busca e apreensão, expedido pela Justiça, que permitiu que fossem até a residência de João*, o idoso apontado pelo rapaz, na época com 63 anos. No muro da casa dele encontraram uma planta de três metros de altura.

Segundo a polícia, João pediu para que não cortassem a planta. "Ele tinha vários tambores com a erva curtida em água, consumia diariamente e tratava aquilo como um líquido santo", relata a professora Renilda Medeiro, de 54 anos, que mora em Cruzeta desde a infância. Segundo ela, o idoso tinha câncer e acreditava que o líquido o ajudava na luta contra a doença. "Ele dizia que essa planta aliviava todas as dores que sentia e impedia que a doença avançasse."

De acordo com Renilda, muitos moradores de Cruzeta, ao saber dos benefícios que João afirmava conseguir com a erva, haviam pedido mudas ao idoso. "Várias pessoas quiseram plantar em casa", conta.

Logo que encontrou a plantação na casa do idoso, a polícia de Cruzeta cortou a erva e a levou para a delegacia da cidade.

Em depoimento, prestado em setembro de 96, João declarou que a planta estava na sua casa havia oito anos, desde que sua mulher trouxera a erva da casa de uma irmã, em Natal (RN). O idoso afirmou que a utilizava para curar doenças. "Ele (João) disse que várias pessoas pediam galhos para fazer remédios. João nunca soube se alguém usava a mesma como entorpecente", narra parte do inquérito policial sobre o caso, ao qual a BBC News Brasil teve acesso.

Foram encontradas plantas em, ao menos, seis residências de Cruzeta e em locais como a praça principal perto da prefeitura, em um cemitério e em frente a uma igreja. "Algumas chegavam a seis metros de altura", relata o escrivão do cartório de Cruzeta na década de 90, Pedro George de Brito.

"As praças de Cruzeta eram bastante arborizadas, então, era comum que as pessoas plantassem por ali. Em uma dessas, acabaram plantando maconha também", comenta Renilda.

O uso da maconha medicinal

Nas residências em que foram encontradas as plantas, viviam pessoas acima de 50 anos, que acreditavam nos benefícios trazidos pela erva para a saúde. Elas a utilizavam para diversos tipos de mazelas: dor de cabeça, problemas respiratórios, epilepsia, reumatismo, enxaqueca, entre outras dificuldades.

"Tudo era tratado com o chá da planta. Bastava a notícia de que alguém estava padecendo com algum problema de saúde que chegava a notícia do chá milagroso", declara Brito.

Os que plantavam, doavam galhos a outros que sentiam algum mal-estar. A planta era usada de duas formas: curtida em água ou álcool, ou em um chá feito com as folhas.

Lúcia*, na época com 30 anos, em depoimento à polícia de Cruzeta, relatou que plantou a erva em sua residência. "Ela disse ter chegado a usá-la como medicação, pois estava sentindo uma dor na coluna e ficou curada, por meio da referida planta. Ela não sabia que era maconha", relata trecho do inquérito policial.

Conforme Renilda, que afirma nunca ter utilizado a erva, era comum os idosos recorrerem à planta. "Eles sentiam muitas dores musculares e tomavam esse chá para melhorar", conta. Ela ressalta que os mais jovens também usavam para fins medicinais. "Muitos sentiram melhoras na saúde como em problemas de resfriados, asma e cansaço."

"Até onde temos conhecimento, ninguém nunca chegou a usar para fins recreativos ou algo assim. As pessoas que utilizavam não sabiam dessa finalidade da planta. Ela foi usada somente para fins benéficos para a saúde", acrescenta.

Meses depois de retirarem a erva da residência de João, Renilda relata que o idoso morreu. "O pessoal diz que o que o mantinha vivo e controlava o câncer dele era a planta", afirma. Segundo ela, outra idosa, que também consumia o chá e tinha uma plantação em casa também teve problemas depois de a erva ser apreendida. "As pessoas acreditam que a saúde dela piorou depois que ficou sem consumir a bebida, que aliviava as suas dores."


Apesar de muitos moradores acreditarem que as plantas mantinham os idosos bem de saúde, não houve nenhuma comprovação médica sobre o fato.

A liamba

Após serem apreendidas pela polícia, as plantas de maconha de Cruzeta foram incineradas. Reprodução
A Justiça determinou que fossem cortadas e apreendidas todas as plantações de maconha da cidade. O caso repercutiu na região e diversos moradores foram à delegacia somente para conhecer a famosa planta apreendida no município.

"Na época, existiam duas correntes, uma a favor e outra contra a planta. Muita gente achava um absurdo mandar cortar aquilo, porque não fazia mal a ninguém. Mas havia outros que eram a favor de retirar as plantas da cidade. O certo é que a polícia fez o que deveria ser feito", declara o juiz Sérgio Dantas, que na época era o responsável pela comarca de Cruzeta.

Logo após ser apreendido e permanecer em observação por dias, o material foi incinerado em fornos das indústrias cerâmicas da cidade.

Parte dos itens, em vez da incineração, foi encaminhada ao Instituto Técnico-Científico de Perícia do Rio Grande do Norte (ITEP-RN), para análise. O laudo identificou a erva como liamba. "É uma planta Cannabis sativa, uma das formas como é popularmente conhecida a maconha", explica Renato Filev, pesquisador do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Entre os moradores de Cruzeta, houve relatos de pessoas que chegaram a tentar fumar a planta, como foi o caso de Francisca*, na época com 37 anos. "Ela disse que já fumou, mas não sentiu nenhum efeito. Não sabe dizer se alguém usava como droga. A mulher sabe que se misturada com uísque, a erva tem efeito entorpecente", relata trecho do inquérito policial.

Segundo Filev, a liamba pode ser menos alucinógena que a maconha utilizada para fins recreativos. Isso porque esta última costuma apresentar teor de canabinoides - o princípio ativo - em maior quantidade, em razão de motivos genéticos.


O estudioso pontua que a liamba tem função terapêutica, assim como relatado pelos moradores de Cruzeta. Diversos medicamentos à base de canabidiol, um dos princípios ativos da Cannabis sativa, são desenvolvidos em todo o mundo para inúmeras finalidades medicinais.

A criminalização da maconha

Processo sobre descriminalização do uso de drogas tramita no Supremo Tribunal Federal. Foto: GETTY IMAGES
No Brasil, plantar maconha é crime. Conforme a Lei das Drogas, de 2006, a pessoa que tiver uma plantação considerada pequena poderá sofrer penalidades semelhantes àquelas aplicadas aos que se enquadram como usuários. Nesse caso, podem ser determinadas punições como advertência, prestação de serviços à comunidade e multa.

Em caso de grandes plantações, a situação é equiparada ao tráfico e a pessoa pode ser condenada à reclusão de cinco a 15 anos, além da aplicação de multa.

No Supremo Tribunal Federal (STF), tramita um processo que trata sobre a descriminalização do uso de drogas. O placar atual é de três votos a favor da medida - proferidos pelo relator Gilmar Mendes e pelos ministros Edson Fachin e Luis Roberto Barroso - e nenhuma manifestação contrária.

A votação está interrompida desde setembro de 2015, quando o ministro Teori Zavascki pediu vista do processo. O sucessor dele, ministro Alexandre Moraes, é o próximo a votar. Ao menos por ora, não há prazo para que o procedimento seja retomado.

"Caso a descriminalização seja aprovada, é provável que as plantações para consumo próprio também deixem de ser crime", explica o advogado criminalista Marcelo Valdir Monteiro, mestre em Direito Penal pela USP. Segundo ele, será, nesse caso, necessário estabelecer a quantidade considerada como consumo próprio.

No caso de Cruzeta, a legislação em vigor em 1976 determinava que usuários e pessoas que tinham pequenas plantações de maconha poderiam receber penas de reclusão de seis meses a dois anos. O medo da prisão era o maior temor entre os moradores da cidade do Rio Grande do Norte.
"Isso gerou um terror muito grande, ainda mais porque eram pessoas de idade. O pessoal ficou com medo de ser preso", relata o juiz Sérgio Dantas.

Logo após concluir as investigações sobre o caso, o delegado apontou que não havia indícios de que os moradores da cidade usassem a planta como entorpecente. "Eles cultivavam a referida para curar doenças e para cicatrizar cortes", concluiu o inquérito, arquivado sem que ninguém fosse indiciado.

Depois que o caso foi encerrado, Pedro George de Brito conta que a cidade recebeu ações de conscientização sobre as plantas. "Foram feitas palestras em escolas e em outros locais da cidade, para orientar sobre os riscos de ter a liamba em casa, nas calçadas ou nas praças. Os moradores foram informados sobre os riscos de uma eventual apreensão de novas ervas e da consequente criminalização, caso houvesse alguma planta que não foi podada", diz.

De acordo com a Polícia Civil da região, desde então não houve mais nenhum registro de plantação de liamba em Cruzeta.

Para Renilda, que se diz favorável à descriminalização das drogas, Cruzeta foi pioneira no tema no Brasil. No entanto, segundo ela, "há muitos moradores que não concordam" com isso.

A professora ressalta que as plantações se tornaram um fato histórico para o município. "No começo, foi algo tenso, mas depois as pessoas começaram a achar engraçado, porque envolveu muita gente acima de qualquer suspeita", declara.

Segundo ela, apesar da surpresa dos moradores ao descobrir que havia diversas plantações de maconha na cidade, o que mais impactou foi o fato de Cruzeta ter sido mencionada em rede nacional. "A questão das ervas foi uma coisa até que corriqueira, apesar de ter sido muito comentada. Mas a notícia que mais surpreendeu a todos foi assistir a Cruzeta no Fantástico. Ninguém nunca imaginou que a nossa cidadezinha pacata, do interior, fosse aparecer para todo o Brasil, ainda mais dessa forma", comenta.

*Os nomes verdadeiros dos moradores da cidade foram alterados

Vinícius Lemos


Fonte: "bbc"