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segunda-feira, 24 de maio de 2021

Justiça do Trabalho ...da Austrália ... reconhece vínculo de emprego de trabalhadores “uberizados”

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A notícia assinada por Cássio Casagrande foi publicada no site "JOTA". Segundo o autor, enquanto tribunais do mundo protegem trabalhadores de aplicativo, o TST do Brasil adota "postura retrógrada".

Cássio cita o caso de Diego Franco, “um brasileiro que trabalha para um aplicativo de entrega de comidas, que conseguiu o reconhecimento de seu vínculo de emprego com a plataforma na Justiça do Trabalho da Austrália. Diego imigrou para aquele país da Oceania em dezembro de 2016 e desde abril do mês seguinte passou a trabalhar para a companhia Deliveroo em Sidney, usando uma bicicleta e depois uma moto”.

Em 2020, por avaliação de algoritmos de performance, o trabalhador brasileiro foi desligado porque supostamente demorava mais para fazer as entregas do que os seus colegas (suas viagens seriam de 10 a 30% mais demoradas do que a média geral). A Justiça laboral australiana não apenas afirmou sua condição de empregado, como declarou ilegal a terminação de seu contrato (comunicada por email)”.

Na decisão sobre a natureza da relação jurídica, o tribunal concluiu: “A correta caracterização da relação entre o Sr. Franco e a Deliveroo é a de empregado e empregador… O Sr. Franco não era responsável por um comércio ou negócio próprio, realizado em seu nome. Ao contrário, ele estava trabalhando para o negócio da Deliveroo, como parte daquele negócio”.

O nível de controle que a Deliveroo possuía … quando adequadamente compreendido, representa uma prova que sustenta fortemente a existência de uma relação de emprego e não de trabalho autônomo”.

A decisão da Justiça Trabalhista australiana, segundo a matéria, “vem na esteira de uma onda de críticas que os aplicativos de entregas têm recebido no país, pois a cobrança por performance, especialmente durante a pandemia, resultou em muitos acidentes de trânsito: ano passado, cinco trabalhadores morreram em um espaço de apenas dois meses na Austrália, enquanto faziam o serviço de delivery para plataformas”.

Nos últimos meses, vários tribunais e agências administrativas do mundo desenvolvido, entre eles Inglaterra, Espanha, França, Itália, além de alguns Estados dos EUA, têm proferido decisões reconhecendo o óbvio: trabalhadores que laboram para as empresas de transporte e entrega por aplicativos são trabalhadores subordinados e, nessa condição, devem receber as proteções sociais da lei. Eles não são “empreendedores” ou “autônomos” porque sequer se lhes reconhece a possibilidade de fixar o valor do seu trabalho.  Além disso, sua rotina laboral é totalmente controlada e avaliada por algoritmos, sendo falaciosa a tese de que “são livres” para planejar sua jornada de trabalho”.

Para o articulista, “enquanto a justiça dos países avançados aplica o enquadramento correto aos trabalhadores de aplicativos, nosso Tribunal Superior do Trabalho (TST) continua na direção contrária, proferindo decisões retrógradas na matéria e construindo uma jurisprudência subserviente aos interesses das corporações multibilionárias que operam esses aplicativos”.

Foi assim há duas semanas, na 5ª. Turma do TST, que mais uma vez decidiu em favor da UBER em processo de vínculo de emprego. Não espanta que a decisão, além de analisar (equivocadamente) os requisitos da relação de emprego, tenha adentrado em argumentos meramente políticos e ideológicos para sustentar a frágil argumentação jurídica, assim dispondo: “o intento de proteção ao trabalhador não deve se sobrepor a ponto de inviabilizar as formas de trabalho emergentes, pautadas em critérios menos rígidos e que permitem maior autonomia na sua consecução, mediante livre disposição das partes.” O acórdão ainda acrescenta que a empresa UBER “tem se revelado como alternativa de trabalho e fonte de renda em tempos de desemprego (formal) crescente.” 

Cássio Casagrande acrescenta: “esses trechos poderiam muito bem-estar no discurso do Ministro Paulo Guedes ou de qualquer político de direita no legislativo, mas não fica bem que juízes usem essa retórica desabridamente ideológica, sem base factual alguma, para defender os interesses do capital. É triste o papel que a Justiça do Trabalho se atribui ao permitir de forma tão leniente a pirataria da uberização, que, como se sabe, vem sendo reprimida no mundo todo, ao ponto de o Secretário Geral da OIT recentemente defender uma “resposta global” para essa forma de trabalho, com estabelecimento de um salário mínimo, jornada regulada e negociação coletiva”.

Não se argumente que a legislação brasileira, para fins de definição do vínculo de emprego, seria “diferente” da australiana, espanhola ou inglesa. Quem minimamente estudou Direito do Trabalho sabe que os pressupostos da relação de emprego são os mesmos em todo o mundo: trabalho subordinado e controlado, sob dependência econômica. Todas as legislações trabalhistas surgidas da matriz europeia prevêem isso, porque a empresa capitalista se organizou da mesma forma em todo o mundo ocidental”.

Cássio afirma que "basta ler a decisão da Justiça australiana para se perceber que os critérios adotados para a definição do vínculo são os mesmos da legislação e jurisprudência brasileira, especialmente no que diz respeito ao princípio da realidade sobre a verdade formal

E cita trecho do julgamento, que trata do nível de controle e subordinação:

Embora aparentemente o Sr. Franco tivesse a liberdade de escolher quando e onde trabalhar, a realidade prática era a de que o sistema SSB o direcionava a assumir tarefas em períodos particulares, e a fazer com que ele ficasse disponível para trabalhar, como também a não cancelar encomendas recebidas.  Embora a Deliveroo não requeresse a um condutor trabalhar por um período de tempo em particular, ou mesmo a aceitar uma entrega quando logado, a realidade econômica da situação ordinariamente imporia ao condutor a aceitar o trabalho de entrega.  Ao final, objetivo de todo o processo é ser pago”.

"E, mais adiante, afirma o tribunal australiano o fato evidente do controle por algoritmo do trabalho, que os julgamentos do TST parecem ignorar:

O trabalho contratado através de engajamento nas plataformas computadorizadas proporciona aos operadores destas plataformas digitais, de empresas como a Deliveroo, um repositório extraordinariamente vasto de dados relacionados à performance e atividades daqueles indivíduos que executam o trabalho.  É preciso pouca imaginação para reconhecer que as informações e métricas na posse de companhias como a Deliveroo podem ser usadas como meios de controles daqueles que desempenham o trabalho.  Conforme o caso analisado nessa instância, o controle pode ser mudado para “on” e “off” conforme as necessidades do negócio e de acordo com as circunstâncias que a Deliverro determinar”.

Consequentemente, o que poderia parecer, na superfície, uma ausência de controle sobre quando, onde e por quanto tempo o Sr. Franco prestava trabalho para a Deliveroo, era na realidade uma camuflagem de significativa capacidade de controle que a Deliveroo (como outras plataformas digitais) possui. A capacidade para esse controle é inerente à qualquer utilização do volume significativo de dados que permite a métrica, a partir da qual o controle de engajamento e de performance no trabalho pode ser exercido. É verdade que o Sr. Franco não estava sob nenhuma obrigação de efetivamente trabalhar para a Deliveroo, mas a Deliveroo poderia exercer controle significativo sobre onde, como e por quanto tempo o Sr. Franco trabalhava se ele escolhesse fazê-lo.”

E finaliza: “lamentavelmente, o TST, até o momento, tem preferido sustentar suas decisões em arengas pseudo econômicas de matriz claramente ideológica, ao invés de analisar – como o fez o tribunal australiano – a forma de funcionamento do sistema por controle algoritmo das plataformas digitais, que determina a natureza controlada e subordinada dos trabalhadores de aplicativos”. 

quarta-feira, 5 de junho de 2019

Os escravos modernos

Jovem pedalando


As definições de escravidão foram atualizadas ou “Homo homini lupus”.

Nesta foto vemos uma jovem pedalando sem capacete, sem nenhum vínculo empregatício e sem nenhum direito trabalhista entregando comida de um restaurante que não é onde ela trabalha para alguém que a pediu por um aplicativo milionário que também não é onde ela trabalha.

Usando uma bicicleta que não é sua e pela qual ele paga para usar a um banco bilionário que também não é onde ela trabalha.

Na verdade, ela não trabalha em nenhum lugar, porém trabalha muito (e provavelmente recebe pouco). Mas acredite: há quem diga que isso é “oportunidade”, “empreendedorismo” ou “criatividade do brasileiro”. Eu tenho outros nomes: servidão e escravidão.

Servidão pois, conscientemente, na teoria, ela concordou em servir o sistema capitalista em troca de um valor. Escravidão pois, diante das circunstâncias, ela, inconscientemente, na prática, se escravizou em troca de um valor.

Se ela:

cair,

se machucar,

for roubada,

for estuprada numa emboscada,

for atropelada, enfim,

morrer, …

azar o dela. Ninguém mais será responsável e muito menos arcará com os prejuízos pela fatalidade. E, repito, há quem acha isso “normal” e ainda incentiva: “força de vontade”.

Thomas Hobbes afirmou em Leviatã (1651) que o “homem é o lobo do homem” (“homo homini lupus”). Segundo Hobbes, em um estado natural, o individualismo humano o compele a viver em guerra uns com os outros. Portanto, para ele, é de nossa natureza usurpar e explorar outros seres humanos. Isso revela que o homem é o predador do próprio homem, sendo um vilão para ele próprio.

Em essência, ainda estamos em 1651.”

Jorge Luiz Souto Maior
Desembargador do TRT da 15ª Região
Fonte: "vermelho"

sexta-feira, 26 de abril de 2019

MPF recomenda ao INSS abertura de concurso para solucionar déficit na prestação de atendimento

Posto do INSS. Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil

Déficit de cerca de dez mil funcionários, além de pelo menos nove mil servidores que podem se aposentar a qualquer momento. Inúmeras ações judiciais questionando a incapacidade do órgão na prestação de benefícios e uma espera para resposta do pedido que pode chegar a mais de um ano – atingindo, fundamentalmente, idosos, pessoas com deficiência e mulheres em licença maternidade.


Esse é o atual cenário do funcionamento do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), autarquia vinculada ao Ministério da Previdência e Assistência Social, e que tem como responsabilidade a operacionalização dos direitos das pessoas sob o Regime Geral de Previdência Social, que abrange mais de 50 milhões de segurados e aproximadamente 33 milhões de beneficiários.

Diante do esvaziamento do corpo de servidores do órgão e da inviabilidade na concessão regular e tempestiva dos direitos constitucionais à previdência e à assistência social, o Ministério Público Federal encaminhou na terça-feira (23) uma recomendação à presidência do INSS e ao Ministério da Economia para que promovam, no âmbito das suas esferas de poder, os atos necessários à reposição da força de trabalho da autarquia

No documento, o MPF recomenda ao Ministério da Economia que autorize, em prazo não superior a 30 dias, a realização de concurso público para a recomposição da força de trabalho do instituto, em quantitativo não inferior às vagas/cargos em aberto e para a formação de cadastro de reserva – inclusive para o preenchimento de postos resultantes da aposentadoria dos servidores que se encontram em abono de permanência.


Precarização dos serviços

No ano passado, em resposta à progressiva diminuição do seu quadro de pessoal, o INSS estabeleceu que toda a solicitação de serviços fosse feita mediante prévio agendamento, por telefone ou pela Internet, e sem a assistência direta e presencial de servidores da autarquia. Informações do Painel de Monitoramento do INSS relativas a março de 2018 até abril de 2019 apontam, no entanto, que há mais de 2,1 milhões de pedidos com pendência de análise.


Sabe-se que mais da metade dos milhões de beneficiários da Previdência é composta por pessoas pobres e de idade avançada – circunstância que, associada a uma presumível formação educacional deficiente, indica que pouca ou nenhuma chance possuem de tirar suficiente proveito dessa ferramenta virtual, inclusive a do teleatendimento. 

Ao tempo em que mascara a precarização dos serviços e do seu quadro funcional, a utilização de canais remotos obstaculiza o acesso de milhões de pessoas a direitos que lhes assistem, além de propiciar, paralelamente, a proliferação de terceiros prestadores de serviços – sejam pessoas físicas, sejam pessoas jurídicas – que cobram dos segurados e assistidos para obter a ‘facilidade’ que é a eles negada”, destaca o Ministério Público Federal.

No documento ao Ministério da Economia e ao Instituto Nacional de Seguridade Social, o MPF destaca que a assistência social é direito do cidadão e dever do Estado, e que constitui ato de improbidade administrativa qualquer ação ou omissão que viole os deveres de legalidade. A recomendação é assinada conjuntamente pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e a Procuradoria da República no Distrito Federal.


Fonte: "MPF"