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domingo, 9 de julho de 2017

Lava Jato corre o risco que abalou a Mãos Limpas

Membros da Lava Jato em coletiva na 39ª fase da operação, na superintendência da PF em Curitiba Foto Geraldo Bubniak/AGB/Folhapress

"fim do grupo exclusivo da Lava Jato em Curitiba pode ter sido apenas uma medida de natureza administrativa, que não afetará necessariamente as operações da maior operação de combate à corrupção no Brasil.

É essa, pelo menos, a alegação oficial. Mas pode ser também um passo mais para quebrar as pernas dos investigadores. Suspeito que seja esta a hipótese mais provável, por um motivo bem simples: não dá para ser inocente a ponto de acreditar que uma investigação que atinge os mais poderosos agentes públicos e privados –até aqui intocáveis– prossiga sem que haja uma reação deles e de seus protegidos e/ou correligionários.

É útil, a propósito, rememorar o que houve com uma operação parecida, a "Mãos Limpas", efetuada na Itália, que tem pontos de contato com a brasileira, mas também tem, naturalmente, diferenças importantes.

Vou basear a comparação em excelente artigo da economista Maria Cristina Pinotti para o Instituto Fernand Braudel, notável centro de pesquisas em São Paulo.

Para começar, a rememoração do que foi a "Mãos Limpas":

"foi a maior investigação sobre corrupção na administração pública de que se tem notícia. Ocorreu na Itália, a
partir do início de 1992, e durou dez anos.

"Seu período crucial, entretanto, teve a duração de aproximadamente três anos, até o fim de 1994.
"As investigações desvendaram um sistema criminoso e corrupto muito abrangente que atingiu algumas centenas de parlamentares de praticamente todo o arco político da época (exceção feita aos partidos de extrema esquerda e extrema direita), além de empresários, policiais e membros do judiciário".

Muito semelhante à Lava Jato, certo?

Na Itália, foram acusados dois chefes de governo (Bettino Craxi, do Partido Socialista Italiano, e Silvio Berlusconi, criador de "Forza Italia", de direita).

Mais uma coincidência com o Brasil: aqui, todos os três chefes de governo mais recentes (o atual, Michel Temer, e seus antecessores Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff) estão sob suspeita em casos investigados pela Lava Jato, de diferentes naturezas.

Uma diferença essencial: Bettino Craxi teve que renunciar e acabou morrendo no exílio (na Tunísia). Berlusconi chegou a ser condenado em primeira instância, mas escapou na segunda instância e até hoje consegue postergar indefinidamente o julgamento por diferentes acusações.

Como é natural, pelo peso político e econômico dos envolvidos, a "Mãos Limpas" provocou enorme reação, relata Pinotti:

"Avolumaram-se as denúncias na imprensa sobre abuso de poder nas investigações e foi iniciada uma verdadeira indústria de dossiês, sobretudo contra a figura principal da operação, o procurador Antonio Di Pietro. Em meados de 1994 o conselho de ministros do novo governo [de Berlusconi] aprovou um decreto lei que ficou conhecido popularmente como decreto 'salva ladrões' (salva ladri), que impedia prisão cautelar para a maioria dos crimes de corrupção. Com isso, a maior parte dos presos foi solta, indo para prisão domiciliar, provocando um enorme dano nas investigações".

Lembra o Brasil? Lembra a tentativa de derrubar a hipótese de prisões após condenação em segunda instância?

Há mais, sempre segundo Pinotti:

"Há quem diga, por exemplo, que seu objetivo [da OMP ou Operazione Mani Pulite, nome em italiano] era eliminar toda a classe política, seguindo um plano orquestrado pelos comunistas, ou pela CIA –dependendo da preferência ideológica do acusador."
Você certamente já leu ou ouviu esse tipo de comentário sobre a Lava Jato, certo?
Continua a comparação: "Lá (como cá...) acusava-se a OMP de investigar apenas alguns setores da classe política, preservando outros (como o Partido Comunista)".

Lembra-se de o PT inteiro dizer que a Lava Jato é uma operação para destruir o partido? Na Itália, a defesa dos magistrados era que não haviam conseguido provas para indiciar outros setores.

Aqui, a defesa acabou sendo a realidade: a Lava Jato não poupa nenhum grande ou médio partido.

A operação desmonte da "Mãos Limpas" passou também por denúncias de excessos no uso de delações premiadas, de prisões e de escutas, como ocorre agora no Brasil.

Diz Pinotti, sobre a Itália: "As denúncias nunca foram comprovadas, mesmo depois de inúmeras investigações oficiais ocorridas desde então".

Creio que é o suficiente para que o público fique atento para evitar o desmanche da Lava Jato, que pode ter defeitos e pode até cometer abusos, mas tem um resultado positivo impossível de negar: prisões de intocáveis e a confissão de executivos de grandes empresas de que cometeram crimes.

Ninguém confessa nada se não cair na rede uma investigação bem feita".

Clóvis Rossi


Fonte: "folha.uol"

domingo, 21 de maio de 2017

O criminoso maior é o capitalismo mafioso

Joesley Batista da JBS, foto FSP


Clóvis Rossi, na Folha de SP

"Em meio ao tsunami de acusações a políticos de todas as cores, corre-se o risco de ficar escondido num cantinho o grande criminoso, que é o capitalismo tal qual praticado no Brasil (haverá quem diga que é o capitalismo “tout court”, mas aí entrar-se-ia em outra discussão).
Vou dizer uma obviedade, mas até obviedades se tornam necessárias quando se assiste, no horário nobre da TV, o deboche que foram os depoimentos da turma da JBS: para haver corrompidos, é indispensável que haja corruptores.

Simples assim.

Pior: são corruptores confessos, pelo menos nos casos da Odebrecht, da OAS e, agora, da JBS. A Odebrecht emitiu nota oficial, na qual admite ter adotado “práticas impróprias”.
É uma confissão agravada pela desfaçatez. Práticas impróprias é dizer muito pouco para a escala de corrupção praticado.

A JBS também adotou a mesma técnica de confissão, mas com uma desfaçatez ainda maior: insinuou que fez o que fez porque foi obrigada pela maneira usual de se relacionar com os poderes públicos no Brasil.

Corruptos, corruptores e cínicos: até parece que os que receberam recursos da empresa procuraram seus executivos com uma metralhadora na mão, prontos a dispará-la se não se recebessem a dinheirama que pediam.

Uma brilhante análise desse capitalismo mafioso está no artigo de Bruno Carazza para a Folha deste sábado (20). É imperdível de A a Z, mas vale ressaltar um trecho que generaliza corretamente:
De acordo com as regras de funcionamento do nosso capitalismo de compadrio, o sucesso de boa parte de nossas grandes empresas foi construído mediante corrupção, sonegação de impostos e lavagem de dinheiro. No melhor estilo ‘rent seeking’, nossos empresários investem em “relações institucionais” em vez de bens de capital, tecnologia e produtividade da mão-de-obra”.

Eu só trocaria “capitalismo de compadrio” por “capitalismo mafioso”. Os envolvidos, de um lado e outro do balcão, não são apenas compadres, são uma organização criminosa.

Carazza também deixa claro que os corruptores, pelo menos no caso da JBS, escapam com punições pecuniárias absurdamente leves. Ou, posto de outra forma, fica claro que o crime compensa para os grandes criminosos, embora possa, quando descoberto (tardiamente), pôr na cadeia alguns (poucos) corrompidos.

Não se trata apenas de um problema ético e moral, o que seria por si só bastante grave. É também uma questão de construção de um país. Carazza cita o livro “Por que as Nações Fracassam?”, de Daron Acemoglu e James Robinson, para afirmar: “A principal conclusão do livro é que sociedades que permitem uma relação umbilical entre sua elite econômica e o grupo que ocupa o poder tendem a produzir políticas públicas concentradoras de renda e antidemocráticas”.

É o Brasil desde sempre".



quarta-feira, 15 de março de 2017

Caixa 2 é coisa de bandido. Ponto

Fachada da sede da construtora Odebrecht, foto Folha de São Paulo

"Já houve antes, em 2005, uma conspiração para proteger os corruptos daquele momento, semelhante à que agora promovem PSDB, PMDB, PT e vários outros —prova cristalina de que são todos farinha do mesmo saco.

Torturam os fatos e a mais elementar lógica para tentar demonstrar que caixa 2 é uma atividade, digamos assim, natural, corriqueira até.

Que é corriqueira, prova-o definitivamente a afirmação de Emílio Odebrecht, patriarca afastado da notória empreiteira, segundo quem trata-se do "modelo reinante" na política desde sempre.

Esse desde sempre abrange, pelo tempo de vida da Odebrecht, também o período do regime militar, o que deveria servir para que os que ainda têm cérebro mas, mesmo assim, querem a volta dos militares, percebam que corrupção não distingue farda de terno.

Naquele já remoto 2005, no entanto, surgiu a voz de um notável advogado, Márcio Thomaz Bastos (morto em 2014), para produzir uma frase impiedosa mas perfeita: "Caixa 2 é coisa de bandido".

Ajuda-memória: Márcio era ministro da Justiça do governo do PT, o partido que, naquela época, era o mais afetado pelo escândalo (o do mensalão) e o que mais se batia pela tese de que tudo não passava de um inocente caixa 2.

Agora, não há uma voz tão respeitável e potente para evitar que prospere o fato alternativo de que caixa 2 não é coisa de bandido.

Vem, por exemplo, Fernando Henrique Cardoso para tentar separar o que é crime (corrupção) do que é "erro" (caixa 2). Falso. Caixa 2, se é coisa de bandido, como de fato é, não passa de coisa de bandido.

Se vai para o bolso dos beneficiados ou para o caixa de campanha, tanto faz, é uma vantagem indevidamente concedida a quem recebe o dinheiro.

Vem também Aécio Neves, o presidente do PSDB, para reclamar que a "criminalização" da política vai acabar provocando o surgimento de um "salvador da pátria".

Um caso cínico de confundir causa e consequência: o que pode provocar o nascimento de um "salvador da pátria" é o fato de que os políticos, com exceções raras, estão eles próprios criminalizando a política e ainda tentando blindar quem pratica os crimes.

Se a própria Odebrecht, a rainha do caixa 2 e da propina, confessa, em nota oficial, ter participado "de práticas impróprias em sua atividade empresarial", como é que alguém que se beneficiou de tais práticas pretende sair limpo?

Se Márcio Thomaz Bastos fosse vivo, diria que "práticas impróprias" é coisa de bandido. E tudo estaria dito".

Clovis Rossi


Fonte: "clovisrossi"