sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Contribuição à Crítica da Economia Política dos Royalties de Petróleo - parte 2 (Final)

Foto do blog dinheirodigital

Costumo dizer que os prefeitos dos municípios da Região dos Lagos (RL) só não privatizam suas almas políticas porque o Diabo não quer, pois tudo o que se possa imaginar em obras e serviços destas prefeituras estão terceirizados. Quase todas as suas atividades fins estão sendo realizadas por terceiros. Se pudessem, passavam também para mãos privadas a gestão da Educação e Saúde. Bem que estão tentando com as Organizações Sociais (OS) da Saúde.

Diferentemente dos empresários que só terceirizam serviços quando é compensador financeiramente fazê-lo, nossos prefeitos os terceirizam por um preço bem maior do que aquele que dispenderiam se a própria Prefeitura realizasse o serviço ou obra. Afinal de contas o dinheiro não é deles. É da Viúva! Em alguns casos, paga-se até mesmo o dobro do valor do serviço no mercado. Duvido que a limpeza pública de AB saísse por mais de 7 milhões de reais por ano se um gestor público responsável se encarregasse da tarefa. Terceirizada, custa mais de 14 milhões aos cofres públicos. Nos outros principados os preços também são equivalentes. E todos sabemos o porquê!

Como os números não mentem jamais, algumas continhas simples revelam o descalabro administrativo a que estamos submetidos pelos gestores públicos dos municípios da RL. Se você compromete mais de 50% de suas receitas totais com a folha de pagamento e se o gasto com o custeio (folha mais manutenção da máquina pública) gira em torno de 90%, conclui-se que a despesa com as terceirizações alcançam algo próximo de 40% das receitas totais. Em Armação dos Búzios (AB), em 2012, de uma receita de 192 milhões de reais, o gasto com a manutenção da máquina pública alcançou o montante de 76 milhões de reais, quase o valor total recebido de royalties. Ou seja, economizando-se 40% do que é gasto com as terceirizações- na maioria das vezes, superfaturadas e desnecessárias- o rombo nos repasses dos royalties do petróleo seria facilmente coberto. Com os outros municípios da RL acontece a mesma coisa.

Cabo Frio (CF), por exemplo. Em 2012, gastou 607 milhões de reais com o custeio: 368 com a folha e 239 milhões de reais com a manutenção. Considerando os dados desse ano, uma perda de 40% nos repasses dos royalties equivaleria a 130 milhões de reais. Ora, se conseguisse reduzir o gasto com as terceirizações caras e desnecessária à metade de seu valor economizaria 120 milhões de reais, muito próximo do suficiente para cobrir o rombo dos repasses. Elementar meu caro Watson.

Mas tem o outro lado. Sempre tem o outro lado. O lado das receitas. Nadando em dinheiro dos repasses dos royalties, os prefeitos dos principados da RL não moveram uma palha para aumentar as suas receitas próprias. Indolentes, e cúmplices dos grandes sonegadores de IPTU e ISS, viram a divida ativa municipal alcançar cifras milionárias. E nada fizeram. Só se mexeram quando foram cutucados pelo MPE-RJ. Em 2012, o estoque da dívida ativa de Cabo Frio era de 267,774 milhões de reais. Já dava para pagar dois anos do rombo atual do repasse dos royalties, sem considerar que a cada ano são inscritos na dívida ativa algo em torno de 41 milhões de reais, metade do que CF teve de receita tributária própria no ano em estudo. Com a cutucada do MP-RJ, o município passou, já há alguns anos, a recuperar mais ou menos míseros 7,7 milhões por ano desse estoque. Até mesmo os municípios pobres da RL se dão ao luxo de estocar dívidas ativas: AR, 115,332; SP, 55,999; e IG, 20,661 milhões de reais. Parece que a coisa é contagiante.

Falamos no post anterior da grande dependência dos repasses dos royalties do petróleo por parte dos municípios considerados principados, mas se considerarmos todas as transferências constitucionais do Estado, da União, e de royalties, a dependência é quase total e abarca todos os municípios da RL. Em 2012, em CF, estas transferências mais repasses de royalties representaram mais de 81% de suas receitas totais. É importante que se atente bem para estes números porque os outros dois entes federativos-  Estado e União- estão imersos em uma enorme crise econômico-financeira que ocasionará, inevitavelmente, uma diminuição do valor no aporte desses recursos. Tem gente que acredita que pior do que está não pode ficar. Mas pode sim.

As receitas tributárias próprias de CF, de 82,298 milhões de reais,  representaram apenas 11,2% de suas receitas totais em 2012. Foi o município mais dependente de recursos de terceiros entre os municípios da RL nesse ano. Em segundo lugar, temos um outro principado, RO, com 89,179 milhões de reais, representando apenas 12,2% das suas receitas totais. O menos dependente foi AB com 36,338 milhões de reais, significando 18,9% das suas receitas.

Todos os municípios da RL, pobres ou principados, não possuem autonomia financeira pois suas receitas tributárias próprias não dão para cobrir nem mesmo 20% das suas despesas de custeio. Enquanto o comprometimento das receitas totais com estas despesas cresceram de 2000 para 2012, as receitas tributárias próprias tiveram diminuída suas participações no total das receitas realizadas. Cabo Frio comprometia 72% de suas receitas com o custeio de sua máquina pública em 2000. Doze anos depois, em 2012, aumentou este comprometimento em 10%, passando a 82% o comprometimento, enquanto a participação da receita tributária na receita total diminuía de 19%, em 2000, para 11,2%, em 2012. Da mesma forma AB, passou de 73% para 90% o comprometimento, enquanto as receitas tributárias próprias diminuíam de 20% para 18,9%. Os dois únicos municípios em que estas receitas cresceram nesse período foram RO e AC. RO, que comprometia apenas 45% em 2000, passou a comprometer 75% de suas receitas com custeio em 2012, enquanto as receitas tributárias próprias passaram de 4,5%, em 2000, para 12% das receitas totais em 2012. Ou seja, os gestores dos municípios da RL, a exceção de AC, em vez de diminuírem a dependência financeira dos outros entes da Federação e dos royalties de petróleo, a aumentaram. Além de gastarem mal, também arrecadaram mal. A chamada maldição petróleo os tornaram preguiçosos, malemolentes e perdulários. Ou melhor, Moloides, como diz Alair Corrêa.

Rio das Ostras conseguiu, em 12 anos, passar suas receitas tributárias próprias de 3,868 para 89,179 milhões de reais, em 2012, porque fez o seu dever de casa criando a Zona Especial de Negócios (ZEN) como alternativa ao modelo de desenvolvimento econômico baseado no tripé royalties-construção civil-turismo predatório. Antes da criação da ZEN, RO gerava 6,223 milhões de reais de ICMS em 2006. No ano seguinte, já gerava o dobro, 12,863. Nos dias de hoje, gera 120,696 milhões de reais (2011). Para efeito de comparação, CF, que não criou sua Zona Industrial, gerou 18,171 milhões de reais de ICMS em 2006. Em 2011, apenas 39,662 milhões de reais. 

Nossos gestores públicos gastam mal e arrecadam mal. Esse modelo de gestão, que privilegia gastos com o curral eleitoral do Prefeito e empreiteiros amigos, não permite que se façam investimentos na melhoria das condições de vida das populações dos municípios da RL, investimentos que tragam benefícios diretos e indiretos para a maioria da população. RO vem sendo há anos um dos municípios do Estado do Rio de Janeiro que menos compromete seus recursos financeiros com o custeio. Gastando pouco, pode investir 31% de suas receitas em melhoria da qualidade de vida de seus moradores. Em 2012 foi o município que apresentou o maior grau de investimento do Estado. Entre os municípios da RL, CF investiu 11,89% em 2012, mas, ao que tudo indica, na atual gestão de Alair Corrêa vem investindo menos. Todos os outros municípios, ricos ou pobres, investiram menos de 10% de suas receitas: SP 9,741 milhões de reais, 7%; AB 12,382, AC 6,654, AR 11,760, 6%; e IG 2,753 milhões de reais, 4%. Para se ter uma ideia da ordem de grandeza do que estou falando, cito como exemplo o investimento feito por RO, de 31% de suas receitas de 733 milhões de reais, equivalentes a 224,760 milhões de reais em obras novas e melhorias para o povo do município. São mais de 224 milhões de reais de dinheiro limpinho para investir no NOVO! Este valor é superior ao orçamento total de AB (192,69), de AC (116,940), de AR (211,499), de IG (66,625) e de SP (138,41).

Os 224,760 milhões de reais de investimentos feito pela Prefeitura de Rio das Ostras em 2012 significam que cada habitante da cidade recebeu da Administração Pública, na forma de investimentos, o equivalente a R$ 1.935,35. Se considerarmos que cada cidadão rioostrense contribuiu para os cofres municipais com R$ 837,57 de carga tributária per capita em 2012, a quantia de R$ 1.935,35 representaria praticamente que 231% dos tributos pagos retornaram como investimentos públicos. Ou seja, o morador de RO recebeu como investimento mais do que o dobro do que gastou em tributos. Em todos os outros municípios da RL, os moradores receberam menos em investimentos do que o que gastaram em tributos. O que prova que sustentar curral eleitoral e remunerar empreiteiros financiadores de campanha sai caro, muito caro. E quem paga a conta é o povo trabalhador desses municípios. Vejam a seguir de quanto foi o "preju" em cada município.

Cada cidadão cabofriense pagou R$ 461,22 em tributos e recebeu de volta R$ 449,15 (97%) em investimentos. AC, R$ 590,67 de tributo e R$ 235,18 (40%) de investimento. AB, R$ 1.375,49 e R$ 427,39 (31%). AR, R$ 360,67 e R$ 101,02 (28%). IG, R$ 422,25 e R$ 114,00 (27%).           

Acredito que os gestores atuais dos municípios da RL, sem exceção, não conseguirão resolver a crise econômico-financeira atual. Seria  a morte política deles cortar cabeças de seus currais eleitorais, demitindo mais da metade dos funcionários comissionados e contratados. Da mesma forma nunca mais se elegeriam se reduzissem drasticamente os custos das terceirizações e o número delas, re-estatizando alguns serviços hoje terceirizados. Os empreiteiros, financiadores de caras campanhas eleitorais como as nossas, os abandonariam. Atrasados politicamente, acabarão por jogar nas costas do povo pobre e trabalhador os ônus da crise, com aumento impostos e rebaixamento da qualidade dos serviços públicos prestados, que já não é grande coisa. Antevejo que os problemas estruturais de nossas cidades se agravarão em todas as áreas mais sensíveis: na Educação, na Saúde, no Trabalho, na Renda, na Regularização Fundiária, no Meio Ambiente,  na Mobilidade Urbana e a na Segurança. Dias muito difíceis virão, a não que o povo trabalhador saia às ruas e tome na mãos o destino das suas cidades!

Fonte: TCE-RJ

Observação: Gostaria de ter utilizado dados mais recentes. Tive dificuldade de encontrar dados de 2014, ou mesmo de 2013, de todos os municípios da Região dos Lagos. Encontrava de alguns e não de outros, o que não servia para fazer comparações. Os portais da transparência destes municípios são uma porcaria. Em quase nenhum deles você encontra os RGFs ou RREOs cujas publicações são obrigatórias. Nem mesmo no site do Tesouro Nacional eles são encontrados. Os municípios não os enviaram. Utilizei os Estudos Socieconômicos de 2013 de cada município da Região dos Lagos pois este foi o último estudo publicado. Com os dados de 2012.              

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