segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Búzios: Uma cidade sem saídas???

 

Antiga Ponte da Marina. Foto: Mfheus Santos Silva


“Construímos muros demais e pontes de menos” - Isaac Newton


Acho linda essa cidade, ou melhor, acho lindo esse lugar. Há dez anos atrás escolhi que queria morar aqui e há nove fixei minha residência. Comemoramos o aniversário de dois anos de meu filho já em Geribá, bairro que nos acolheu generosamente em nossos primeiros anos.

Quando chegamos, não consegui entender muito bem as curvas da cidade, O fato de não ser reta ou linear me deixava mais fascinado, embora muitas vezes confuso. Entrava numa rua que era cheia de curvas, saía em outra também sinuosa e quando pensava ter chegado onde queria, estava num lugar novo, diferente, inusitado. Outras vezes, percebia que voltara ao ponto de partida, ou próximo a ele. De qualquer modo, os recortes da Península com suas praias secretas, discretas e/ou exibidas, se uniam em mosaicos poéticos em minha reconstrução.

Passado um tempo, já numa rotina de trabalho diário, passei a conhecer melhor as ruas, travessas, alamedas, avenidas, becos, altos, morros, vilas, periferias, tanto na península quanto na parte continental, que passou a me abrigar em anos mais recentes.. Então, circulando mais intensamente pra lá e pra cá, um novo aspecto chamou minha atenção: a quantidade de ruas sem saída e a grande falta de comunicação entre boa parte dos logradouros. A Avenida José Bento Ribeiro Dantas - coitada(!) - que corta o Município desde a Rasa, cruzando Geribá e Manguinhos para chegar ao Centro (ficando famosa como “Rua das Pedras”) e estender-se até os Ossos, tendo que dar conta de fazer essa ligação de ponta a ponta, quase que exclusivamente em diversos trechos, fica sobrecarregada! Quando menos se espera, o motorista - residente ou turista - tem que voltar a ela para chegar ao seu destino. Quantas vezes ouvi que Búzios é uma cidade cercada de mar por todos os lados, onde dificilmente se avista o Mar. Quantas vezes parei para dar informações de onde era a praia para turistas que vagavam perdidos na própria Avenida Jonas Talbert, paralela à Praia de Geribá, ou mesmo na Avenida do Contorno, ou Atlântica, paralela à Ferradura? Tenho certeza que não fui o único.

Do lado peninsular que não é de mar aberto ainda é mais complicado. Da Vila Caranga não se acessa à Tartaruga, sua vizinha, de onde não se chega à praia ao lado, Manguinhos, senão, voltando à Bento Ribeiro Dantas. Nem mesmo uma trilha segura, ou uma Ciclovia urbanizada que permita um passeio e/ou deslocamento prazeroso por lugares tão lindos. O que vemos são mais e mais muros, cercas, construções com ares clandestinos, irregulares ou suspeitos de serem atentados ao ambiente ou às próprias regras que visam uma cidade mais ordenada e harmoniosa.

Recentemente, um fato me marcou bastante: a retirada da Ponte da Marina. Primeiro veio a obra bilionária do supercondomínio que, segundo alguns, mudará até o nome do bairro em virtude do empreendimento. Obra, aliás, com divergências quanto ao verdadeiro impacto ambiental que provocará a curto, médio e longo prazo. Haverá também, impacto no trânsito. Qualquer morador da Rasa, ou de outro ponto da área continental nessa direção, que tem que estar se deslocando frequentemente para a Península sente a cada semestre o aumento do fluxo de carros nesse sentido, convivendo com o trânsito pesado em vários momentos do dia. Imagina quando essas centenas de casas (alguns chegam a dizer milhares) previstas ficarem prontas com seus milhares de moradores? Todos tendo que passar por uma via sem duplicação, todos entrando na Península? Não cabe. Não dá. Não precisa ser assim.

Voltando à Ponte - acabei dando uma volta, como àquelas das ruas tortuosas - , ela era um marco turístico, era um elo entre a Rasa, o Arpoador, “o outro lado da Marina” e a Marina, a Baía Formosa (também chamada de “Maria Farinha”), sem precisar passar pela sobrecarregada Avenida José Bento Ribeiro Dantas. Lembro-me, certa vez, que essa via ficou interrompida por toda uma noite, na altura da curva do Aeroporto, e todo o trânsito aconteceu pela Ponte. Se não fosse ela, tanto quem chegava quanto quem saía da cidade ficaria em maus lençóis. Mesmo depois de sua interdição, nos últimos dias do governo Mirinho, ela continuou sendo de muita serventia para os moradores, seus caseiros e funcionários. Diariamente, cedinho pela manhã, na hora do almoço e a tardinha, dezenas de pais e mães atravessavam com suas crianças a ponte a pé, para esperar o ônibus escolar. Homens e Mulheres iam para o ponto “do outro lado da Ponte” para pegar a Van Vila Verde e ir ao comércio, correio, farmácia da Rasa. Na volta a mesma coisa. Lá do alto, olhavam aquela beleza toda, pra frente, pra trás, pra todos os lados, agradeciam ao Criador pela beleza ou, no mínimo, por concluírem aquela passagem. Mesmo pra quem não tinha compromisso, mas gostava de caminhar e passear, era um bonito ponto de contemplação. Pontes são inspiradoras, pontos de ligação entre duas margens. Comunicam. Aproximam. Reúnem. Mas tudo isso foi desconsiderado em prol da passagem de alguns milionários em seus veleiros que, vez ou outra, passarão por ali em direção às suas Mansões. Confesso que tenho dificuldades em compreender essa lógica.

Logo depois que comecei a morar aqui, ouvi com entusiasmo sobre um Plano de Mobilidade, achei o máximo. Uma cidade pequena, e tão linda, dá vontade de andar a pé e de bicicleta, de se locomover por meios de transporte públicos eficientes que permitam uma maior interação entre os moradores e turistas. Mas até agora, praticamente nada foi feito de prático. Foram feitos até outros planos de mobilidade, caros inclusive, e mais caros ainda por não saíram do papel.

Com o tempo, percebo que a falta de comunicação não é apenas entre os logradouros. Ela se reflete entre os moradores dos diferentes bairros, entre os políticos e suas trincheiras (ou partidos - palavra sugestiva, né?), entre os empresários e seus bunkers em uma cidade resort fictícia e decadente. 

Todavia, a natureza continua resistindo, apesar da falta de saneamento, do avanço dos muros nas áreas verdes, dos loteamentos irregulares em áreas de preservação permanente, da falta de lixeiras e do excesso de lixo em diferentes perspectivas. E nós, poetas, artistas, antigos, crianças, quilombolas, amantes, amados, nativos, turistas, estrangeiros, buzianos e buzianas de coração, continuamos com esperança e oração, sonhando com uma Búzios com mais pontes, menos muros e mais saídas….

Por Hélio Coelho Filho

Observação1: este texto foi originalmente escrito no jornal 'Frente e Verso" em 2018 

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