Professor de Ciências Sociais na Universidade de Bifröst e
membro do Conselho Constitucional da Islândia, Eiríkur Bergmann, acredita que
apoio do povo é indispensável para que governo aceite iniciativas como a
islandesa.
Em Porto Alegre para o Conexões Globais, evento sobre
mobilização popular via internet, Bergmann, afirmou que tecnologias já existiam
mas população não estava pronta.
Para o especialista em política, penetração de 95% de
internet na Islândia foi determinante para a participação massiva observada na
criação da constituição colaborativa
Bergmann acredita que a ação da Islândia não é modelo, e que
outras iniciativas devem adaptar a ideia a seus respectivos contextos.
Professor conta que cidadãos participaram a sério e que
maioria dos comentários foram responsáveis, uma vez que as pessoas sabiam que
estavam realmente sendo lidas.
Professor de Ciências Sociais na Universidade de Bifröst e
membro do Conselho Constitucional da Islândia, Eiríkur Bergmann, acredita que apoio do povo é indispensável
para que governo aceite iniciativas como a islandesa.
O Facebook e o Twitter foram as ferramentas que os cidadãos
islandeses usaram para opinar sobre a nova constituição do país. Pelas redes
sociais e pelo site oficial do conselho criado para fazer a redação do
documento, as pessoas sugeriram itens, opinaram sobre mudanças e participaram
da primeira legislação colaborativa. Um dos membros do órgão, Eiríkur Bergmann
esteve em Porto Alegre na quinta-feira e contou detalhes da iniciativa, o que
deu certo e errado, e como a experiência pode ser replicada no Brasil.
Bergmann é especialista em política e professor da Escola de
Ciências Sociais da Bifröst University. Mas ele também é membro do Conselho
Constitucional da Islândia, de quem partiu a iniciativa de abrir ao crowdsource
a redação de uma nova constituição - a atual é de 1944, quando o país ficou
independente da Dinamarca.
Em Porto Alegre para o Conexões Globais - evento da
Secretaria de Inclusão Digital sobre mobilização popular na internet -, o
professor disse que a web é uma nova ferramenta para a participação cidadã nos
governos democratas. Bergmann acredita não em um novo modelo de democracia, mas
em um desenvolvimento dela, para que se alcance um nível mais avançado do
sistema política. E a participação, para o professor, é o caminho para chegar
lá.
Internet é ferramenta para avançar democracia e Brasil pode
usá-la.
"Estivemos esperando muito tempo, enquanto a tecnologia
já existia, mas agora é a primeira vez que ela está desenvolvida e expandida o
bastante para que realmente se possa usá-la (para a política)", avalia.
"A população não estava pronta", continua.
Mais do que as pessoas, para Bergmann, seria preciso que os
governos estivessem prontos. Ele menciona a falta de vontade dos políticos
tradicionais de "dividir o poder" com os cidadãos. "Os políticos
em geral não têm pressa, os cidadãos devem pressioná-los", incentiva.
A origem da ideia
A Islândia estava em um contexto favorável, destaca o
professor, por ter penetração de quase 95% de internet, um povo desiludido com
a política e no limite por causa da crise de 2008. Foi nesse ano que houve a
"Revolução das Panelas e Frigideiras" - pacífica -, quando os utensílios
de cozinha viraram batuques e a população foi exigir, em frente ao parlamento,
uma postura diante do colapso econômico.
Os políticos criaram então a Comissão Constitucional,
atendendo demanda da população. "Poderíamos ter entrado, desligado nossos
smartphones e só saído de lá quando terminássemos. Mas resolvemos fazer
exatamente o oposto", conta Bergmann, um dos 25 eleitos entre 500
candidatos da sociedade civil.
A equipe técnica criou Facebook, Twitter, site "e todas
essas coisas" para apoiar a ideia de uma constituição colaborativa.
"Além de ler os comentários nas redes sociais, publicávamos tudo o que
escrevíamos, mesmo se não estivesse completo ainda. As pessoas opinavam e
conseguíamos revisar e melhorar", explica.
Embora o contexto brasileiro seja diferente, em especial em
relação à quantidade de cidadãos com acesso à internet, a participação poderia
se tornar realidade. "O Brasil tem uma herança muito, muito interessante
de participação (do povo). Temos o exemplo de 1989, que se espalhou em todos os
lugares (do País), e as audiências públicas. Me parece que há ao menos uma
parte da população brasileira que participou em exercícios democráticos desse
tipo", exemplifica.
Mas nem tudo foram flores no processo da Islândia, pondera o
professor sobre os erros do caminho. "Ficamos meio divididos, como se
fosse o conselho e o povo de um lado e os políticos tradicionais do outro, o
que gerou uma animosidade. Não devíamos ter feito essa divisão", avalia.
Para ele, uma maior cooperação entre as pessoas e os legisladores teria
funcionado bem melhor.
Bergmann reforça que, em qualquer lugar, vai ser com a força
do povo que iniciativas como a da constituições com crowdsource vão surgir.
"Muitas dessas experiências fracassam porque os políticos não querem
dividir o poder", reforça.
Para o professor, a tentativa funcionou na Islândia porque o
descontentamento do povo era muito grande. Para ele, os cidadãos que estavam
céticos em relação aos políticos tiveram "um senso de pertencimento e
importância" ao participar da redação da nova constituição de seu país.
O membro do Conselho Constitucional conta que a participação
foi levada a sério, ao contrário do que normalmente se vê na Islândia em
debates políticos, onde reclamações e xingamentos dão o tom dos comentários
sobre o tema. "A grande maioria das participações não tinham esse tom
negativo", relata. Para ele, a diferença foi a responsabilidade que
aflorou nos usuários uma vez que perceberam que estavam, sim, sendo ouvidos.
"Em geral o que eles dizem (em posts de blogs ou notícias de sites) não
têm importância, então eles não se responsabilizam. Mas quando você dá o poder
às pessoas, quando elas sabem que suas vozes estão sendo ouvidas, elas agem com
muito mais responsabilidade", avalia.
"Ainda estamos em um estágio muito novo de uso da
tecnologia para a participação política", afirma Bergmann. Para ele,
outras experiências assim vão surgir em diferentes países - como já surgiram no
Canadá, na Bélgica e na Irlanda, por exemplo - e que o próximo passo será
sistematizar a participação da população nas decisões políticas. O professor
reforça que a ideia da Islândia abre possibilidades, muito mais do que criar um
modelo de participação. "As necessidades de cada povo são diferentes, é
preciso fazer adaptações", diz.
Na Islândia, as principais sugestões recebidas se
relacionavam a direitos humanos, ao
sistema de energia e à manutenção dos recursos naturais como propriedade do
estado. Mas como seriedade não implica em falta de bom humor, Bergmann
conta que algumas sugestões também sugeriam que a nova constituição permitisse
"fazer coisas malvadas aos banqueiros", ri o professor, usando
eufemismos.
A proposta de constituição preparada com a ajuda dos
cidadãos pela internet ficou pronta no final de 2012, e foi aprovada em média
por dois terços da população que participou do referendo sobre o tema. Mas,
chegando no parlamento, o texto não passou. Agora há outra legislação e a
indefinição continua. "Mas esse governo não vai ficar aí para
sempre", conclui Bergmann, indicando que a vontade do povo manifestada no
documento pode, no futuro, vir a ser adotada pelos legisladores.
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