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Elizabeth e Francisco assinam documento para a doação das terras da Fazenda aos Quilombolas de Búzios, no RJ — Foto: Elizabeth Fernandes/ Arquivo Pessoal |
Segundo
o Incra, herdeiros doaram 800 mil metros quadrados da Fazenda Porto
Velho, em Búzios, para a Associação dos Remanescentes Quilombolas
de Baía Formosa.
Uma
área de 800 mil metros quadrados está sendo doada por herdeiros da
Fazenda Porto Velho para uma comunidade quilombola em Búzios, na
Região dos Lagos do Rio, quase 50 anos depois de as famílias terem
sido expulsas da região.
Segundo
o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o
caso, que favorece a Associação dos Remanescentes Quilombolas de
Baia Formosa, é inédito em todo o Estado do Rio de Janeiro.
"Os
processos de titulação de territórios quilombolas costumam ser
demorados e ter parte da questão resolvida de boa vontade entre os
atores envolvidos é positivo", afirma o Incra.
Reconhecida
pela Fundação Palmares como povo quilombola em 2011, a comunidade
atualmente é composta por 120 famílias.
Quando
saíram da Fazenda Porto Velho, na região da Baía Formosa, na
década de 1970, eram cerca de 60.
Elizabeth
Fernandes, líder da comunidade quilombola, contou que era criança
quando foi expulsa com a família do local.
"Não
vejo a hora da gente voltar para lá. Amanhecer andando naquela
terra...", disse.
Na
época, os quilombolas se mudaram para bairros como Jardim Peró e
Jardim Esperança, em Cabo Frio. "Aqui não dá para fazer
plantio. Lá vamos poder voltar a fazer horta e gerar renda",
afirmou Elizabeth.
Já
o fazendeiro Francisco Bueno disse ao G1 que
a propriedade pertenceu ao falecido pai.
"Como
éramos muito novos [ele e o irmão] não sabíamos nada em relação
a expulsões ou algo parecido", contou.
Apesar
disso, Francisco diz que a decisão de doar as terras para a
comunidade foi inspirada na figura da mãe que, segundo ele, teve um
papel importante no que diz respeito a obras sociais na região
naquela época.
"Acreditamos
em um legado do bem", acrescentou.
De
acordo com o Ministério Público Federal (MPF), que intermediou as
negociações junto ao Incra, além de doar as terras, os herdeiros
da Fazenda também se comprometeram a apoiar as medidas necessárias
para qualificar e preparar as áreas que serão dedicadas à lavoura,
cujas dimensões ainda serão definidas.
História
da comunidade quilombola
Segundo
dados do Incra, para ser caracterizada como uma comunidade quilombola
é preciso ter a presunção da ancestralidade negra, histórico de
resistência coletiva desde o período escravagista até a
atualidade, vínculo histórico próprio e apresentar relações com
o território que pleiteiam.
No
caso das terras de Baía Formosa, o Incra informou que sua ocupação
data de 1850, quando a área fazia parte de uma imensa fazenda
chamada Campos Novos.
O
Instituto afirma que a fazenda foi sendo desmembrada no século 19,
transformando-se em várias fazendas distintas e com donos
diferentes.
"A
medida em que diferentes proprietários passavam pela fazenda, as
famílias permaneciam morando e trabalhando na terra, sempre fazendo
o acordo de colonato ou arrendamento: elas moravam na terra e em
troca trabalhavam para o proprietário", disse o Incra.
Porém,
já na década de 1970, o Instituto afirma que esses acordos
começaram a ser rompidos, pela modernização do campo e a
valorização das terras.
Com
isso, as famílias foram sendo expulsas da região, onde viveram por
quase 100 anos.
Título
Segundo
o Incra, existe um processo aberto desde 2016 da Associação dos
Remanescentes da Baía Formosa para conseguir o título de comunidade
quilombola.
"Os
títulos são coletivos, em nome da associação de quilombolas, e
incluem uma cláusula de inalienabilidade, imprescritibilidade e de
impenhorabilidade", explicou o Incra.
De
acordo com o Instituto, para chegar a este título exitem algumas
etapas e a mais demorada é a que atualmente se encontra o processo
do território quilombola de Baía Formosa: elaboração
do Relatório Antropológico de Identificação e Delimitação
(RTID).
De
acordo com o Incra, este é o estudo técnico que inclui informações
cartográficas, fundiárias, agronômicas, ecológicas, geográficas,
socioeconômicas, históricas e antropológicas da área.
Centro
de Tradições
Além
de ter as terras de volta, a comunidade quilombola também vai ganhar
um Centro de Tradições na região.
Isso
porque está sendo construído ao lado da Fazenda Porto Velho um
bairro planejado chamado Aretê.
Segundo
os investidores, a restauração e construção do Centro de
Tradições Quilombolas da Baía Formosa são uma
contrapartida do empreendimento e tem como objetivo valorizar as
comunidades do entorno do Aretê.
A
ideia, ainda de acordo com os investidores, é resgatar a história
quilombola da região e ser um espaço para a disseminação e
manutenção de sua cultura.
Atualmente,
os responsáveis pelo Aretê informaram que o projeto do Centro de
Tradições está em fase de concepção, de acordo com as
características de preservação culturais da tradição,
determinadas pela Prefeitura e órgãos responsáveis.
A
construção, de acordo com eles, será iniciada nos próximos meses,
após a aprovação do projeto e seu licenciamento.
Ver também "Momento
histórico em Búzios: fazendeiro devolve terras aos quilombolas da
Baía Formosa" (em "ipbuzios").