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Audiência da CDH do Senado |
No
que depender da vontade do governo, as famílias que defendem a
regulamentação da maconha para uso medicinal não
terão autorização para cultivar a Cannabis, planta que dá
origem às substâncias utilizadas como medicamentos. Em audiência
pública nesta terça-feira (9) na Comissão de Direitos
Humanos e Legislação Participativa (CDH), o ministro da
Cidadania, Osmar Terra, reforçou a política proibicionista e
afirmou que a liberação do plantio vai “abrir as portas para o
consumo generalizado de drogas”. Por outro lado, pais e mães de
crianças que sofrem com uma série de doenças e condições como o
autismo pedem que o Congresso autorize o cultivo da maconha.
A
audiência foi convocada para debater uma sugestão
popular
que propõe a regulamentação
da maconha medicinal no Brasil
(SUG
nº 6/2016).
Hoje, plantar Cannabis
é
proibido e o uso de derivados da maconha, independentemente da
finalidade, é dificultado pela legislação. Porém, algumas
associações e familiares de pacientes conseguiram autorizações
na Justiça para a produção do extrato de canabidiol.
A
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já
permite o registro de medicamentos feitos com substâncias como
canabidiol e tetrahidrocannabinol (THC), mas só um produto
importado conseguiu essa autorização até o momento. A maioria dos
pacientes que recebe prescrição médica de tratamentos com
derivados da Cannabis tem que pedir uma liberação da
Anvisa para importar o produto. O problema, porém, é o
custo. Um tratamento por três meses chega a R$ 2 mil. Como saída,
famílias apelam à Justiça — ou caem no mercado ilegal.
Ministro
contrário
Contra
a liberação, o ministro afirmou que a maconha é a porta de entrada
para outras drogas e que 25% da população é muito vulnerável à
dependência química. Osmar Terra afirmou que a regulamentação
da maconha aumentou a violência e o número de acidentes no trânsito
em vários países.
— Eu
sei que aqui tem mães carinhosas preocupadas, que vão até o fim do
mundo para salvar seus filhos e para aliviar o sofrimento dos seus
filhos. Elas têm que ter um apoio necessário. Agora, eu poderia
fazer uma reunião aqui com as mães que perderam os filhos para a
droga, que são muito mais numerosas —disse o ministro.
Osmar
Terra apontou que cresceu o consumo de drogas por jovens em
países que liberaram a maconha medicinal.
— Se
abrir as portas do plantio, vai ter consumo generalizado. Se se não
controla com a proibição, imagina controlar no detalhe? É
o começo da legalização da maconha no Brasil
— afirmou.
Benefícios
do THC
Na
contramão, Rafael Evangelista, do Instituto de Pesquisas Científicas
das Plantas (Aliança Verde), apresentou dados que contrariam o
discurso do ministro. Segundo ele, não há evidências sobre o
aumento do consumo de maconha em países que regulamentaram a
Cannabis medicinal. Ele
afirmou que o THC e vários componentes da maconha teriam benefícios
medicinais, não apenas o canabidionol. Para Evangelista, a
regulamentação tampouco abriria a porta para outras drogas.
— O
contato com o mercado ilegal é que é a porta de entrada para drogas
mais pesadas —
afirmou.
Ele
e outros participantes da audiência defendem a aprovação do PLS
514/2017,
que permite
o cultivo e o preparo da Cannabis
para uso medicinal.
O texto, já aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS),
aguarda votação na Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania (CCJ).
Uso
terapêutico
O
uso terapêutico de componentes dessas plantas segundo pais e mães
de pacientes reduziu sintomas de doenças como convulsões,
epilepsia e dores. O canabidiol é usado para o tratamento de
outras doenças como a esclerose múltipla, Alzheimer,
Parkinson, dores crônicas, entre outras.
Segundo
Cidinha Carvalho, mãe de Clárian, de 16 anos, a qualidade de vida
da família melhorou substancialmente depois que a menina começou a
usar substâncias extraídas da maconha. Diagnosticada com síndrome
de Dravet, Clárian tinha convulsões desde antes do primeiro ano de
vida. Os ataques epilépticos aconteciam muitas vezes ao dia e
duravam mais de uma hora e meia, fazendo com que ela tivesse paradas
respiratórias. Desde 2014, quando a jovem começou a usar um
óleo de canabidiol, as crises passaram a ser menos frequentes:
uma ou duas crises por mês com duração de menos de um minuto. Para
Cidinha, pais e mães não põem ser criminalizados por cuidar
de seus filhos.
— A
dor não pode esperar.
Se eu tivesse esperado por uma regulamentação para poder cultivar
para a minha filha, para poder dar um óleo para a minha filha, não
sei se eu teria minha filha aqui hoje porque a síndrome dela tem
risco de morte súbita. Se
fosse seu filho você esperaria pela regulamentação?
— perguntou Cidinha, que é presidente da Cultive (Associação de
Cannabis e Saúde), à comissão.
Consulta
pública
Famílias
que viram seus filhos melhorarem com o uso de substâncias derivadas
da maconha também criticaram uma consulta pública da Anvisa sobre a
proposta para liberação do cultivo e da produção da planta no
país. A nova regra, segundo eles, prevê o plantio restrito a
lugares fechados por empresas credenciadas, o que proibirá
as associações e familiares de pacientes que conseguiram
autorizações na Justiça de manipularem a planta. Para eles, a
proposta da Anvisa deveria ser mais abrangente.
Norberto
Fischer, que conseguiu autorização para importar Cannabis
para a sua filha, Anny, lamentou que o
ministro Osmar Terra tenha se posicionado publicamente nas redes
sociais contra a consulta da Anvisa como um todo. Ele fez um apelo
pela regulamentação e contou que antes do tratamento, sua filha
tinha em média 60 convulsões semanais e ao menos duas vezes por mês
ia parar na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de hospitais.
— Eu
acho que existe uma grande confusão também sobre os papéis e
competências da Anvisa. A Anvisa tem competência de regulamentar o
registro de produtos e o processo para poder fazer a venda de
produtos. O
autocultivo não é papel da Anvisa
— disse Fischer, que cobrou que o Congresso avance em uma
regulamentação.
Pesquisas
Ao
longo do debate, participantes apresentaram dados e pesquisas que
confirmam ou colocam em xeque os benefícios medicinais da maconha. O
médico Quirino Cordeiro Júnior, que é secretário de Cuidados e
Prevenção às Drogas do Ministério da Cidadania, foi taxativo ao
apontar que não há evidências científicas que referendem a
liberação da Cannabis.
— Não
há evidências científicas que comprovem que os canabinoides são
seguros e eficazes no tratamento da epilepsia — assinalou.
Mesma
posição tem o representante da Associação Psiquiátrica da
América Latina, Antônio Geraldo da Silva. Para ele o termo
“maconha medicinal” é um risco pela “diminuição da percepção
de risco da droga”.
— A
maconha tem cerca de 500 substâncias dentro dela. Dessas 500
substâncias, existe o canabidiol. É perigoso liberar 500
substâncias para tentar atingir uma sem saber a dosagem, sem saber o
efeito, sem saber se vai fazer bem — disse.
Já
a médica Carolina Nocetti, da Academia Internacional de Cannabis,
afirmou que existe muita ignorância em relação ao tema. Ela
ressaltou que desde os anos 1980 um grupo de pesquisa liderado pelo
especialista em psicofarmacologia Elisaldo Carlini já comprovou
os efeitos positivos da Cannabis no
combate a doenças.
— As
maiores provas não são a Anvisa nem o professor Carlini, mas as
centenas de pacientes que chegam no meu consultório, de mães que me
ligam e falam
que agora conseguiram dormir quatro horas por noite ou da filha que o
pai [com Doença de Alzheimer] lembrou o nome —
argumentou.
Senadores
A
senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) destacou que muitos países já
regulamentaram o uso do canabidiol, mas a burocracia brasileira leva
muitas famílias a importar o produto de forma ilegal. Ela relatou
sua experiência com canadibiol, que de acordo com a senadora tem
ajudado em dores musculares e no controle do corpo.
— Eu
sou uma cidadã usuária que sabe o quanto é transformador na vida
de outras pessoas. A gente não pode fechar essa porta — defendeu.
Para
o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), é preciso ouvir todos os
lados do debate. Ele teme que interesses comerciais contaminem
a discussão.
O
senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) considera que é preciso
buscar uma proposta equilibrada para evitar que a liberação do
cultivo abra caminho para desvios de plantas para outras finalidades.
A
senadora Zenaide Maia (Pros-RN), por sua vez, avalia que o Estado
brasileiro não pode abrir mão de regulamentar o uso medicinal e
garantir o acesso à população:
— Saúde
é um direito e uma obrigação do Estado. Não
deveria ser responsabilidade de uma mãe de uma criança pesquisar e
plantar no seu quintal quando a responsabilidade é do Estado
— apontou.
Agência
Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência
Senado)
Rodrigo
Baptista