Antiga Ponte da Marina. Foto: Mfheus Santos Silva |
“Construímos muros demais e pontes de menos” - Isaac Newton
Acho linda
essa cidade, ou melhor, acho lindo esse lugar. Há dez anos atrás
escolhi que queria morar aqui e há nove fixei minha residência.
Comemoramos o aniversário de dois anos de meu filho já em Geribá,
bairro que nos acolheu generosamente em nossos primeiros
anos.
Quando chegamos, não consegui entender muito bem as
curvas da cidade, O fato de não ser reta ou linear me deixava mais
fascinado, embora muitas vezes confuso. Entrava numa rua que era
cheia de curvas, saía em outra também sinuosa e quando pensava ter
chegado onde queria, estava num lugar novo, diferente, inusitado.
Outras vezes, percebia que voltara ao ponto de partida, ou próximo a
ele. De qualquer modo, os recortes da Península com suas praias
secretas, discretas e/ou exibidas, se uniam em mosaicos poéticos em
minha reconstrução.
Passado um tempo, já numa rotina de
trabalho diário, passei a conhecer melhor as ruas, travessas,
alamedas, avenidas, becos, altos, morros, vilas, periferias, tanto na
península quanto na parte continental, que passou a me abrigar em
anos mais recentes.. Então, circulando mais intensamente pra lá e
pra cá, um novo aspecto chamou minha atenção: a quantidade de ruas
sem saída e a grande falta de comunicação entre boa parte dos
logradouros. A Avenida José Bento Ribeiro Dantas - coitada(!) - que
corta o Município desde a Rasa, cruzando Geribá e Manguinhos para
chegar ao Centro (ficando famosa como “Rua das Pedras”) e
estender-se até os Ossos, tendo que dar conta de fazer essa ligação
de ponta a ponta, quase que exclusivamente em diversos trechos, fica
sobrecarregada! Quando menos se espera, o motorista - residente ou
turista - tem que voltar a ela para chegar ao seu destino. Quantas
vezes ouvi que Búzios é uma cidade cercada de mar por todos os
lados, onde dificilmente se avista o Mar. Quantas vezes parei para
dar informações de onde era a praia para turistas que vagavam
perdidos na própria Avenida Jonas Talbert, paralela à Praia de
Geribá, ou mesmo na Avenida do Contorno, ou Atlântica, paralela à
Ferradura? Tenho certeza que não fui o único.
Do lado
peninsular que não é de mar aberto ainda é mais complicado. Da
Vila Caranga não se acessa à Tartaruga, sua vizinha, de onde não
se chega à praia ao lado, Manguinhos, senão, voltando à Bento
Ribeiro Dantas. Nem mesmo uma trilha segura, ou uma Ciclovia
urbanizada que permita um passeio e/ou deslocamento prazeroso por
lugares tão lindos. O que vemos são mais e mais muros, cercas,
construções com ares clandestinos, irregulares ou suspeitos de
serem atentados ao ambiente ou às próprias regras que visam uma
cidade mais ordenada e harmoniosa.
Recentemente, um fato me
marcou bastante: a retirada da Ponte da Marina. Primeiro veio a obra
bilionária do supercondomínio que, segundo alguns, mudará até o
nome do bairro em virtude do empreendimento. Obra, aliás, com
divergências quanto ao verdadeiro impacto ambiental que provocará a
curto, médio e longo prazo. Haverá também, impacto no trânsito.
Qualquer morador da Rasa, ou de outro ponto da área continental
nessa direção, que tem que estar se deslocando frequentemente para
a Península sente a cada semestre o aumento do fluxo de carros nesse
sentido, convivendo com o trânsito pesado em vários momentos do
dia. Imagina quando essas centenas de casas (alguns chegam a dizer
milhares) previstas ficarem prontas com seus milhares de moradores?
Todos tendo que passar por uma via sem duplicação, todos entrando
na Península? Não cabe. Não dá. Não precisa ser assim.
Voltando
à Ponte - acabei dando uma volta, como àquelas das ruas tortuosas -
, ela era um marco turístico, era um elo entre a Rasa, o Arpoador,
“o outro lado da Marina” e a Marina, a Baía Formosa (também
chamada de “Maria Farinha”), sem precisar passar pela
sobrecarregada Avenida José Bento Ribeiro Dantas. Lembro-me, certa
vez, que essa via ficou interrompida por toda uma noite, na altura da
curva do Aeroporto, e todo o trânsito aconteceu pela Ponte. Se não
fosse ela, tanto quem chegava quanto quem saía da cidade ficaria em
maus lençóis. Mesmo depois de sua interdição, nos últimos dias
do governo Mirinho, ela continuou sendo de muita serventia para os
moradores, seus caseiros e funcionários. Diariamente, cedinho pela
manhã, na hora do almoço e a tardinha, dezenas de pais e mães
atravessavam com suas crianças a ponte a pé, para esperar o ônibus
escolar. Homens e Mulheres iam para o ponto “do outro lado da
Ponte” para pegar a Van Vila Verde e ir ao comércio, correio,
farmácia da Rasa. Na volta a mesma coisa. Lá do alto, olhavam
aquela beleza toda, pra frente, pra trás, pra todos os lados,
agradeciam ao Criador pela beleza ou, no mínimo, por concluírem
aquela passagem. Mesmo pra quem não tinha compromisso, mas gostava
de caminhar e passear, era um bonito ponto de contemplação. Pontes
são inspiradoras, pontos de ligação entre duas margens. Comunicam.
Aproximam. Reúnem. Mas tudo isso foi desconsiderado em prol da
passagem de alguns milionários em seus veleiros que, vez ou outra,
passarão por ali em direção às suas Mansões. Confesso que tenho
dificuldades em compreender essa lógica.
Logo depois que
comecei a morar aqui, ouvi com entusiasmo sobre um Plano de
Mobilidade, achei o máximo. Uma cidade pequena, e tão linda, dá
vontade de andar a pé e de bicicleta, de se locomover por meios de
transporte públicos eficientes que permitam uma maior interação
entre os moradores e turistas. Mas até agora, praticamente nada foi
feito de prático. Foram feitos até outros planos de mobilidade,
caros inclusive, e mais caros ainda por não saíram do papel.
Com
o tempo, percebo que a falta de comunicação não é apenas entre os
logradouros. Ela se reflete entre os moradores dos diferentes
bairros, entre os políticos e suas trincheiras (ou partidos -
palavra sugestiva, né?), entre os empresários e seus bunkers em uma
cidade resort fictícia e decadente.
Todavia, a natureza
continua resistindo, apesar da falta de saneamento, do avanço dos
muros nas áreas verdes, dos loteamentos irregulares em áreas de
preservação permanente, da falta de lixeiras e do excesso de lixo
em diferentes perspectivas. E nós, poetas, artistas, antigos,
crianças, quilombolas, amantes, amados, nativos, turistas,
estrangeiros, buzianos e buzianas de coração, continuamos com
esperança e oração, sonhando com uma Búzios com mais pontes,
menos muros e mais saídas….
Por Hélio Coelho Filho
Observação1: este texto foi originalmente escrito no jornal 'Frente e Verso" em 2018
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