"E foi morrida essa morte,
irmão das almas,
essa foi morte morrida
ou foi matada?
Até que não foi morrida,
irmão das almas, essa foi morte matada
numa emboscada".
"Morte e Vida Severina"
João Cabral de Melo Neto
A Câmara de Vereadores de Armação dos Búzios promoveu uma audiência na quarta feira passada (dia 20) para discutir a questão da violência na cidade, tendo em vista matéria publicada pelo jornal O Globo em que Búzios foi apontada, em pesquisa do Instituto Sangari, como a cidade mais violenta do estado do Rio de Janeiro e a 36ª do país. Estiveram presentes alguns vereadores, os secretários de ordem pública e de turismo, as autoridades policiais (civil e militar) do município, entidades civis e moradores.
Do que foi publicado no jornal Primeira Hora na edição desta semana (23/03/13) se conclui que há uma desinformação generalizada dos vereadores, dos secretários e das autoridades policiais sobre a questão. Até mesmo o jornalista que assina a matéria, Guilherme Barcelos, desconhece completamente o trabalho do Instituto Sangari, contratado pelo Ministério da Justiça para fazer o Mapa da Violência no Brasil. Ele se refere a um inexistente Instituto Mapa da Violência.
Tanto os vereadores quanto as autoridades municipais presentes tiveram comportamentos semelhantes. Todos se mostraram surpresos com o resultado da pesquisa e preocupados com a repercussão negativa que poderia advir para o turismo da cidade com a divulgação dos índices pela grande imprensa. Leandro, completamente desinformado, chegou a questionar os "parâmetros usados" e disse "confiar nos trabalho desenvolvido pelas polícias Civil e Militar", como se o problema fosse esse, confiar ou não na Polícia.
Vários vereadores enveredaram pelo delírio persecutório. Henrique Gomes: "estão orquestrando uma ação contra nossa cidade". Felipe Lopes: "realmente parece se tratar de uma trama contra a cidade". Uriel: "Paraty, Cabo Frio e Búzios estão sendo uma pedra no sapato de algumas cidades. - Vejo interesse nessa empreitada de desqualificar a nossa região, principalemente nosso município".
O nosso secretário de turismo José Márcio foi na mesma toada paranóica: "O que não podemos aceitar é uma mídia caluniosa querendo denegrir a imagem de Búzios para o grande público". Chegou também ao delírio afirmando que "temos que trabalhar dobrado para neutralizar essas notícias". Como se vai neutralizar notícias verdadeiras, secretário?
As autoridades policiais tentaram defender seus trabalhos. O tenente Bruno, da 5ª Cia da PM, surpreso com a pesquisa forneceu um dado que só a confirma. Disse que tivemos em 2012 apenas 12 homicídios em Búzios. Fazendo a proporção para uma população de 100 mil habitantes chegaríamos ao índice 44,4, bem superior à média brasileira que foi de 20,4 em 2010. O delegado Marcelo, da 27ª DP,mesmo indignado, pelo menos reconheceu desconhecer "a forma como foi trabalhada esta estatística".
O pior de tudo é que é tudo verdade. Búzios realmente é a cidade mais violenta do estado do Rio de Janeiro e a trigésima sexta do Brasil. Enquanto não se encarar essa triste e difícil realidade de frente, nossos jovens de 15 a 29 anos de idade continuarão a morrer e a matar.
Em sua pesquisa o Instituto Sangari se utiliza de dados do SIM - Subsistema de Informação sobre Mortalidade - do Ministério da Saúde, atualmente na sua Secretaria de Vigilância em Saúde, porque seus dados são muito mais confiáveis do que os registros policiais que, em geral, sofrem de sub-notificação.
O dados do SUS têm credibilidade porque a legislação vigente no Brasil (Lei nº 015, de 31/12/73, com as alterações introduzidas pela Lei nº 6.216, de 30/06/75), estabelece que "nenhum sepultamento pode ser feito sem a certidão de registro de óbito correspondente. Esse registro deve ser feito à vista de Declaração de Óbito, expedida por médico ou, na falta de médico na localidade, por duas pessoas qualificadas que tenham presenciado ou constatado a morte. A Declaração normalmente fornece dados de idade, sexo, estado civil, profissão, naturalidade e local de residência. Determina igualmente que o registro do óbito seja sempre feito “no lugar do falecimento”, isto é, onde ocorreu a morte".
Uma outra informação relevante para o estudo, exigida pela legislação, é a causa da morte. A partir de 1995, o Ministério da Saúde adotou a décima revisão (CID-10) da OMS. Segundo o Instituto Sangari, "os aspectos de interesse para o presente estudo estão contidos no que o CID- 10, em seu Capítulo XX, classifica como "causas externas de morbidade e mortalidade". Quando um óbito devido a causas externas (acidentes, envenenamento, queimadura, afogamento, etc.) é registrado, descreve-se tanto a natureza da lesão como as circunstâncias que a originaram. Assim, para a codificação dos óbitos, foi utilizada a causa básica entendida como o tipo de fato, violência ou acidente causante da lesão que levou à morte. Dentre as causas de óbito estabelecidas pelo CID-10 interessam ao presente estudo as mortes por armas de fogo. Trata-se de todos aqueles óbitos acidentais, por agressão intencional de terceiros (homicídios), auto-provocadas intencionalmente (suicídios) ou de intencionalidade desconhecida, cuja característica comum foi a morte causada por uma arma de fogo. Agrupa os casos de utilização de arma de fogo nas categorias W32 a W34 dos óbitos por traumatismos acidentais; X72 a X74 das lesões auto-provocadas intencionalmente ou suicídios; X93 a X95 das agressões intencionais ou homicídios e Y22 a Y24 do capítulo de intenção indeterminada".
Taxas de óbito por Arma de Fogo (em 100 mil habitantes) 2013:
Brasil - 20,4 (8º do mundo)
Rio de Janeiro - 26,4 (8º do país)
Região dos Lagos:
1º) Búzios - 61,5 (1º do RJ e 36º do Brasil)
2º) Cabo Frio - 57,8 (50º do Brasil)
3º) Araruama - 32,2 (221º do Brasil)
4º) Iguaba Grande - 29,6 (258º do Brasil)
5º) São Pedro da Aldeia - 28,9 (271º do Brasil)
6º) Rio das Ostras - 27,8 ( 296º do Brasil)
7º) Arraial do Cabo - 27,0 (308º do Brasil)
Fonte: www.mapadaviolencia.org.br
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