|
Sessão do Tribunal de Contas da União para análise das contas do governo federal em 2014 no plenário TCU, em Brasília (Foto: André Dusek/Estadão Conteúdo) |
O TCU (Tribunal de Contas da União) recomendou
nesta quarta-feira (7) a reprovação das contas de 2014 do governo
da presidente Dilma Rousseff (PT). Em decisão unânime, oito
ministros votaram pela rejeição das contas da petista.
Esta é a
primeira vez que o TCU recomenda a reprovação das contas de um
presidente desde que o órgão foi criado, em 1890. O parecer pela
reprovação não significa que as contas foram reprovadas. Elas
ainda precisam ser julgadas pelo Poder Legislativo.
A decisão foi recebida com fogos de artifício do
lado de fora do tribunal. A oposição planeja usar o parecer como
embasamento de um pedido de impeachment de Dilma.
Agora, o parecer pela rejeição das contas de
Dilma deve ser encaminhado à Comissão Mista de Orçamento do
Congresso. Lá, deputados e senadores irão avaliar o parecer e votar
um relatório que deverá ser posto em votação no Congresso. Ainda
não há consenso se a votação das contas acontecerá em sessões
separadas da Câmara dos Deputados e do Senado ou em uma sessão
conjunta do Congresso Nacional. A CMO tem, em média, 82 dias para
avaliar o parecer do TCU.
Sessão de hoje
Os oito ministros que votaram pela reprovação
das contas do governo Dilma de 2014 foram: Augusto Nardes (relator do
processo), Walton Alencar, Benjamin Zymler, Raimundo Carreiro, José
Múcio Monteiro, Ana Arraes, Bruno Dantas e Vital do Rego. Só o
presidente da Corte, Aroldo Cedraz, não votou e apenas proclamou o
resultado.
A sessão desta quarta-feira foi marcada por muita
polêmica. Líderes da oposição como os deputados federais Mendonça
Filho (DEM-PE), Antônio Imbassahy (PSDB-BA), Izalci (PSDB-GO) e o
senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) estiveram presentes à sessão.
O parecer do TCU deve ser usado pela oposição para embasar pedidos
de impeachment de Dilma.
Na prática, o recurso pedia que Nardes fosse
afastado da relatoria das contas do governo e que o julgamento fosse
suspenso até que um novo relator fosse designado. Com base no mesmo
argumento, o governo ingressou com um recurso junto ao STF (Supremo
Tribunal Federal), mas o ministro Luiz Fux rejeitou o pedido do
governo alegando que a simples manifestação de Nardes sobre o
processo não era motivo suficiente para que ele fosse considerado
"suspeito".
Já o advogado-geral da União,
Luís
Inácio Lucena Adams, foi vaiado após sua defesa. "Eu
acredito que o TCU tomará sua decisão, mas o que não se pode é,
artificiosamente, tentar transformar isso num movimento de cassação
de mandato presidencial", afirmou Adams. Logo após sua fala,
vaias foram ouvidas no plenário do tribunal.
Pedaladas fiscais
O episódio conhecido como "pedaladas
fiscais" foi um dos principais pontos que embasaram a decisão
dos ministros. As "pedaladas fiscais" foram manobras
contábeis realizadas pelo governo para "maquiar" as
finanças. De acordo com técnicos do TCU, benefícios sociais e
subsídios federais eram pagos por bancos estatais sem que o Tesouro
Nacional tivesse feito o devido repasse dos valores a tempo.
Esse "adiantamento" feito pelos bancos
foi classificado pelo TCU como "empréstimos", mas a LRF
(Lei de Responsabilidade Fiscal) proíbe o governo de fazer
empréstimos junto a bancos estatais. O governo nega que as
transações caracterizaram empréstimos e alega que outros governos
utilizaram o mesmo mecanismo sem que suas contas fosse reprovadas.
De acordo com o TCU, as "pedaladas fiscais"
envolveram um montante de R$ 40 bilhões.
Irresponsabilidade com gastos dá impeachment? Juristas expõem visões opostas
NÃO
Irresponsabilidade com gastos dá impeachment? Juristas expõem visões opostas
Joaquim Falcão, diretor da faculdade de direito
da FGV-Rio, considera que uma eventual parecer do TCU pela rejeição
das contas de 2014 do governo de Dilma Rousseff, mesmo que venha a
ser confirmado pelo Congresso, não é suficiente para justificar
juridicamente a abertura de um processo de impeachment da presidente.
Ele argumenta que não haveria precedente de
decisões anteriores nesse sentido. Segundo pesquisa realizada por
sua equipe, a punição aplicada pela Justiça Eleitoral a prefeitos
e governadores que já tiveram as contas rejeitadas pelo Poder
Legislativo local foram multas e a proibição de poder se candidatar
nos anos seguintes.
"Será uma novidade você dizer que cometer
crime contra responsabilidade fiscal dá impeachment. Nunca houve
(impeachment por rejeição de contas)", disse.
"Depois, uma eventual rejeição (das contas)
vai ser contestada no Supremo pelo governo. É imprudente o Congresso
decidir (abrir um processo de impeachment) com base em um assunto
pendente no Supremo", destacou.
Outro ponto citado por Falcão para refutar essa
hipótese é que as contas que estão sendo analisadas pelo TCU são
de 2014, último ano do primeiro mandato de Dilma, e a Constituição
Federal prevê que apenas crimes de responsabilidade praticados no
atual mandato poderiam justificar um impeachment. "Ou seja, mais
uma questão para o Supremo", afirma.
Além, disso, observa Falcão, mesmo que tenha
havido irregularidades, teria que ser comprovado que foi uma decisão
direta da presidente para que seja possível sustentar a abertura de
um processo de impeachment. "O terceiro argumento (contra a
abertura de impeachment) é que não é um ato individual dela, mas é
uma política de governo (a gestão fiscal)", diz.
"Meu raciocínio é que esse conjunto torna a
coisa, do ponto de vista técnico, extremamente difícil",
acrescentou.
O diretor da FGV Direito Rio, no entanto, não
descarta completamente a possibilidade de impeachment devido ao
aspecto político do julgamento. Ele ressalta, porém, que um
impeachment sem uma justificativa clara poderia comprometer a imagem
do Brasil perante à comunidade internacional, o que pode servir como
um fator inibidor desse processo.
"É um julgamento político. Então, o
Congresso pode dizer, como disse para o (ex-presidente Fernando)
Collor, que isso (a rejeição das contas) fere a dignidade do cargo.
Agora, você ferir a dignidade do cargo é uma coisa muito ampla. Não
existe uma definição unívoca do que é a dignidade. O que vai
decidir isso é o número de votos (no Congresso)", observou.
"Estive com vários banqueiros e
investidores. Para o mercado externo, é muito complicado um
impeachment que não seja totalmente claro porque a continuidade
democrática é um dos ativos do Brasil hoje. A visão externa não
comporta interpretações muito elásticas", insistiu.
Ele observa que, no caso o impeachment do Collor,
havia comprovações de uso de recursos provenientes de corrupção
para uso pessoal, como a compra de um carro Fiat Elba.
Na avaliação de Falcão, a estratégia da
oposição à Dilma é "criar um clima de insegurança a favor
do impeachment". Segundo ele, "nenhum dos pedidos (de
abertura de processo já apresentados na Câmara) traz fatos
concretos".
"Eles tratam de hipóteses com base em
decisões futuras do TSE (que vai julgar as contas de campanha de
Dilma) ou do TCU. De momento não tem nada. O que não quer dizer que
pode vir a ter", ressalta.
SIM
O jurista Adilson de Abreu Dallari, professor de
direito administrativo da PUC-SP, produziu em maio um parecer
sustentando que Dilma poderia sofrer um impeachment por atos do
primeiro mandato do seu governo. O documento havia sido encomendado
pelo Instituto dos Advogados de São Paulo.
De lá para cá, ele considera que as evidências
de irregularidades na gestão fiscal se avolumaram e tornaram mais
fortes os argumentos favoráveis ao impeachment.
Ele cita o artigo 85 da Constituição Federal que
prevê que "atos que atentem conta a lei orçamentária"
são considerados crimes de responsabilidade. Na sua avaliação, o
governo também desrespeitou trechos da lei 1.079, que regulamenta o
processo de impeachment, e a Lei de Responsabilidade Fiscal, que
proíbe que o governo tome recursos emprestados de bancos públicos.
O professor destaca o caso das "pedaladas
fiscais", em que o governo atrasou em grande volume (R$ 40
bilhões) repasses para bancos pagarem benefícios como o Bolsa
Família e o seguro-desemprego. Como os bancos desembolsaram os
recursos mesmo assim, isso configuraria empréstimo à União.
Dallari considera que o caso é ainda mais grave
porque as irregularidades melhoram as contas públicas
artificialmente em ano eleitoral. Na sua avaliação, já está
comprovado que houve crimes.
"No Tribunal de Contas, o ministro decide
depois do pronunciamento dos órgãos técnicos. E os órgãos
técnicos já se pronunciaram. Então, não dá mais para negar um
fato, porque está tudo documentado", disse.
Dallari argumenta que Dilma tem responsabilidade
direta sobre os atos praticados.
"Pela Constituição Federal, o Presidente da
República é o chefe de governo. Os ministros são subordinados.
Então, a responsabilidade é do chefe. Não tem como escapar disso",
argumenta.
"O importante nessa história é que não
estamos falando de uma transgressão feita por uma subagência do
instituto de pesquisa contra malária lá no interior da Amazônia.
Estamos falando de coisas que aconteceram necessariamente no nível
superior do governo", ressaltou.
Dallari rebate o argumento de que não haveria
precedente para um impeachment da presidente por rejeição de contas
do governo. Na sua avaliação, o fato de decisões de órgãos do
Legislativo locais não terem levado à cassação de mandatos de
prefeitos pode ser consequência do apoio político angariado por
eles nas câmaras municipais.
"Para que o pedido de impeachment vá para
diante, é preciso ter dois terços do Legislativo. Vamos falar
português, é o que a Dilma está tentando fazer agora com essa
reforma (ministerial, anunciada semana passada): conseguir apoio de
um terço dos parlamentares (171 deputados). Ela pode ter cometido todos os crimes do
mundo, se tiver um terço dos votos, não haverá impeachment",
observou.
Na avaliação de Dallari, quando um governante do
Poder Executivo é reeleito, seu mandato passa a ter oito anos na
prática, pois não há interrupção de governo. Para ele, isso
permite que juridicamente Dilma sofra um impeachment por atos
praticados antes da sua reeleição. O professor considera que se
isso não for possível cria-se um incentivo para que se cometam
irregularidades no quarto ano de mandato.
"Essa teoria de
restringir ao mandato atual é completamente absurda porque ela é um
incentivo à corrupção", afirmou.