Cleber Lopez, foto Sonico |
Cabo Frio, na década de sessenta, era o refúgio de artistas
e intelectuais que aportaram aqui, atraídos pela cidadezinha de ca-sarios
simples e por nossa exuberante beleza natural. Era possível vislumbrar o mar de
qualquer lugar da cidade. Sentir sua brisa. Seu cheiro. Esse cenário serviu de
inspiração para artistas como Pance-tti, Jean Guilhaume, José de Dome, que
imortalizaram em óleo sobre tela cenários que não existem mais. O verão
cabofriense ganhou fama na literatura de Lygia Fa-gundes Telles, que ambientou
aqui o romance "Verão no Áquário"; "O Barquinho", a
composição que deu origem a Bossa Nova foi composta no mar de Cabo Frio num
domingo de sol; servimos de cenário para o primeiro nu frontal do Cinema Novo.
Os moralistas que nos perdoem, mas Norma Ben-guell, na época, não era apenas um
símbolo de beleza, mas também de liberdade e ousadia e "Os
Cafajestes", se tornaria um clássico e inauguraria um novo jeito de fazer
cinema.
A ponte Rio-Niterói, na década de 70 nos atirou no olho
do furacão desenvolvimentista. Vivemos a invasão mineira, responsável por
um massacre cultural só comparado ao massacre dos Tupinambás, na Guerra de Cabo
Frio (1575) — comandado pelo então governador Antônio Salema que exterminou dez
mil índios da região. Os mineiros colocaram abaixo nossos casarios para dar
lugar a prédios de gosto duvidoso em nome de um turismo que só enriqueceu os
empresários da construção civil e os políticos que permitiram que se
construísse um paredão de concreto na Praia de Forte e que deveria envergonhar
a todos.
A construção civil, como se não bastasse, transformou a
cidade num Eldorado, na terra das oportunidades e atraiu turbas das
regiões mais pobres do Estado, que aportaram aqui em busca de trabalho,
trouxeram suas famílias e nunca mais foram embora. As primeiras favelas
surgiram. E cresceram. Incentivamos, afinal, o poetinha, Victorino Carriço, em
seu verso mais infeliz, decretou: "Forasteiros, não há forasteiros, em
Cabo Frio Frio todos são iguais..."
A Via Lagos, nos anos 90, teve efeitos ainda mais nocivos
sobre a região. O pedágio mais caro do Brasil e a falta de mureta central —
exemplos da irresponsabilidade e da falta de respeito com o turismo e com a
vida humana — não impediram a nova estrada de transformar a região no quintal
da Baixada. É mais econômico, apesar do preço do pedágio, frequentar a Praia do
Forte que a de Copacabana, se bem que as diferenças entre as duas estão cada
vez menores. A Via Lagos também tem servido para escoar para a região a
violência e o tráfico das favelas cariocas em processo de "limpeza"
para a Copa e as Olimpíadas, enquanto nossas cidades se transformam no tapete
sob o qual o lixo vai ser escondido.
Vivemos no paraíso e estamos sendo expulsos dele. Um dia só
vai restar os quadros, os livros e a música para lembrar de uma Cabo Frio
engolida pela nossa indiferença e destruída pela nossa ganância. A Cabo Frio do
futuro, economia aquecida pelos milhões dos royalties, em nada vai lembrar a
cidade que inspirou artistas e poetas. O mar está cada vez mais distante; a
brisa encurralada por prédios e o cheiro é de fumaça e óleo diesel. Essa cidade
já não inspira ninguém.
Cleber Lopez é jornalista, editor do jornal Interpress
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