Salvador Dali ficaria assustado com o surrealismo. Não havia
projeto na Reserva do Peró. Era um enorme pedaço de papel com muitos
quadradinhos, círculos, retângulos, triângulos e várias outras formas que
parecem terem sido inseridas com o uso de um processador de texto, todos
coloridos. Era um embuste, um crime quase perfeito como o conto do vigário em
que se usa uma nota de R$100 sobre um pacote de papéis em branco que o
vigarista diz conter R$5.000. Os bancos estão fechados, diz ele, não quer andar
com tanto dinheiro e precisa de alguém de confiança para guardá-lo. Alega ter
pressa, aceita R$500 e voltará para pegar o resto. A ganância induz o otário a
aceitar a proposta e o vigarista desaparece. Mas, sempre deixa rastros.
No caso do "projeto", inicialmente divulgado em
2007, com muito espalhafato em um anúncio de uma empresa de nome Lakpar de
propriedade de Ricardo Amaral, constavam as construções de seis hotéis
(Sheraton, dois Boutique, Bora-Bora, Moorea e Club Med), campo de golfe, áreas
residenciais, etc. O embuste adquiriu legitimidade e legalidade quando foi
solicitada a licença para a construção, ainda em 2006, uma vez que ocuparia uma
área de preservação ambiental. Àquela época o incomparável Luiz Firmino Martins
Pereira, então secretário-executivo do CILSJ, participou de uma reunião onde
foram feitas recomendações quando às localizações dos hotéis. A ata da reunião
foi a nota de R$100 que o vigarista usa e que, além do mais, era falsa. Mas
serviu.
Da releitura da ata salta aos olhos de onde vem o mau
cheiro: o projeto seria executado numa área que está sob o controle do
município de Cabo Frio, mas, curiosamente, não se encontram os documentos onde
o proprietário de cada hotel concorda e autoriza a empresa de Ricardo Amaral a
executar as obras. É como se alguém solicitasse licença para construir um hotel
cinco estrelas do grupo Othon no terreno em frente à rodoviária em Cabo Frio e
não apresentasse algum documento onde aquele grupo concorda com a empreitada. E
mais: sem custo algum para o grupo! Bom demais para ser verdade.
Como pode esse fato, tão elementar, passar despercebido? A
prefeitura, o CILSJ, o INEA e a SEA não notaram? Ninguém notou? A discussão
ficou centrada na nota de R$100 no topo do pacote com papéis em branco: a
aplicação correta da lei. Afinal, tratava-se de Ricardo Amaral, o famoso
cozinheiro de feijoadas que preparava para os deslumbrados da elite carioca,
íntimo de ex- presidentes da República, ministros de Estado e escritores
famosos. Como suspeitar que seria o autor de tamanho trambique, um dos maiores
contos-do-vigário na história dos empreendimentos imobiliários no Brasil?
Por outro lado teriam percebido o embuste e trataram de
ficar calados e continuar a enganar a prefeitura de Cabo Frio? Bem possível. De
fato, mais do que possível: altamente provável. Mas, havia mais. Tal como o otário no golpe do vigarista, a
ganância do setor imobiliário e agências de turismo aflorou: seus olhos ficaram
cobertos por cifrões. Trataram de dar ampla visibilidade ao projeto, imaginando
navios de cruzeiros ancorados em Cabo Frio e levas de turistas comprando
pacotes de viagens. A questão jurídica se resolveria, imaginaram, e, claro, a
favor do visionário Ricardo Amaral e comparsas.
A história continuava a cheirar mal e foi muito simples
verificar o que estava acontecendo: consultar as administrações dos operadores
de cada hotel. E vieram as respostas: do Sheraton, do Boutique, do Bora-Bora e
do Moorea, que negaram terem projetos, não só na Reserva do Peró como em
qualquer lugar no Brasil. Já o escritório do Club Med no Brasil fez extenuantes
exercícios de retórica para escapar de uma resposta definitiva. Era sabido, porém,
que seu representante no Brasil, Janyck Daudet, estava e continua a estar,
preocupado com a sobrevivência da empresa Club Med com sede em Paris, que por
pouco não faliu em 2008. Mas, junto com Ricardo Amaral, teve a ousadia de em
setembro de 2013 vir a Cabo Frio e assegurar ao prefeito Alair Corrêa haver
interesse na construção de um Club Med na Reserva do Peró. Mas, e eis nisso um
dos erros que todo vigarista comete: uma consulta aos atuais e principais
controladores do Club Med, os grupos Fosun e Ardian, mostrou que continuam a
manter a posição de que o interesse é investir na China, embora os acionistas
restantes do Club Med original - e que retêm 8% da empresa - continuem a
imprimir relatórios que falam em "futuros" resorts no Brasil e na Rússia.
Não se pode dizer que Daudet mentiu. Apenas omitiu fatos,
entre eles o de que Giscard d´Estaign foi mantido na presidência da empresa
Club Med como uma cortesia do bilionário chinês Guo Guangchang, presidente do
grupo Fosun. Omitiu o fato de que d´Estaign retém, apenas, 0,01% das ações do
Club Med e de que todas as decisões que toma são submetidas para aprovação de
Guo. Atualmente Guo e o milionário italiano Bonimi estão numa disputa pelo
controle da empresa cujo valor está estimado em mais de um bilhão de dólares.
Essa disputa já estava em curso quando Daudet esteve em Cabo Frio com Ricardo
Amaral. Os dois omitiram essa importante informação. Talvez Daudet tenha sido
pressionado por Amaral. Talvez tenha se encantado com a oportunidade de ter uma
foto sua junto ao empresário para ser divulgada nas redes sociais, o que de
fato aconteceu.
De qualquer forma, os anos haviam se passado desde a
concessão da licença para a execução das obras com base na lei municipal (Cabo
Frio) 1968 de 23/11/2006, sancionada pelo prefeito Marcos da Rocha Mendes.
(Cabe uma pergunta: será que o prefeito também não percebeu que estava em
andamento um bem elaborado embuste?).
Há anos, também, um dedicado grupo de cidadãos vem liderando
uma batalha na Justiça destacando várias irregularidades na execução do
projeto. É mais um componente do embuste.
A Juíza Sheila Draxler Pereira de Souza concedeu uma
liminar, em 19/12/2014, no processo nº: 0037499-92.2014.8.19.0011, Ação Civil
Pública proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, sendo
dois dos réus Costa do Peró Participações Ltda., Estado do Rio de Janeiro e
Instituto Estadual do Ambiente - INEA ordenando a paralisação das obras e
proibindo a concessão de nova licença para sua continuação. Nessa liminar
consta um detalhe bastante significativo e importante.
SMJ esses dois réus conspiraram para que os relatórios
técnicos que produziram tivessem conclusões pré-estabelecidas, qual seja
beneficiar a empresa Costa do Peró Participações Ltda., de propriedade de
Ricardo Amaral. Dessa conspiração participou um especialista brasileiro que
presta serviços à Costa do Peró. Ocorre que a credibilidade de um documento
técnico ou científico depende da credibilidade do(s) seu(s) autor(es), quase
sempre ocorrendo discordância de outro(s) autor(es) no que concerne a
metodologia utilizada ou as conclusões. No caso, portanto, é válido questionar
todos os relatórios produzidos pelos dois réus e, ainda, pelo especialista. A
posição desse especialista se agravou quando, talvez numa tentativa de elevar o
nível de credibilidade de seu trabalho, fez uso de papel timbrado da
instituição da qual se havia se aposentado, o Instituto de Geociências (IGEO)
da UFRJ. Dessa forma envolveu aquela universidade, mesmo que indiretamente, no
embuste perpetrado por Ricardo Amaral. O comportamento desse especialista está
registrado numa carta, incluída nos autos do processo, endereçada ao MP pelo
diretor do IGEO afirmando que o IGEO não autorizava o uso de seu nome até
porque outros pesquisadores possuem opiniões diferentes daquele especialista.
Eis que, com isso, SMJ, quer parecer que a participação de outros especialistas
na oitiva marcada para 16/01/2015 para que os relatórios e/ou pareceres
emitidos passem pelo crivo do contraditório é desnecessária. Afinal, o próprio
diretor do IGEO já afirmou que existem opiniões diversas sobre o que tratam
aqueles relatórios e/ou pareceres.
O que parece ficar evidente é que Costa do Peró
Participações Ltda., com a colaboração do especialista que contratou, e o INEA
fizeram uso de documentos deliberadamente fraudados.
Talvez àquele queira especialista o MP oferecer o benefício
da já notória prática da delação premiada a fim de ajudar a esclarecer a
extensão do embuste perpetrado por Ricardo Amaral e por seu comparsa Paulo
Pizão.
Para o bem de todos Cabo Frio será poupado de qualquer
reação dos embusteiros: a Câmara de Vereadores, percebeu ter sido enganada e em
uma história reunião, em 23/12/2014, revogou a lei 1968/2006.
Foi o fim do embuste.
Chegaram ao fim as ações de quem tratou e trata a população
da Região dos Lagos como cidadãos de segunda classe. Tipifica o comportamento
dos arrogantes, dos prepotentes, dos que agem com desdém, dos que ignoram os
direitos de todos.
A população da Região deve um agradecimento especial aos
vereadores de Cabo Frio e aos que nunca desistiram de lutar contra o absurdo
que ocorreu na Reserva do Peró: Anna Bina Mehdi, Paulo Klem, Profa Kátia Leite
Mansur/Geologia/UFRJ – IGEO, Davi Moura Neves, Sérgio Ricardo Verde, Professor
Cyl Farney Sá/JBRJ, Professor Guilherme Fernandez/Geografia - UFF, Juarez
Lopes, Professora Desirée Freire/Geografia - UFF, Thais Figueiredo, Profa Thais
Rocha/Geografia - UERJ, Daniel Bastos/Herpetofauna - Museu Nacional, Rafael
Cunha Pontes/Herpetofauna - Museu Nacional, Professor Mauricio Vecchi
Brandão/UERJ, Professora Cristina Ariani, Antônio Revail, Deputada Janira
Rocha, Deputado Paulo Ramos, Cacau Agostini, Maryanne Medeiros, Martin
Moulton/Geografia - UFF, Igor Zelada, Claudia Souza, Zeca Nader, Paula Richard,
Cris Paramita, Vanda Marcelino, Elias Brito, Grimalda Magalhães, Niete
Martinez/Revista Cidade, Manoel Santos, Renata Moura e Luiz Lyra, Sabata
Belgrano, Rosa Espinosa, Douglas Santana, Hilarion Faggioli, Luiza Gerhard,
Janete Veiga, Mabel Mow, Kitty Ayala, Ativa Buzios, Wagner Silvano, Luiz Carlos
Gomes/IP Buzios, Ong Ecoar, OAB de Cabo Frio, Dr. José Carlos Sícoli Seoane/Geologia
UFRJ, Anna Maria Croce, Anderson Inacio e Karina Ramos, Profa Dalila
Mello/Biologia – IFF, Mauro Spacenkopf e Isabela Mariz, Alejandra de Luca,
Chico Tatoo, Profa Maria Alice dos Santos Alves/Ecologia, IBRAG – UERJ, Prof
Elizeu Fagundes de Carvalho/Ecologia – UERJ, Prof. Carlos Frederico da Rocha/
Ecologia – UERJ, Prof. Dr. João Wagner Alencar Castro/Lab Geologia
Costeira(Museu Nacional) – UFRJ, Prof Wilson Costa /Ictiofauna - UFRJ, Vila
Jaghanata.
Que o prefeito de Cabo Frio respeite a vontade do povo e
sancione a lei.
Vigaristas, porém, nunca desistem: se flagrado na Estação
Central do Brasil e desmascarado, muda-se para a Estação da Leopoldina. Que se
acompanhem os próximos passos de Ricardo Amaral. É bem capaz de tentar vender
seu "projeto" em alguma cidade litorânea.
Por essa razão a investigação em curso pelo MP não deveria
se limitar às conclusões de relatórios e/ou pareceres técnicos. Tudo o que
consta neste artigo, até esse ponto, pode ser considerado como ilação, mas a
decisão da Câmara de Vereadores de Cabo Frio, revogando a lei 1968/2006, traz à
luz fatos que devem ser investigados. Por exemplo, em seu discurso na seção de
23/12/2014, declarou o vereador Luiz Geraldo "sentir-se enganado quando da
aprovação da Lei 1968, em 2006, e sentia-se, agora, muito à vontade para
derrubá-la", declaração corroborada pelo vereador Paulo Henrique. Que
fatos chegaram ao conhecimento dos vereadores para que concluíssem que "no
local, se vendia a ideia que seriam construídos quatro resorts, sendo um deles
o Club Méd, mas apenas loteamentos estão sendo implantados"? (Ver artigo
nesta revista em
O leitor poderá consultar, por exemplo, a página cujo link
se segue, onde consta a notícia de 10/10/2007, de que o Club Med investiria
USD$45 milhões na construção de eu quarto resort no Brasil. Cita também os
demais cinco hotéis mencionados no início deste artigo. De que maneira essa
notícia chegou ao conhecimento do autor da notícia? Além disso, se a informação
era verdadeira, deveria ter sido assinado um contrato com a empresa Lakpar, de
Ricardo Amaral, que àquela época já a havia divulgado em sua página que, aliás,
foi retirada da Internet. Qual a razão para Ricardo Amaral omitir esse
importante detalhe? Se contrato houve ou havia, porque razão essa informação
não passada ao prefeito Alair Corrêa, por Janyck Daudet e Ricardo Amaral, em
setembro de 2013? (Ver
A ousadia de Ricardo Amaral parece não ter limites. Em
27/11/2014 foi publicada uma notícia divulgando a assinatura de um contrato da
empresa Club Med com uma construtora ligada à Costa do Peró Participações Ltda.
para a construção de um resort na Reserva do Peró. É muito estranho que o Club
Med em Paris não tenha dado notícia sobre a assinatura desse contrato e é
válido concluir de que há pessoas em Cabo Frio dispostas a servirem de capacho
de Ricardo Amaral e espalharem notícias falsas. Além do mais a notícia confirma
que Ricardo Amaral estava usando, sem permissão, a marca do Club Med para
validar o embuste.
Por qual razão as ações de Ricardo Amaral são sempre
anunciadas indiretamente? Nada o impediu de apresentar à prefeitura de Cabo
Frio o original desse contrato. Essa postura parece indicar que em novembro de
2014 já tinha conhecimento da decisão sobre a ação movida pelo MP e que,
afinal, foi divulgada em 19/12/2014. Talvez, também, tenha tomado conhecimento
da discussão que ocorria na Câmara de Vereadores de Cabo Frio e a divulgação da
notícia tenha sido uma tentativa de alterar a decisão que foi tomada em
23/12/2014 pelos vereadores. Eis ai a oportunidade para que o MP exija a apresentação
do original desse contrato, mesmo porque sua existência leva a uma conclusão
oposta a que chegaram os vereadores de Cabo Frio um mês depois (23/12/2014).
Todos esses fatos devem ser investigados uma vez que os
danos causados na Reserva do Peró resultaram das ações de pessoas que agiram,
deliberadamente, de má fé. A eles deve ser cobrada uma indenização, devida ao
estado do Rio de Janeiro e à sua população, e exemplarmente punidos.
Fonte: http://www.revistacidade.com.br/colunas/ponto-de-vista/5392-ricardo-amaral-a-historia-de-um-embuste
Ernesto Lindgren
CIDADE ONLINE
02/01/2015
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