PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
2ª VARA DA COMARCA DE BÚZIOS
PROCESSO Nº 0004983-12.2014.8.19.0078
DECISÃO
Trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face do Município de Armação
dos Búzios. Alega o parquet, em
síntese, que o réu não vem observando o determinado na Lei Complementar 131 de
2009 e na Lei nº 12.527/11, já que não disponibiliza de modo satisfatório as
informações sobre execução orçamentária e financeira das receitas e despesas no
denominado “Portal da Transparência”.
Informa que em fevereiro do corrente ano foi
encaminhada recomendação ao Município réu para que fosse possibilitado ao
público geral acesso aos mencionados dados em tempo real, ou seja, até o
primeiro dia útil subsequente à data do registro contábil, permitindo inclusive
o download de dados, conforme determina a legislação pertinente.
O autor requerer, em sede de antecipação de tutela,
que seja determinada ao réu a atualização em tempo real do Portal da
Transparência e a criação do serviço de acesso às informações públicas ao cidadão,
conforme estabelece a Lei nº 12.527/2011.
É o relatório. Decido.
Por certo, a Lei de Acesso à Informação Pública nº
12.527, de 18 de novembro de 2011, estabelece como dever do Estado garantir o
direito de acesso à informação, mediante procedimentos objetivos e ágeis, de
forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão. Trata-se de uma
regulamentação ao direito de informação já previsto na Constituição Federal, em
seu art. 5º, inciso XXXIII e art. 37, caput.
Destarte, todos os órgãos públicos integrantes da
Administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como
da Administração indireta, devem assegurar o direito fundamental de acesso à
informação, com observância dos princípios básicos, destacando-se a publicidade
como preceito geral. Assim, qualquer interessado poderá apresentar pedido de
acesso aos documentos e às informações produzidas ou custodiadas pelos órgãos e
entidades públicas.
O acesso à informação do administrado acerca das
despesas públicas lhe permite controlar, de certo modo, os atos administrativos
tendo em vista que qualquer cidadão tem direito de ajuizar ação popular a fim
de prevenir dano contra o erário e pleitear o ressarcimento dos cofres
públicos.
O juízo verifica a prova inequívoca da verossimilhança
do direito autoral a partir da demonstração da desobediência às normas
constitucionais e infraconstitucionais, conforme evidenciado no inquérito civil
em anexo. Ademais, o “periculum in mora”
é flagrante, haja vista que a continuidade da divulgação precária das
informações garantidas por lei poderá ocasionar grave lesão de difícil
reparação a toda a coletividade.
Necessário ainda ressaltar que a Lei 8437/92 é de
constitucionalidade questionável. É indubitável que a vedação de antecipação
dos efeitos da tutela em face do poder público é regra salutar no que tange à
antecipação de medidas liminares em face do poder público que imponham o
pagamento de recursos públicos, com eventual conspurcação do erário público
ante o contraditório diferido.
Todavia, tal questão deve ser analisada cum grano salis, já que a tutela é
cominatória e visa à observância do princípio setorial de direito
administrativo da publicidade bem como do princípio administrativo implícito do
direito a boa governança, pois só o acesso às despesas públicas ao conhecimento
de todos assegura a existência do regime democrático de direito.
No caso em tela, a tutela é cominatória e há ainda a
exclusão da proibição de antecipação dos efeitos da tutela em relação à Ação
Civil Pública. No caso, a ser assegurado audiência prévia do representante
judicial da pessoal jurídica demandada, conforme disposto na Lei nº 8437/92, há
que se ponderar que o art. 273 do Código de Processo Civil, que autoriza a
antecipação dos efeitos da tutela quando há prova inequívoca de verossimilhança
do direito autoral e periculum in mora, tem
sua redação determinada por lex posteriori
generalis, a saber, pela Lei nº 8952/94. Assim, cabe perscrutar se a máxima
haurida do brocardo lex posterior
generali non derogat legi priori speciali deve ser aplicada no caso em
tela.
O próprio mestre hermeneuta Carlos Maximiliano
preconizava em prestigioso escólio que tal máxima nem sempre é aplicada, tendo
em vista que a regra geral poderá estabelecer novos padrões ontológicos
diversos da lei especial anterior, alterando assim a ontologia de determinado
instituto. No caso vertente, é justamente o que ocorre, pois a regra do art.
273 do CPC autoriza a concessão da antecipação dos efeitos da tutela
liminarmente e inaudita altera pars
quando há prova inequívoca da verossimilhança da alegação autoral, ou seja, um
plus em relação ao fumus boni iuris,
em especial quando também há o periculum
in mora, que, in casu, é a
perpetuação da ofensa ao princípio da publicidade e da legislação hodierna de
conspurcação do acesso à informação. Em suma, o art. 273 do CPC trouxe nova
ontologia cautelar e nova ontologia concernente às medidas antecipatórias.
Assim sendo, a medida requerida
pelo Parquet não pode esperar um dia
sequer.
Isto posto, DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA
e determino que o ente público municipal promova, no prazo de 72 (setenta e
duas) horas, a atualização em tempo real, demonstrada a cada 45 (quarenta e
cinco) dias através da alimentação regular e gerenciamento técnico do
denominado “Portal da Transparência”, nos exatos termos do art. 8º da Lei nº
12.527/2011, com regulamentação dada pelos artigos 7º e 8º do Decreto nº
7.724/2012, e ainda sem prejuízo das disposições da Lei de Responsabilidade
Fiscal que venham a entrar em vigor no curso da lide.
Determino ainda a criação, no prazo de 90 (noventa)
dias, do Serviço de Acesso às Informações Públicas ao Cidadão, em local e
condições apropriadas, de modo a atender e orientar o público quanto ao acesso
a informações, bem como informar sobre a tramitação de documentos e
protocolizar requerimentos de acesso a informações, conforme determina o art.
9º, I, da Lei nº 12.527/2011.
Em caso de descumprimento da presente decisão, fixo
multa diária de R$50.000,00 (cinquenta mil reais).
Cite-se e Intimem-se.
Búzios, 05 de novembro de 2014.
MARCELO ALBERTO CHAVES VILLAS
Juiz de Direito
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