Em 1929, às vésperas da quebra da Bolsa
de Nova Iorque, John Rockefeller, o primeiro americano a ter mais de um bilhão
de dólares, vendeu todas as suas ações. Quando lhe perguntaram o motivo de ter
saído ileso da crise, Rockefeller explicou que ao engraxar o sapato e receber
do engraxate dicas sobre quais ações deveria comprar, percebeu a fragilidade do
mercado financeiro e retirou, a tempo, o seu dinheiro.
No último domingo, no trajeto
Copacabana-Santos Dumont, lembrei-me da depressão de 1929. Conversa vai e vem,
respondi ao motorista curioso que era economista. Foi o suficiente para ouvir,
de bate-pronto, uma pergunta: “Pedalada é crime mesmo?” Entre um copo d'água e
uma bala, percebi que a fraude fiscal já tinha se tornado um assunto popular.
Assim, conversamos não apenas sobre as
“pedaladas”, mas também sobre outros aspectos da reprovação das contas da
presidente por parte do TCU e sobre o processo do impeachment. A meu ver, a
maquiagem das contas públicas para viabilizar a reeleição, arquitetada por
Mantega, Arno e outros auxiliares diretos da presidente, teve quatro pontos
principais.
Inicialmente, o governo, em fevereiro
de 2014, fraudou um decreto de programação financeira e de contingenciamento.
Esse decreto, com base na arrecadação e na projeção de despesas, teve o
objetivo de criar limites para os dispêndios naquele exercício. Ocorre que a
área econômica já tinha conhecimento, por exemplo, da frustração de receitas do
Fundo de Amparo ao Trabalhador (R$ 5 bilhões) e de que precisaria suplementar
as despesas com o seguro-desemprego (R$ 9 bilhões). Desta forma, o
contingenciamento que o governo realizou no início do ano deveria ter sido
maior em, pelo menos, R$ 14 bilhões. Se o fizesse, porém, teria que cortar
despesas importantes em um ano eleitoral, como investimentos em obras públicas,
aquisição de tratores para distribuir entre as prefeituras etc. Prevaleceu o
marketing.
As “pedaladas” compuseram o lado
financeiro da fraude. Ter orçamento não era suficiente. Era preciso ter o
dinheiro. A solução foi dar ordem aos bancos públicos para pagar com seus
próprios recursos, em montantes extremamente elevados, o que deveria ter sido
custeado pelo Tesouro, fazendo com que as entidades financeiras, na prática,
financiassem o seu controlador, a União. Desse modo, ilegalmente, sobrou
dinheiro para inaugurações, distribuição de verbas e favores como forma de
fingir que o país não estava quebrado. O fato continuou a acontecer no primeiro
ano do segundo mandato da presidente.
A terceira falta grave foi a presidente
ter emitido diversos decretos de abertura de créditos adicionais, o que só
poderia ter sido feito por lei, ou seja, pelo Congresso Nacional. Por fim,
complementando a lista de atos irregulares, o Banco Central não contabilizou
como dívida pública as pedaladas, que somavam cerca de R$ 40 bilhões.
Dessa maneira, a presidente espancou de
forma intencional a Lei de Responsabilidade Fiscal (artigos 4, 5, 8, 9, 36 e
38), a Lei Orçamentária (artigos 9, 10 e 11) e a própria Constituição (artigos
85 e 167), fatos que constituem crime de responsabilidade cuja punição é o
impeachment. Simples assim...
Com essas ações deliberadas,
propositais e de má-fé, os brasileiros foram enganados quanto à real situação
da economia brasileira. Às custas da mentira e da falsificação das contas
públicas, a presidente foi reeleita. A fraude fiscal foi o principal
instrumento do estelionato eleitoral.
Os marqueteiros que criaram as frases “Eu
não roubei”, “impeachment sem crime é golpe”, desconsideraram os fatos ou
apresentaram justificativas pífias. O “fora Dilma", entretanto, dado por
72% dos deputados praticamente interdita a presidente. Caberá ao Senado admitir
o processo e afastá-la, de imediato, por 180 dias.
A Lava-Jato, porém, tem que continuar.
O PMDB e o PP são sócios do PT nas fraudes da Petrobras. Os presidentes da
Câmara e do Senado, Cunha e Renan, precisam ser julgados rapidamente, pois
desmoralizam o Congresso Nacional. Já basta, por exemplo, entre os 513
deputados, 299 terem ocorrências judiciais, segundo a agência Lupa. A fila tem
que andar para que sejam punidos todos os envolvidos no maior escândalo do
mundo, no roubo das merendas, no mensalão mineiro etc. Pouco importa a que
partidos pertençam. Dilma e o PT são apenas a bola da vez.
O impeachment será pedagógico para que
todos os brasileiros entendam, tal como o motorista do Uber, que é crime de
responsabilidade sim um candidato-presidente destroçar a economia do país para
enganar uma nação.
Gil Castello Branco é economista e
fundador da organização não-governamental Associação Contas Abertas