Em 30/06/2000 às 10h30min horas, na sede da Álcalis,
reuniram-se pela primeira vez os membros do Consórcio Intermunicipal Lagos São
João (CILSJ), sua história de criação estando descrita em "Consórcio Intermunicipal Lagos São Joao". Consta da ata da reunião que “iniciou-se (sic) os trabalhos
com a palavra do Secretário Executivo do Consórcio Ambiental, Dr. Luis Firmino
Martins Pereira, [então agente regional da FEEMA], explanando o plano de ação
de gestão ambiental e a estratégia de trabalho através de Grupos de trabalho”.
A pauta da reunião era “Renovação da Água na Lagoa de Araruama”.
“Variações Morfológicas da Chlorophyta da Lagoa de Araruama,
Rio de Janeiro, relatório de pesquisa de Renata Perpetuo Reis, do Instituto de
Pesquisa Jardim Botânico do Rio de Janeiro e “Aspectos Ambientais e atividade
de Pesca em Lagoas Costeiras Fluminenses”, relatório de pesquisa de Lisia
Vanacôr Barroso e Marcelo Corrêa Bernardes, ambos do IBAMA, importantíssimos
para subsidiar as decisões que o Consórcio iria tomar, já haviam sido
publicados em revistas técnicas em 1994 e 2000, respectivamente, mas foram
ignorados por todos os membros do Consórcio. Passaram a viver um mundo próprio.
Mais tarde, em 2003, iriam também ignorar outro importantíssimo documento, a
tese de mestrado de Antônio Carlos Bittencourt Cunha. Desde 2002 vinha
desenvolvendo o estudo hidrodinâmico da Lagoa de Araruama que chegou a ser
mencionado numa reunião do Consórcio pelo secretário-executivo Dr. Luis Firmino
Martins Pereira, atual sub-secretário estadual do ambiente. Não se deram ao
trabalho de consultá-lo. Tivessem feito isso, ou pelo menos entrado em contato
com ele, até mesmo com um simples telefonema, teriam evitado as trágicas consequências
das decisões que tomaram. O Consórcio se bastava e se basta, porque continua a
agir.
A escolha da pauta, e tudo mais o que se seguiu, mudou o
destino da Região dos Lagos, definiu o futuro da Lagoa de Araruama, chegando-se
à atual condição. Naquela manhã já havia o entendimento de que era necessário
dragar o canal Itajuru, as dragas da Álcalis já estando à disposição. Um único
participante da reunião alertou “que uma dragagem sem estudo prévio deve
acarretar graves danos ambientais de maior conseqüência que o estado atual da
Lagoa. Danos até irreversíveis”.
A leitura da ata deixa claro que nenhum dos participantes
tinha conhecimento dos relatórios das pesquisas citadas acima. O que dizem
elas? Leia-se o que Renata Perpetuo Reis concluiu: “Do Boqueirão [São Pedro da
Aldeia] até o interior da lagoa a salinidade varia de 56 a 76 não havendo ai
influência da maré. A circulação da água nesta porção é devida a corrente
eólica...”. O que a pesquisadora confirmou é o que havia sido comprovado em 1955:
a lagoa de Araruama é, para todos os efeitos, fechada, a troca de água com o
oceano através o canal Itajuru sendo desprezível; a corrente marinha no
interior da lagoa é devida ao vento.
Mas o Consórcio, refratário às idéias de outrem, adotou como
verdadeira a noção de que a água da Lagoa de Araruama é renovada através o
canal Itajuru. Não se sabe como surgiu essa noção, uma lenda, melhor dizendo. A
verdade é que fora as observações do grupo de geógrafos que esteve na Região
dos Lagos em 1955, nunca foi realizada ou proposta uma pesquisa cujo objetivo
fosse determinar o tempo dessa suposta troca. E a lenda ganhou força,
tornando-se uma verdade inquestionável. Em 14/11/2006 a página na Internet do
G1-Globo.com publicou a seguinte nota: “o tempo de renovação completa da água
da lagoa chegou próximo a um ano contra os cerca de 90 dias que eram
registrados na década de 80. Com as obras do programa de revitalização, este
tempo será ainda menor, de entre 30 e 60 dias”. De onde saiu essa informação?
Quem fez o estudo na década de 80? Quem fez o estudo para concluir que o tempo
seria reduzido para 30 dias? O jornal não revela o nome do informante e não
verificou a autenticidade da informação. Se tivesse feito isso descobriria que
o que foi afirmado não aconteceu nem poderia acontecer. Mas poderia ter feito
as contas. A lagoa tem um volume de cerca de 600 milhões de metros cúbicos e no
canal Itajuru, com oito quilômetros, se acomodam 3 milhões de metros cúbicos.
Se a renovação da água ocorrer em 30 dias tem-se, diariamente, 20 milhões de
metros cúbicos entrando no canal num período de seis horas, ou 3,5 milhões de
metros cúbicos por hora. Seriam quatro tsunamis diários, se alternando na
entrada e na saída da água. Na entrada varreria a Ilha dos Anjos; na saída, o
Forte São Mateus, duas vezes por dia, durante um mês, doze vezes por ano. Tais
contas bastariam e bastam para, pelo menos, desconfiar de que há algo bastante
errado com as informações passadas ao jornal. Informações que permanecem na
Internet, circulando o mundo.
A história da Região dos Lagos ficou inexoravelmente ligada
às deliberações do Consórcio Intermunicipal Lagos São João (CILSJ) e do
presidente do INEA. Trataram desde a imposição da implantação do sistema de
coleta de esgoto em tempo seco nos municípios atendidos pelas concessionárias
Prolagos e Águas de Juturnaíba, até as dragagens no canal Itajuru, na lagoa das
Palmeiras e na lagoa de Araruama. E de coisas como a questão de como deve ser
conduzida a pesca na lagoa e a distribuição de cestas básicas para as famílias
prejudicadas pelas suas ações. A leitura das atas de onze reuniões, entre junho
de 2000 e junho de 2004, proporciona uma visão bem nítida de porque, em apenas
quatro anos, o destino da Região dos Lagos tomou um rumo inesperado.
De cada ata foram selecionados alguns registros que, juntos,
constituem os momentos inesquecíveis ao longo daqueles quatro anos. Serão
apresentados em um artigo, parte de uma série que descreve em linha gerais o
cenário caótico no contexto do qual se inserem os empreendimentos imobiliários
que foram objeto de notícias publicadas por CIDADE-ONLINE.
Por estarem disponíveis para leitura na Internet as atas das
reuniões do CILSJ, dos comitês e dos grupos de trabalho, tornou-se possível se
ter uma noção do que aconteceu e como aconteceu. Lembra o caso da guarda dos
arquivos do período nazista na Alemanha e das famosas fitas de Richard Nixon.
Deveriam tê-las destruído. Há nelas coisas realmente bizarras.
Ernesto Lindgren
Nenhum comentário:
Postar um comentário