Processo: 0002762-90.2013.8.19.0078
"O Ministério Público ofereceu denúncia em face de DELMIRES
DE OLIVEIRA BRAGA, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 10, da Lei
7.347/85. A denúncia narra que o réu, entre 08/06/2011 e o final de 2012, durante
o expediente comercial, na Estrada Velha da Usina, Shopping da Caneta, Horto
Municipal, na sede da Prefeitura Municipal, em Armação dos Búzios - RJ, na
qualidade de Prefeito, teria omitido dados técnicos indispensáveis à
propositura de ação civil pública, requisitados pelo Ministério Público do
Estado do Rio de Janeiro, através de sua 1ª Promotoria de Justiça de Tutela
Coletiva - Núcleo Cabo Frio. No período mencionado, o Ministério Público teria
expedido os ofícios 390/11, de 08/06/2011; 454/11, de 21/06/2011; e 854/11, de
10/11/2011; e 326/12, de 08/05/2012 ao réu, visando instruir inquérito civil
48/11 com cópia do plano diretor, da lei municipal de uso do solo, do processo
administrativo 11735/10, de atos regulamentadores do estudo de impacto de vizinhança,
além de informações sobre o licenciamento do empreendimento denominado Riviera
Soleil Búzios. O Ministério Público diz que essas informações não foram
obtidas, uma vez que o réu, na qualidade de Prefeito Municipal,
deliberadamente, não as teria prestado, omitindo-as e, assim, teria
obstaculizado a propositura das medidas judiciais cabíveis, inclusive ação
civil pública. A denúncia foi oferecida em 28/06/2012 (fl. 174) e veio
instruída com os autos do procedimento administrativo MPRJ 2012.00982300 (fls.
02/174), que apresentam cópia dos ofícios 390/11, de 08/06/2011 (fls. 20/21);
454/11, de 21/06/2011 (fl. 34); e 854/11, de 10/11/2011 (fl. 68); e 326/12, de
08/05/2012 (fl. 109/110)".
Sentença: 11/08/2014
Juiz: Gustavo Favaro Arruda
"Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva
narrada na denúncia, para condenar DELMIRES DE OLIVEIRA BRAGA, pela a prática
do crime previsto no art. 10, da Lei 7.347/85, por quatro vezes, em
continuidade delitiva. Passo a dosar a pena a ser-lhe aplicada, o que faço com
observância ao disposto no art. 68, ´caput´, do Código Penal. Analisadas as
diretrizes do art. 59 do Código Penal, observo que a os antecedentes, a conduta
social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias, as
consequências do crime, bem como o comportamento da vítima são todos normais à
espécie. A culpabilidade é negativa, pois o crime foi praticado enquanto o réu
ocupava o cargo de Prefeito do Município de Armação dos Búzios - RJ. Quando o
chefe do executivo pratica crime doloso, desafiando o Ministério Público, atrai
maior juízo de reprovabilidade para sua conduta, muito além do que ocorre com
os demais representantes do primeiro e segundo escalões de governo. Além disso,
o chefe do executivo é o responsável pela organização hierárquica do governo,
tendo a sua inteira disposição todo o aparato governamental para desempenhar
sua função. Por isso, na primeira fase da dosimetria, fixo a pena-base em 01
ano e 03 meses de reclusão e 133 ORTNs. Na segunda fase da dosimetria, incide a
circunstância agravante prevista no art. 61, II, 'g' do Código Penal, pois o
crime foi praticado com violação a dever inerente ao cargo. O chefe do
executivo é a última instância na estrutura hierárquica municipal. Guardião
supremo da legalidade e probidade administrativas. É dever inerente ao chefe do
executivo municipal determinar a apuração rígida dos desvios havidos em obras
relativas ao fracionamento e ocupação do solo urbano. Assim, na segunda fase da
dosimetria, a pena do réu atinge 01 ano, 05 meses e 15 dias de reclusão e 155
ORTNs. Na terceira fase da dosimetria, incide a causa de aumento relativa à
continuidade. Como foram 04 os crimes praticados, a fração de aumento deve ser
fixada em 2/3. Desta forma, torna-se definitiva a pena do réu em 02 anos, 05
meses e 15 dias de reclusão e 258 ORTNs. Fixo como regime inicial de
cumprimento da pena o semi-aberto, conforme postula o art. 33, §1º, 'b', do
Código Penal, pois, embora a pena aplicada não seja superior a 4 anos, são
negativas as circunstâncias do art. 59 do Código Penal. Substituo, no entanto,
a pena privativa de liberdade por 02 restritivas de direitos. A primeira
consistirá em prestação de serviços à comunidade e a segunda será de
comparecimento mensal a Juízo, até o dia 10 de cada mês, para justificar suas
atividades. Após o trânsito em julgado, expeça-se guia de encaminhamento à
Prefeitura de Armação dos Búzios, para que providencie o cumprimento da pena de
prestação de serviços à comunidade. O réu respondeu a este processo livre. Não
havendo alteração das circunstâncias mencionadas no art. 312 do Código de
Processo Penal, reconheço o seu direito de apelar em liberdade. Deixo de fixar
o valor da reparação de danos, nos termos do art. 387, IV, do Código de
Processo Penal, porque o crime em referência não possui vítima específica.
Condeno o réu no pagamento das custas (art. 804 do Código de Processo Penal).
Após o trânsito em julgado, promovam-se as comunicações e anotações necessárias
e procedam-se as diligências cabíveis. Regularizem-se as folhas da assentada de
01/04/2014, arquivando-se o CD que se encontra à fl. 209v, pois há duplicidade
com a mídia que deve prosseguir nos autos, já acostada à fl. 210.
Certifique-se. Publique-se. Registre-se. Intimem-se".
TJ-RJ - 4ª Câmara Criminal
Apelação Criminal n.º 0002762-90.2013.8.19.0078
APELANTE: DELMIRES DE OLIVEIRA BRAGA Adv.: DR. SERGIO LUIZ
DA SILVA SANTOS; DRA. RENATA LIMA DE ALENCAR; DR. JOSÉ GARIOS SIMÃO APELADO:
MINISTÉRIO PÚBLICO Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Armação de Búzios
RELATOR: DES. JOÃO ZIRALDO MAIA
ACÓRDÃO- 9/6/2015
Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação nº
0002762-90.2013.8.19.0078, onde figuram as partes preambularmente epigrafadas,
A C O R D A M os Excelentíssimos Senhores Desembargadores que compõem a Colenda
Quarta Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, em Sessão realizada no dia 09/06/2015, por maioria, EM CONHECER DO RECURSO
e DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO, nos termos do voto do Des. Relator, vencida a
Des. Gizelda Leitão Teixeira, que o provia integralmente.
V O T O
Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso. Pretende a defesa a absolvição do recorrente ao argumento de
que a conduta seria atípica, uma vez que esta não se amolda o tipo penal. Alega que o tipo penal imputado exige que os documentos
solicitados sejam de natureza técnica, que sejam indispensáveis à propositura
de ação civil pública, que o agente seja servidor ou autoridade para prestar
informações, bem como que o não fornecimento destas tenha ocorrido com dolo e
com intuito de obstar a propositura da ação civil pública.
Salienta que o apelante não detinha a capacidade técnica necessária
ao esclarecimento da questão suscitada pelo Ministério Público, pelo que todos
os ofícios recebidos pelo recorrente fossem encaminhados aos setores
competentes.
Em que pesem os argumentos sustentados pela combativa
defesa, razão não lhe assiste.
Materialidade e autoria consubstanciadas pela cópia dos
ofícios 390/11, de 08.06.2011 (fls. 20/21 – e-doc 00026/27); of. 454/11, de
21.06.2011 (fls. 34 – e-doc 00042); 854/11, de 10.11.2011 (fls. 68 – e-doc
00086/87) e of. 326/12, de 08.05.2012 (fl. 109/110 – e-doc 00130/131), bem como
pela prova oral produzida em juízo sob o crivo do contraditório.
Paula Castedo Carqueja, Técnica de Notificações do
Ministério Público afirmou que:
“Viu o réu poucas vezes e que a dinâmica das entregas ao
Prefeito era sempre a mesma. A secretária entrava no gabinete, ele assinava e
retornava para a depoente, que ficava na porta esperando. Confirma que as
notificações são assinadas pelo próprio réu. Mostrada para a testemunha as fls.
114/116 do procedimento administrativo foi afirmado pela mesma que corresponde
sua assinatura. A declarante não via o acusado assinar o recebimento dos
ofícios, afirmando que nunca lhe foi permitido ingressar no gabinete, pois a
secretária sempre lhe barrava lá fora e dizia que esse era o procedimento
inclusive para os oficiais de justiça. Todavia ela ficava na porta aguardando a
assinatura e considerava que a assinatura e o carimbo eram efetivamente do
acusado. As vezes em que ele não estava a depoente não entregava nada; que
inclusive ligava para o gabinete para se informar se ele se encontrava.”
O acusado Delmires em seu interrogatório afirmou que:
“Tem 3 mandatos de Prefeito e sempre teve respeito por todas
as instituições, porém todas as intimações que chegavam ao gabinete direcionava
imediatamente para a secretaria competente, para o corpo técnico responder; que
reconhece como sua a assinatura de fls. 116 do procedimento do Ministério
Público; que além de encaminhar para a secretaria responsável, remetia uma
cópia para a Procuradoria Geral; que a secretaria competente tinha a
recomendação que respondesse imediatamente; que no caso encaminhava para a
Secretaria do Planejamento e mandava uma cópia para a Procuradoria acompanhar;
a resposta era feita diretamente pelo secretário e pelo corpo técnico; que
perguntado se quando recebeu as reiterações não lhe pareceu estranho que as
solicitações não tivessem sido atendidas, afirmou que pareceu estranho e teve
que dar a resposta, acrescentando que não lembra do ofício em si porque são
muitos, mas parece que quando houve reiteração responderam o último, pois
verificaram que não havia sido respondido o pedido do MP.”
Os ofícios do
Ministério Público buscavam instruir inquérito civil 48/2011, instaurado para
apurar a incorporação, construção e venda de unidades em conjunto imobiliário
denominado "Riviera Ville Soleil", que estaria em contrariedade com o
plano diretor da cidade e com a respectiva lei de uso do solo, na medida em que
haveria mais unidades do que permitido em lei; haveria um espaço comercial com
área superior à permitida em lei e o empreendimento estaria desrespeitando a
medida de afastamento mínimo do mar.
Para tal fim, requisitou o parquet cópias relativas ao Plano
Diretor, bem como informações sobre o licenciamento do referido empreendimento
e ainda o posicionamento da municipalidade sobre as irregularidades apontadas
pelo ora requisitante (ofício 390/11, de 08.06.2011 – e-doc 00026/27). Outrossim, requisitava a cópia integral do Processo Administrativo n° 11.735/10, bem como dos
atos regulamentadores do estudo de impacto de vizinhança previsto no art. 55, §
único do Plano Diretor da Cidade (ofício 454/11, de 21.06.2011, e-doc
00042, reiterado pelos ofício 854/11, de 10.11.2011 e 326/12, de
08.05.2012. Tais informações seriam indispensáveis à eventual
propositura de ação civil pública e o Prefeito seria a autoridade que detinha
poderes para apresentar as respostas. Restou comprovado que as requisições eram encaminhadas
diretamente ao gabinete do acusado, então Prefeito à época dos fatos.
Não merece prosperar a alegação da defesa de que o apelante
não detinha capacidade técnica necessária ao esclarecimento da questão
suscitada, bem como que o processo se
localizava no Gabinete de Planejamento e Orçamento, o qual seria o órgão
competente para prestar as informações requeridas. Também não encontra guarida a alegação de que o fato de o processo administrativo se encontrar no
referido gabinete obstou a pretensão do Procurador do Município e do
recorrente, que não tiveram acesso aos autos. Isso porque como consignado pelo ilustre sentenciante, “na
estrutura do executivo, o Prefeito é a autoridade máxima, podendo sempre avocar
as competências específicas de seus subordinados”, o que é usual desempenho de
sua função.
Assentou ainda que “bastaria ao Sr. Prefeito, em atenção ao
princípio da legalidade, conseguir o máximo empenho da estrutura administrativa
do executivo, de seus secretários e assessores, para que as informações fossem
apuradas e repassadas ao Ministério Público com rapidez”, o que não foi
feito.
Nesse contexto, o procedimento do acusado denota que o mesmo
obrou com dolo, tendo realizado dessa forma, objetiva e subjetivamente a
conduta do crime previsto no art. 10 da Lei 7.347/85, que está em recusar,
retardar ou omitir dados técnicos, indispensáveis à propositura da ação civil
pública.
No entanto a sentença merece reparo no que tange à dosimetria da pena. A pena-base deve ser fixada em seu patamar mínimo de 01 ano
e 100 ORTN, uma vez que a argumentação utilizada pelo sentenciante para o
afastamento do mínimo não se reveste de fundamentação idônea, tendo em vista que
utilizada para o aumento na segunda fase, o que configuraria bis in idem,
vedado pelo ordenamento jurídico.
Na segunda fase, elevo a pena em 1/6 por força da
circunstância agravante prevista no art. 61, II, “g”, do CP, em razão de ter
sido o crime praticado com violação de dever inerente ao cargo, resultando 01
ano, 02 meses de reclusão e 116 ORTN.
Na terceira fase considerando que os delitos foram
praticados em continuidade delitiva e ainda levando em conta que foram 04 os
crimes praticados, reputo suficiente o aumento em ½, acomodando-se as penas
definitivas em 01 ano e 9 meses de reclusão e 174 ORTN.
Ante as considerações expostas, voto no sentido de dar
parcial provimento ao recurso para reduzir as penas para 01 ano e 9 meses de
reclusão e 174 ORTN, mantendo no mais a sentença.
Rio de Janeiro, 09 de junho de 2015.
Desembargador JOÃO ZIRALDO MAIA Relator
Fonte: TJ-RJ
Observação: os grifos e os destaques são meus.
HÁ CINCO ANOS NO BLOG - 2 de julho de 2010
“Mercado Municipal do Artesão”