Foto do Flickr/PAC2 |
Característica comum dos orçamentos públicos no Brasil é a
pouca capacidade que governos têm para investir, descontados gastos com folha
de pagamento e despesas obrigatórias.
Dos cerca de R$ 3 bilhões do Orçamento de 2014 de Guarulhos, na Grande
São Paulo, sobram para investimentos somente R$ 180 milhões. Ainda assim, é a população da cidade quem
decide como gastar 25% desse montante, R$ 42 milhões. Em Belo Horizonte, também serão os moradores
da cidade que escolherão como usar R$ 115 milhões da conta de investimento da
prefeitura este ano, valor que representa mais de 15% do total da rubrica.
Assim como outras 351 prefeituras brasileiras, Guarulhos e
Belo Horizonte adotam o orçamento participativo (OP) como parte de sua política
de planejamento orçamentário. Graças a
essa prática, todos esses municípios se destacam - na comparação com cidades
sem participação popular na decisão sobre os destinos dos recursos públicos -
por gastarem mais com saúde e saneamento básico, terem melhor desempenho na
redução da mortalidade infantil e por registrarem maior presença de
organizações da sociedade civil interagindo com o poder público.
Essas são as principais conclusões do estudo "Improving
Social Well-Being Through New Democratic Institutions", dos pesquisadores
americanos Michael Touchton e Brian Wampler, do Departamento de Ciência
Política da Boise State University, do Estado de Idaho (EUA).
Com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) e do Banco Mundial, os pesquisadores analisaram indicadores
sociais e dezenas de variáveis de 253 cidades brasileiras de mais de 100 mil
habitantes que adotaram o orçamento participativo entre 1989 e 2010. Em seguida foram feitas comparações com
municípios que não optaram pelo OP. Os
modelos estatísticos elaborados apontam que a presença dessa modalidade
orçamentária gera crescimento de 6% nos gastos municipais com saúde e
saneamento sempre na comparação com cidades similares sem OP.
"Nossos controles estatísticos também mostram que, se o
orçamento participativo está ativo por oito anos ou mais, sem interrupção, a
estimativa da taxa desse gasto é até 23% maior que em cidades sem planejamento
com participação popular", diz o cientista político Brian Wampler, que
estuda o orçamento participativo brasileiro há pelo menos 15 anos e é autor do
livro "Democracy in Brazil: Popular Participation, Social Justice, and
Interlocking Institutions".
O estudo também permite verificar que a presença de OP nas
cidades estudadas está associada à redução mais acelerada da mortalidade
infantil. Municípios com orçamento
participativo por pelo menos quatro anos têm um desempenho 11% melhor no
indicador de saúde em relação a cidades que não adotam a prática. Adoção do OP por oito anos ou mais significa
queda 19% maior do indicador de saúde, aponta o levantamento.
"É natural que as primeiras intervenções de
experiências do orçamento participativo no Brasil ocorram em áreas
vulneráveis. Ao dar início a um processo
de mudança dessas áreas só pode resultar em melhorias de indicadores e da vida
das pessoas", avalia Pier Senesi, secretário-adjunto de Gestão
Compartilhada de Belo Horizonte.
Um exemplo de comparação livre - sem considerar os controles
de variáveis do estudo - pode ser feito entre Guarulhos e Mogi das Cruzes,
cidades industriais com mais de 100 mil habitantes na região metropolitana de
São Paulo. Com orçamento participativo
desde 2001, a primeira tem um gasto per capita em saúde R$ 654,98 contra R$
482,28 da segunda, que não adota o OP, de acordo com dados de 2011 elaborados
pelo Instituto de Ensino e Pesquisa em Administração (Inepad). O desempenho dos dois municípios na redução da
mortalidade infantil também favorece Guarulhos: a queda do indicador em 15 anos
foi de 60% contra baixa de 50% verificada em Mogi no mesmo período.
No confronto entre capitais com e sem orçamento
participativo, Belo Horizonte tem gasto per capita em saúde de R$ 885,13 contra
cerca de R$ 405 de Salvador. A capital
mineira reduziu a mortalidade infantil em 65% nos últimos 15. Já Salvador teve desempenho próximo de 40%.
Feito sob a ótica da ciência política, o objetivo do estudo
americano é mostrar que instituições democráticas participativas - como a
literatura acadêmica classifica o OP -, além de ajudar a melhorar a governança,
têm impacto no desenvolvimento econômico de uma localidade por focar o
bem-estar de camadas mais pobres da população.
"A maioria das pessoas que participam do orçamento
participativo vem das classes C e D, é uma chance para melhorar de vida,
conseguir coisas que nunca tiveram, como um posto de saúde, uma creche ou
coleta de esgoto. Os ricos e a classe
média precisam pouco do município, têm escola privada, plano de saúde até
segurança privada. Cobram o Estado por
outros meios", diz Wampler.
Kátia Lima, diretora do Departamento de Orçamento
Participativo da prefeitura de Guarulhos, confirma que as plenárias do OP são
dominadas por pessoas da periferia, mas mesmo assim algumas obras escolhidas
beneficiam todas as regiões da cidade, como é o caso de projetos recentes de
áreas de lazer na região central e unidades de tratamento de esgoto.
"A cidade teve um crescimento forte e desordenado. A periferia ficou 40 anos sem
investimentos. Os 12 anos da experiência
do orçamento participativo é uma forma de corrigir essa trajetória, mas nós
estamos sempre pensando em possibilidades de aumentar a participação popular,
não importa a classe social do cidadão", diz Kátia.
No Jardim Cumbica, na periferia de Guarulhos, na entrada do
Centro de Educação Unificado (CEU) equipado com quadra esportiva e até piscinas
novas e com um teatro em construção, a dona de casa Lena Cláudia diz, ao chegar
para uma reunião de pais e mestres, que a escola é um bom exemplo na
cidade. "O povo pôde escolher, o
governo só vai saber o que o povo precisa se perguntar para a gente."
Desde 2001, foram feitas 1.400 obras em Guarulhos oriundas
de decisões populares. No ano passado,
5.000 pessoas presentes nas plenárias do OP na cidade elegeram 126 projetos,
que estão em fase de estudos pela prefeitura e devem ser entregues em até dois
anos. A maior parte das demandas, 43,
ainda é relacionada a obras de infraestrutura, como pavimentação de ruas e
ligações de esgoto. Mas as cobranças têm
mudado ao longo do ano. "Temos tido
mais demandas nas áreas de cultura e lazer, segurança e mobilidade e
transportes do que no passado", comenta Kátia.
Uma das cidades pioneiras na adoção do orçamento
participativo no Brasil junto com Porto Alegre, Belo Horizonte comemora 20 anos
da prática neste ano. Na capital mineira
há duas maneiras de o cidadão participar das decisões sobre como gastar parte dos
recursos financeiros municipais: uma é por meio das tradicionais reuniões e
plenárias; a outra é através da internet, com votação em sistema on-line,
usando o título de eleitor.
A prefeitura separou R$ 50 milhões para o Orçamento
Participativo Digital neste ano. Quase
dez mil belo-horizontinos usaram seus computadores, ou aplicativos específicos
para tablets e smartphones, para escolher a reurbanização e modernização de 18
espaços públicos da cidade. "Com a
tecnologia esperamos mais participação.
Agora estamos indo a campo para consultar as comunidades, depois
técnicos vão percorrer os espaços para fazer o esboço das intervenções, o
projeto executivo e, ato contínuo, a abertura da licitação e a execução da
obra", conta Pier Senesi.
Matéria originalmente publicada no portal do Centro de Estudos
em Sustentabilidade (GVces) da Escola de Administração de Empresas da Fundação
Getulio Vargas (FGV-EAESP).
Nenhum comentário:
Postar um comentário