Foto: Fernando Souza/AFP/Getty Images |
ANTES
QUE O TRIBUNAL das redes sociais me condene,
já apresento minha confissão: sou botafoguense apaixonado, sócio,
ex-conselheiro e frequentador assíduo das arquibancadas do estádio
Nilton Santos. Este texto, porém, não tratará da rivalidade
histórica, nem da disparidade financeira entre os clubes. É,
na verdade, uma carta e um pedido de um defensor público do estado
do Rio de Janeiro.
Imagino
a euforia da Nação com a série de craques contratados, estádio
lotado e o time lutando por vários títulos. Mas, neste momento
mágico no campo, esta carta pede licença para lembrar dos dez
jovens que viviam euforia semelhante e sonhavam ter seu nome gritado
por quase 70 mil pessoas no Maracanã, mas foram mortos há quatro
meses no Ninho do Urubu.
Vitinho, Arrascaeta e Gerson,
três jogadores que fazem a Nação sonhar e que custaram, juntos, R$
173 milhões para o Flamengo. O mesmo clube que se negou –
quando da negociação de um acordo extrajudicial conduzido pela
Defensoria Pública do Rio logo após a tragédia – a destinar
10% desse valor para a indenização das famílias dos garotos do
Ninho. Para a maioria delas, seus filhos, netos, irmãos e sobrinhos
representavam a única chance concreta de ascensão econômica num
Brasil tão desigual.
Para
além do número de dez
jovens mortos de forma terrível,
há histórias comoventes, como a do jovem que veio do interior do
Sergipe para tentar a sorte no futebol; da família que vive abaixo
da linha de pobreza e sequer possuía conta bancária e documentação
básica; do garoto que sonhava defender as traves rubro-negras e
morava distante dos pais há anos.
Histórias
de meninos pobres, alguns miseráveis, que sequer conseguem
dimensionar as cifras divulgadas na imprensa por apenas três atletas
recém-contratados.
A
Nação Rubro-Negra não se confunde com a atual diretoria do clube
mais popular do Brasil, que desavergonhadamente vibra com os gastos
de duas centenas de milhões de reais em reforços, mas é insensível
a ponto de não permitir que essas famílias devastadas tenham a
possibilidade de recomeçar a vida. Afinal, das dez
famílias, oito terão que ir à justiça em busca de uma reparação
minimamente digna.
Portanto,
Nação, confiando na paixão ao clube que é muito maior do que a
dos seus dirigentes, façamos aqui um combinado: não deixem os dez
garotos do Ninho do Urubu morrerem no esquecimento. Pressionem seus
dirigentes, exibam faixas no Maracanã lotado “indenizem as
famílias”, invadam as redes sociais do clube exigindo a reparação.
Exijam
a preservação da memória dos garotos que morreram de forma tão
chocante. Há que se construir um memorial para que todos lembrem
desses meninos ao entrar no Ninho do Urubu; que dez camisas oficiais
sejam aposentadas perpetuando seus nomes no Flamengo; enfim, que
outras medidas, além da indispensável reparação financeira, sejam
adotadas para que essa tragédia não seja esquecida por contratações
milionárias.
Façam
isso por todos que amamos o futebol.
Fonte: "theintercept"