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terça-feira, 16 de julho de 2019

Delinquentes sonham com a pizza na Lava Jato



O conta-gotas que pinga mensagens tóxicas sobre as reputações de Sergio Moro e dos procuradores da força-tarefa de Curitiba vai mergulhando a Lava Jato num ambiente novo. Nele, o ex-juiz e os procuradores enfrentam um processo lento e corrosivo de dessacralização. Descobriu-se que, no escurinho do Telegram, os super-herois da cruzada anticorrupção também estavam sujeitos à condição humana. A constatação deixa assanhados os delinquentes.

A leitura do primeiro lote de mensagens conduziu a uma conclusão inescapável: Sergio  Moro desenvolveu com Deltan Dallagnol uma proximidade juridicamente imprópria. Os dois trocaram figurinhas, combinaram ações, consultaram-se mutuamente. Ultrapassaram a fronteira que separa o relacionamento funcional do comportamento abusivo. O então juiz por vezes adotou um timbre de superioridade hierárquica, imiscuindo-se no trabalho da Procuradoria.

O comportamento de Moro destoou da isenção que a Constituição exige de um magistrado. Ajustando-se à nova realidade, o ex-juiz migrou da seara técnica para o campo da política. Ouviram-se críticas de encrencados e até de ministros do Supremo. Entretanto, os críticos também têm pés de barro. Os condenados perambulam pela conjuntura acorrentados a processos apinhados de provas. E a Suprema Corte não chega a se notabilizar pelo formalismo processual.
No Supremo, há ministros que confraternizam com investigados. Não se privam de julgar casos de amigos. Um deles julga até em benefício de ex-chefes. Os demais fingem não ver. Há na Corte duas turmas. Uma é conhecida por prender. Outra solta a granel. Estabeleceu-se uma balbúrdia que esculhamba a jurisprudência do próprio tribunal. Consolidou-se a sensação de que um pedaço do tribunal age para proteger larápios. Pune apenas de raro em raro. E às vezes transfere ao Legislativo a prerrogativa de perdoar.
Nos lotes subsequentes de mensagens, o conta-gotas pingou nas manchetes manifestações que potencializaram o processo de autocombustão dos investigadores. Descobriu-se que autoridades do Estado comportavam-se como adolescentes num grupo de família de um aplicativo de celular. Vieram à luz tolices como "in Fux we trust". Ou pérolas juvenis que aproximaram a força-tarefa de uma arquibancada de estádio: "Aha, uhu o Fachin é nosso".
Neste domingo, em parceria com o The Intercept, a Folha trouxe à luz algo bem mais constrangedor. Descobriu-se que Deltan Dallagnol montou com o colega de Procuradoria Roberson Pozzobon um plano de negócios de eventos e palestras para extrair lucros da fama adquirida na Lava Jato. "Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok?", anotou Deltan numa das mensagens. "É um bom jeito de aproveitar nosso networking e visibilidade."

Os detalhes falam por si. Os procuradores cogitaram constituir uma empresa. Para mascarar a operação, a firma teria como sócias as mulheres dos palestrantes. "Se fizéssemos algo sem fins lucrativos e pagássemos valores altos de palestras pra nós, escaparíamos das críticas, mas teria que ver o quanto perderíamos em termos monetários", escreveu Deltan. E Pozzobon: "Temos que ver se o evento que vale mais a pena é: i) Mais gente, mais barato ii) Menos gente, mais caro. E um formato não exclui o outro".
É como se os procuradores, depois de elevar suas estaturas no esforço para desmontar o aparato de corrupção, conspirassem para rebaixar o pé-direito da Lava Jato, aderindo à máxima do "quanto eu levo nisso". Perderam o recato. Esqueceram de maneirar. Embora a empresa não tenha sido aberta, a retórica do acobertamento apequenou os autores das mensagens. Tudo muito triste e constrangedor —exceto para os condenados, que soltam fogos.
Em cinco anos, a Lava Jato interrompeu um ciclo de impunidade que durava desde a chegada das caravelas. Foram à grelha empresários de grosso calibre. Políticos poderosos dos maiores partidos tornaram-se impotentes. Encrencaram-se três ex-presidentes vivos. A oligarquia corrupta jogava com o tempo e com as cartas dos recursos judiciais. De repente, uma operação de busca e aprensão clandestina nos celulares das autoridades devolveu ao baralho o curinga da pizza.
Ouve-se ao fundo um velho coro: "A oligarquia unida jamais será vencida". A estridência do coro contrasta, porém, com a inconsistência da mistura. Por ora, há muito orégano e pouca massa. As mensagens trocadas no Telegram transformam os ex-heróis em vítimas da ética de mostruário que eles cultivaram ao longo das investigações. Mas ainda não surgiram nas mensagens os indícios de fabricação de provas tão ansiados pelos larápios.
O forno foi religado. Em agosto, a primeira turma do Supremo julgará o pedido de suspeição de Moro, protocolado pela defesa de Lula. O placar registra um empate: dois a dois. Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski a favor da abertura da cela de Lula. Edson Fachin e Cármen Lúcia contra. O tira-teima está nas mãos do decano Celso de Mello. A plateia observa com apreensão.
Muitos gostariam de utilizar as mensagens como lenha para assar uma grande pizza. Visto que não há evidências de fabricação de provas, que os condenados exercitaram o sacrossanto direito de defesa e que as sentenças de primeiro grau foram avalizadas em instâncias superiores do Judiciário, será necessário responder a algumas perguntas.
Por exemplo: O que fazer com as confissões, as perícias e as obras custeadas com dinheiro roubado no tríplex do Guarujá? Mais: assando-se a primeira pizza, como ficam as provas que levaram à condenação de Lula também no caso do sítio de Atibaia? Pior: a quem devolver os R$ 52 milhões encontrados no cafofo do Geddel? Para onde enviar os milhões repatriados de contas na Suíça? Como apagar a fita com as imagens de Rocha Loures, o ex-assessor de Temer, recebendo a mala de dinheiro da JBS? Onde enfiar o áudio com o achaque de R$ 2 milhões que Aécio aplicou em Joesley Batista?
Para resumir: antes de assar a pizza, será necessário definir o que fazer com a corrupção descoberta pela Lava Jato. A roubalheira, de proporções amazônicas, não cabe no forno.

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Pelo fim do foro privilegiado

Na semana que passou duas publicações abordaram a questão do foro privilegiado no Brasil. O blogueiro Josias de Souza, com base em dados fornecidos pelo MPF, publicou o post "Moro proferiu 105 condenações. STF, nenhuma" sobre as condenações no âmbito da Lava Jato.  E o Procurador da República Deltan Dallagnol, um dos que coordenam os trabalhos da força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba, também abordou a questão em palestra. Vejam trechos selecionados de ambos.

"No intervalo de dois anos, dois meses e 19 dias, tempo de duração da Lava Jato, Sérgio Moro já proferiu 105 condenações. Juntas, somam 1.140 anos, 9 meses e 11 dias de prisão. No STF, não há vestígio de condenação. (veja no quadro abaixo os feitos que a força-tarefa da Lava Jato obteve em Curitiba)".

Do site

"Hoje, correm no STF 70 processos relacionados à Lava Jato. Desse total, 59 estão na fase de inquérito. Neles, são investigados 134 acusados. Outros 11 processos foram convertidos pelo procurador-geral Rodrigo Janot em denúncias formais, envolvendo 38 políticos. Por ora, o único denunciado que o Supremo converteu em réu foi Eduardo Cunha. E não há prazo para o julgamento da ação penal protagonizada pelo deputado. (veja abaixo os dados sobre o pedaço da Lava Jato que corre em Brasília).




"A pedido da Procuradoria, o STF afastou Cunha do exercício do mandato e da poltrona de presidente da Câmara. Mas ele mantém as prerrogativas de deputado, que impedem Moro de alcançá-lo. Conserva também o acesso às mordomias propiciadas pela presidência da Câmara e o controle sobre sua milícia parlamentar, que lança mão de manobras para retardar o julgamento do pedido de cassação do seu mandato, na pauta do Conselho de Ética da Câmara há sete meses".

"O que há de mais alvissareiro na Lava Jato é a percepção de que o banquete da corrupção desandou. Os órgãos repressores do Estado investigam, prendem e condenam pessoas que estavam acostumados a viver num país em que, acima de um certo nível de renda e poder, ninguém era importunado".

"Deve-se sobretudo à aplicação de Sérgio Moro, dos agentes federais, procuradores e técnicos que integram a força-tarefa de Curitiba a derrubada do escudo invisível que protegia os maus costumes. Montou-se uma espécie de usina trituradora de delinquentes. Foram em cana brasileiros que se julgavam invulneráveis. Em troca de favores judiciais, muitos tornaram-se delatores".

"Empreteiros que se habituaram a sufocar investigações em tribunais superiores fizeram pouco da Lava Jato. Presos, recorreram. Uma, duas, três, quatro vezes. E nada. Amargaram condenações draconianas. Marcelo Odebrecht, por exemplo, foi condenado por Moro a mais de 19 anos de cadeia. Com receio de mofar no xadrez como versões petroleiras de Marcos Valério, os mandarins das construtoras também se tornaram colaboradores da Justiça".

"Os maiores ficaram para o final. Retardatários, executivos de empresas como Odebrecht e OAS terão de levar à mesa segredos cabeludos se quiserem obter vantagens como redução da pena. Eles já expõem na bandeja escalpos como o de Dilma, Lula, Renan, Sarney, Cunha, Jucá, Aécio e um inesgotável etcétera".

"Cercados pela investigação de Curitiba, operadores como Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, entregam os podres dos padrinhos de Brasília. O serviço da Procuradoria-Geral da República e do STF aumenta. A responsabilidade também. Soltos, políticos que são parte do problema fazem pose de solução. Pior: continuam operando".

"Relator da Lava Jato no STF, o ministro Teori Zavascki tem sobre a mesa um lote de pedidos de providência formulados pela Procuradoria. Talvez devesse priorizá-los. A bandidagem parlamentar precisa de um rapa que a lace, que a recolha, na primeira esquina".

Procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato revelaram que existem 22 mil pessoas (entre eles nosso Prefeito André Granado e o Vereador Henrique Gomes , assim como todos os prefeitos e todos os vereadores do Rio de Janeiro!!!)  com o chamado foro privilegiado no País. 

Para o procurador da República Deltan Dallagnol, um dos que coordenam os trabalhos da força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba, o número elevado de pessoas com direito a foro especial por prerrogativa de função é um entrave ao sistema brasileiro de combate à corrupção e à impunidade.
 
Hoje temos mais de 20 mil pessoas com prerrogativa de foro no Brasil, o que é algo que escapa a qualquer sombra de padrão internacional”, afirmou Dallagnol.

Existem poucos países, salvo engano três, no mundo que têm foro por prerrogativa de função para todos parlamentares de um modo tão extenso.”

O procurador destacou que em uma “República todos devem ser iguais”. “A exceção é a diferença. A exceção é alguém ser processado perante um foro especial. E quando passamos de 22 mil pessoas, fugimos de um parâmetro excepcional”, argumentou o procurador.

Os tribunais superiores não têm o perfil operacional para processar pessoas com prerrogativa de foro de modo célere e efetivo”, opinou o procurador da Lava Jato.

Segundo ele, o processo do mensalão – iniciado em 2006 e julgado em 2013 – foi “um ponto fora da curva”. “A primeira condenação de pessoa com prerrogativa de foro pelo STF demorou mais de 100 anos para acontecer. Foi depois de 2010, salvo engano em 2011. A primeira execução foi 2013, 2014.

Enquanto a Suprema Corte americana julga aproximadamente 100 processos por ano, nossa Suprema Corte julga 100 mil processos por ano. O que mostra que não existe condições operacionais para que isso seja processado em uma Corte tão especial. (O STF) Deveria ser reservado para assuntos mais restritos.”