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segunda-feira, 29 de julho de 2019

Momento histórico em Búzios: fazendeiro devolve terras aos quilombolas da Baía Formosa

Prefeito de Búzios Henrique Gomes e a presidente da  Associação dos Remanescentes Quilombolas de Baía Formosa Beth Fernandes


Ninguém esperava, mas ela interrompeu a reunião que acontecia em Búzios entre Ministério Público Federal, o proprietário de terras da fazenda Porto Velho e o representante do Aretê, um grande empreendimento interessado nas terras. Discutiam questões ambientais relativas à ocupação da área, e Beth Fernandes chegou de surpresa para ampliar a pauta.  
Naquele dia, pela primeira vez o MPF tomou conhecimento dos quilombolas de Baia Formosa e de sua triste e violenta história de expulsão das terras ocupadas há gerações, por seus familiares.
É uma situação que a meu ver é um absurdo, porque os quilombolas são os verdadeiros proprietários da terra. É isso que entende a Constituição – afirma o procurador do MPF, Leandro Mitidieri, se referindo ao que aconteceu na Baía Formosa na década de setenta.
Desse jeito, puxada por Beth, uma quilombola que queria ver o pai pisar novamente na terra de seus ancestrais, começou a luta que geraria uma decisão pioneira no Brasil. Na última quinta-feira, dia 25, Francisco da Cunha Bueno, filho de Henrique, o fazendeiro que nos anos 70 expulsou cerca de sessenta famílias quilombolas de suas terras, devolveu a eles seu direito ancestral. Após intensas negociações, entregou 800 mil metros de área da Fazenda Porto Velho para a Associação dos Remanescentes Quilombolas de Baía Formosa, reparando um episódio cruel do passado, inserindo um novo capítulo na história do Brasil, da cidade de Búzios e seus moradores.
O acordo, encabeçado pelo procurador do MPF Leandro Mitidieri, o proprietário Francisco da Cunha Bueno, o representante do empreendimento Aretê, Paulo Pizão, o procurador da Advocacia Geral da União, que atua pelo Incra, Diogo Tristão e a Associação dos Remanescentes Quilombolas de Baia Formosa, na pessoa de Beth Fernandes, foi concluído durante uma grande assembleia no quilombo, com presença maciça da comunidade. O acordo permite o retorno dos quilombolas à sua área. Hoje o grupo soma aproximadamente 120 famílias que receberão o direito ao território coletivo.  
Eu disse que um dia eu ia apresentar pra você o pessoal, os quilombolas. E esse grupo que está aí, são todos das famílias expulsas – disse Beth se dirigindo ao fazendeiro Francisco, mostrando a comunidade presente – Queria muito que meu pai estivesse aqui hoje para viver este momento com a gente. Nós começamos a perder nossos velhinhos todos e é com muita emoção  que vejo o Seu Nelson participando conosco desse dia. Queria muito que todos pudessem novamente andar na terra que era deles, pisar nesta terra – concluiu Beth.
Representante mais antigo das famílias presentes, Seu Nelson Pedro sorria e apertava com satisfação a mão do fazendeiro Francisco.
A minha família toda é daqui. A minha avó Gregória é daqui. Tenho vontade de voltar ao meu local, eu tenho vontade de vir pra cá. Saímos da nossa terra, com licença da expressão, escorraçados… a gente plantava laranja, aipim, tinha abóbora, tinha de tudo o que dá na terra. Tinha casa de farinha. Seu pai tirou a gente, mas você tem bom coração. Eu estou muito satisfeito com o acordo de hoje. Quero criar galinha, plantar…
Sensibilizado, Francisco convidou toda a comunidade quilombola para se reunir já neste início de agosto, e juntos, entrarem nas terras do quilombo.
Vamos combinar uma coisa aqui. Seu Nelson, Seu Zé, as pessoas que se sentiram sofridas aqui. A área já é de vocês. Semana que vem a gente entra, faz uma oração junto, quero entrar de mãos dadas com o senhor, Seu Nélson. A área já é de vocês! – ressaltou.
Prefeitura de Búzios apoia Quilombo de Baía Formosa
Destacando a importância deste momento de reparação histórica, que já é um marco para Búzios e para o Brasil, o prefeito em exercício Henrique Gomes, acompanhou a conclusão do acordo. Ele falou de sua origem na roça do interior do estado, onde vivenciou a expulsão do homem do campo e afirmou ser uma grande vitória o acordo conseguido pelos quilombolas. Henrique parabenizou todos os envolvidos nas negociações, destacou a atitude do fazendeiro em reconhecer o direito das famílias e reforçou seu total apoio ao Quilombo de Baía Formosa.
Incra acata acordo de doação, reconhece território quilombola e inicia processo de regularização fundiária
Satisfeito com o sucesso da conclusão do acordo que garante a doação de terras aos quilombolas, Diogo Tristão, procurador da Advocacia Geral da União, e que atua pelo Incra, explica que doação é do proprietário da fazenda diretamente para a associação quilombola. De particular para particular, e que o Incra acata esta decisão e reconhece a área como território coletivo quilombola.
Esta decisão é pioneira no país. Podemos exportar este bom exemplo do Quilombo de Baía Formosa – afirma. Diogo explica também que a doação concluída agora, não inclui toda a área ocupada pelo quilombo de Baia Formosa. Locais vizinhos à fazenda Porto Velho da família Cunha Bueno, conhecidos como Núcleo Manoel e Cezarina, Núcleo Zebina, e o Poço da Pedra, também são áreas quilombolas, que já estão sendo cadastradas pelo Incra para o processo de regularização fundiária e titulação.
História do Brasil
De acordo com a antropóloga do Incra, Camila Moreira, a ocupação das terras de Baía Formosa pelas famílias, data de 1850. A área em questão era parte da imensa fazenda Campos Novos, que foi sendo desmembrada no século dezenove, se transformando em várias fazendas distintas, com donos diferentes.
Passaram diferentes proprietários, a fazenda mudava de dono, mas as famílias permaneciam morando e trabalhando na terra, sempre fazendo o acordo de colonato ou arrendamento, como era chamado na época. As pessoas moravam na fazenda e em troca trabalhavam para o proprietário. Em 1970 esses acordos são rompidos por uma modernização do campo, e valorização da terra, e em Búzios, como em todo o Brasil, acontece um processo de expulsões dessas famílias.
Depoimentos:
Rejane Maria de Oliveira, da Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas
Estou aqui junto com a comunidade de Baía Formosa tomar posse de mais uma vitória das comunidades quilombolas do Brasil. É um exemplo, a comunidade passou por diversas dificuldades e hoje está tomando posse daquilo que é de direito dela, e foi tomado lá atrás. Acreditamos na mudança, no poder de uma comunidade tradicional. Sou do quilombo da Maria Joaquina onde hoje também lutamos para ter direito ao local onde nossos antepassados foram escravizados. Já estamos adiantando o nosso RTID – relatório técnico de identificação e delimitação, uma peça técnica do Incra que fundamenta o processo de regularização. Acreditamos que em cerca de três anos a nossa comunidade consiga a sua área original, conforme nos garante o decreto do governo federal sobre a questão quilombola.
Lúcia Maria, quilombola de Baía Formosa
Da minha família, a que chegou primeiro em Baia Formosa foi a minha bisavó, Marta. A gente saiu daqui porque a fazenda despejou todo mundo. Começaram afrontando os moradores, até boi no quintal da gente. A gente dormia com boi rodando a casa, as paredes. As coisas da roça, boi comeu tudo, pisava por cima… O padrasto do meu marido tinha plantação de laranja, teve que deixar tudo aí pra boi comer, abandonar tudo. Cada um foi morar num lugar, Jardim Peró, Jardim Esperança…
Somos nascidos e criados aqui. Tinha casa de farinha, aipim pra comer bastante, no brejo a gente pescava peixe, os que sabiam fazer cesto iam pro mato tirar cipó, uns trabalhavam na roça… então era aquela fartura! Tinha laranja, aipim, batata, abacaxi, feijão…a gente nem sabia o que era comprar pão, era biju da casa de farinha.
Paulo Pizão, representante do empreendimento Aretê
Acompanho o projeto há 11 anos. A comunidade quilombola está conseguindo um resultado de milhões, porque esta terra avaliada no mercado, vale milhões. Destaco o trabalho da Beth, incansável, do proprietário em ir entendendo e cedendo esta área enorme. Eu nunca imaginei que isso pudesse acontecer. E destaco o Dr. Leandro do MPF, que soube conduzir muito bem esta questão, atento ao direito histórico da população. O acordo de hoje é um marco cidadão para o país

sábado, 13 de abril de 2019

O amigo do amigo de meu pai

Capa da revista Crusoé
O site "O Antagonista" publicou uma série de posts nos últimos dois dias sobre documento publicado na Revista Crusoé no qual Marcelo Odebrecht revela aos investigadores da Lava Jato o codinome que usava para se referir ao ministro José Dias Toffoli, presidente do STF, na empreiteira. 

Dia 11/04/
Exclusivo: o codinome de Toffoli, segundo Marcelo Odebrecht

Os repórteres Rodrigo Rangel e Mateus Coutinho, da Crusoé, tiverem acesso exclusivo a uma informação que chegou às mãos da Lava Jato. Marcelo Odebrecht revelou aos investigadores o codinome que usava para se referir ao ministro José Dias Toffoli, presidente do STF, na empreiteira. PGR recebeu informação de Toffoli em fevereiro

O Antagonista apurou que Raquel Dodge recebeu em fevereiro a informação da Lava Jato sobre a troca de emails de Marcelo Odebrecht mencionando o “amigo do amigo do meu pai”, como revelou a Crusoé. A PGR nega ter sido informada.

12/04/
Vocês fecharam com o amigo do amigo do meu pai?”

Na última terça-feira, diz a Crusoé, um documento explosivo enviado pelo empreiteiro-delator Marcelo Odebrecht foi juntado a um dos processos da Lava Jato que tramitam na Justiça Federal de Curitiba. As nove páginas trazem esclarecimentos que a PF havia pedido a ele, a partir de uma série de mensagens eletrônicas entregues no curso de sua delação premiada. A primeira dessas mensagens foi enviada pelo empreiteiro em 13 de julho de 2007 a dois altos executivos da Odebrecht, Irineu Berardi Meireles e Adriano Sá de Seixas Maia. Marcelo Odebrecht pergunta aos dois: Afinal vocês fecharam com o amigo do amigo do meu pai?”.

Ministros chocados e pasmados com Dias Toffoli

Um ministro do STJ disse a Josias de Souza que ficou “chocado” com Dias Toffoli. E um ministro do STF disse que ficou “pasmado”. Não, eles não se referiam ao fato de que Dias Toffoli era tratado por Marcelo Odebrecht como “amigo do amigo do meu pai”, como revelou a reportagem da Crusoé. Eles ficaram “chocados” e “pasmados” porque Dias Toffoli aceitou participar de um encontro do Conselho de Ministros Evangélicos, no Rio de Janeiro.

Odebrecht: “‘Amigo do amigo de meu pai’ se refere a José Antonio Dias Toffoli”

Crusoé conta que a Lava Jato pediu esclarecimentos a Marcelo Odebrecht sobre a identidade do “amigo do amigo do meu pai” citado num de seus e-mails. Ele respondeu:
(A mensagem) Refere-se a tratativas que Adriano Maia tinha com a AGU sobre temas envolvendo as hidrelétricas do Rio Madeira. ‘Amigo do amigo de meu pai’ se refere a José Antonio Dias Toffoli”. AGU é a Advocacia-Geral da União. Dias Toffoli era o advogado-geral em 2007.

Amigo julga Amigo

O “amigo do amigo” pode julgar o “amigo”? Em outras palavras: Dias Toffoli pode julgar Lula no STF, sobretudo em casos envolvendo a Odebrecht?

Lula prometeu compensar Odebrecht em dobro”

Crusoé informa que, ao explicar suas mensagens para a Lava Jato, Marcelo Odebrecht não envolveu apenas Dias Toffoli, o “amigo do amigo” de seu pai.Ele envolveu também Lula, o “amigo” de seu pai. Ao se referir à decisão da empresa de abrir mão de um contrato de exclusividade com seus fornecedores no processo de licitação da usina de Santo Antônio, Marcelo afirma que a medida foi adotada a partir de uma conversa privada entre Lula e Emílio Odebrecht. Diz ele: Esta negociação foi feita entre Emílio Odebrecht e o presidente Lula (‘amigo de meu pai’) que prometeu compensar a Odebrecht em dobro (de alguma forma que só Emílio Odebrecht pode explicar)”.

É mais um fato grave que exige apuração rigorosa”

O senador Alessandro Vieira disse a O Antagonista que a revelação do codinome de Dias Toffoli por Marcelo Odebrecht é mais uma prova de que a CPI da Lava Toga precisaria ser instalada. É mais um fato grave que exige apuração rigorosa.”

Na última quarta-feira, a CCJ arquivou o requerimento de criação da CPI, o que tende a ser confirmado no plenário. O próprio autor do pedido reconheceu que será muito difícil reverter o resultado do colegiado, mas antecipou que poderá colher assinaturas para uma terceira tentativa de instalar a comissão.

Amigos dos amigos dos amigos

O caso revelado pela Crusoé é explosivo, porque envolve o presidente do STF, a maior empreiteira do Brasil, um contrato para uma usina hidrelétrica e um presidente da República preso por recebimento de propina. Até agora, porém, a imprensa está calada, assim como a PGR, embora Dias Toffoli, o “amigo do amigo”, possa julgar seu amigo Lula e o empreiteiro amigo de seu amigo, Emilio Odebrecht. O Brasil já explodiu.

Codinome com contrassobrenome

Se a Crusoé é uma ilha no jornalismo, José Nêumanne é uma ilha no colunismo. Ele escreveu: “Marcelo Odebrecht, em prisão domiciliar no Morumbi, contou à Polícia Federal que o “amigo do amigo do meu pai”, uma espécie de codinome com contrassobrenome, tem identidade e endereço reais e bem conhecidos da Polícia Federal: é José Antônio Dias Toffoli, presidente do STF.

Ao fazê-lo, conforme revelou Crusoé de O Antagonista, o empreiteiro/corrupteiro esclareceu e-mail que passou para dois executivos sobre tratativas para liberar hidrelétricas no Rio Madeira em 2007, época em que o nobre ministro era advogado-geral da União no primeiro governo Lula.”

Carvalhosa pedirá impeachment de Toffoli com base em reportagem da Crusoé

É o que informa Diego Amorim. Modesto Carvalhosa vai apresentar ao Senado um novo pedido de impeachment do ministro Dias Toffoli, com base na reportagem da Crusoé. Para o jurista, o atual presidente do STF “não tem condições de se manter no cargo diante dessas informações gravíssimas”.

Amigo do amigo não responde

Nesta quinta-feira, a Crusoé perguntou a Dias Toffoli que tipo de relacionamento ele manteve com os executivos da Odebrecht no período em que chefiava a AGU e, em especial, quando a empreiteira tentava vencer o leilão para a construção das usinas hidrelétricas no rio Madeira. Até agora, ele não respondeu.

Amigo do Amigo

Amigo do amigo” é o assunto mais comentado do Twitter. Só Dias Toffoli não comenta. E os colegas de Dias Toffoli no STF. E o resto da imprensa. E quase todos os políticos.

O STF vai reagir

Nos corredores do Senado, há uma certeza depois da reportagem de hoje da Crusoé: o STF vai intensificar seus movimentos nos bastidores para barrar pedidos de impeachment de ministros e qualquer possibilidade de a CPI da Lava Toga vingar.

Alexandre de Moraes evita comentar reportagem da Crusoé sobre Dias Toffoli

A revista Exame publica que o ministro Alexandre de Moraes evitou comentar a reportagem da Crusoé sobre o codinome usado por Marcelo Odebrecht para referir-se a Dias Toffoli, quando o atual presidente do STF era AGU no governo Lula — “o amigo do amigo de meu pai”. Não tive conhecimento da revista, destas reportagens”, disse o ministro.

O Antagonista mantém informação negada pela PGR sobre Toffoli

A PGR acaba de divulgar em seu site a seguinte nota: Ao contrário do que afirma o site O Antagonista, a Procuradoria-Geral da República (PGR) não recebeu nem da Força-Tarefa Lava Jato no Paraná e nem do delegado que preside o inquérito 1365/2015 qualquer informação que teria sido entregue pelo colaborador Marcelo Odebrecht em que ele afirma que a descrição ‘amigo do amigo de meu pai’ refere-se ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli.”

O Antagonista mantém a informação.

Mais uma razão para instalar a CPI da Lava Toga”

Lasier Martins, que assinou os dois requerimentos para instalação da CPI da Lava Toga — ambos sem êxito, até aqui –, disse a O Antagonista que a reportagem da Crusoé sobre o amigo do amigo de meu pai” é mais uma razão para que a comissão saia do papel.