Em decisão de 75 páginas, que deflagrou a Operação Custo Brasil, o juiz
federal Paulo Bueno de Azevedo, de São Paulo, autorizou buscas na residência do
ex-ministro Paulo Bernardo (Planejamento e Comunicações/Governos Lula e Dilma)
e da mulher dele, a senadora Gleisi Hoffmann (PT/PR), mas negou acesso a bens,
documentos e objetos da petista porque ela detém foro privilegiado perante o
Supremo Tribunal Federal (STF).
A ação da Polícia Federal, integrada com a Procuradoria da República e a
Receita, provocou reação no Senado, onde colegas de Gleisi contestaram as
buscas no apartamento funcional onde ela mora com Paulo Bernardo – este, sem
foro especial, o alvo maior da Custo Brasil por suspeita de recebimento de
propinas do esquema de empréstimo de consignados envolvendo sua gestão no
Planejamento.
O Senado vai
entrar com reclamação junto ao STF contra a Operação. O presidente da Casa,
Renan Calheiros (PMDB-AL), e o primeiro-vice, Jorge Viana (PT-AC), já pediram
uma consulta sobre o assunto à Advocacia-Geral do Senado para embasar o
documento.
“O direito à intimidade e à privacidade não são absolutos e devem ceder aos
interesses da coletividade em ver apurados gravíssimos crimes de corrupção que,
ainda mais quando, em larga escala (o total desta investigação superaria cem
milhões de reais), são capazes de causar prejuízos incomensuráveis ao país e à
sociedade brasileira”, ponderou o juiz federal em sua decisão.
O Ministério Público Federal argumentou que o fato de Gleisi ser senadora
‘não impede a busca e apreensão, pois, do contrário, ser casado ou residir com
alguma autoridade equivaleria a uma verdadeira imunidade a investigações
criminais, o que não se poderia admitir’.
O juiz Paulo Bueno não concordou que fosse lavrado um auto de constatação
relativo à petista.
“O mandado na residência de Paulo Bernardo Silva é restrito aos seus bens,
objetos e documentos pessoais de qualquer espécie, devendo ser preservados os
bens, objetos e documentos pessoais da senadora Gleísi Helena Hoffmann, que não
são alcançados pela presente decisão”, assinalou o magistrado. “Fica indeferida
a realização de auto de constatação dos bens, objetos e documentos da senadora.
Tudo o que for de propriedade ou posse da senadora deve ser excluído de
qualquer medida pelas autoridades policiais, eis que ela não é investigada nesta
primeira instância.”
Ao abordar o fato de Gleisi ter foro privilegiado perante a Corte máxima, o
juiz federal anotou. “Seria isto um óbice à busca e apreensão determinada nesta
primeira instância? A resposta ê negativa e passo a fundamentar. Para melhor
ilustrar, pensemos em qualquer caso comum de busca e apreensão no endereço de
um investigado casado ou que vive em união estável. Neste exemplo, vamos
imaginar que o/a cônjuge ou convivente do investigado não seja também sujeito
passivo da investigação, nada existindo contra sua pessoa. Pois bem, o
Judiciário pode permitir a busca e apreensão na residência de uma pessoa que
não é investigada por nada, contra a qual não pairem quaisquer, suspeitas? A
resposta é positiva desde que haja, na .mesma residência, alguém que seja
investigado e contra o qual pairem indícios suficientes a justificar a busca e
apreensão.”
Adiante, Paulo Bueno argumentou. “O juiz precisa fundamentar alguma coisa em
relação à pessoa que não é investigada, porém casada ou vive em união estável
com a pessoa contra a qual se determina a busca e apreensão? Não. Essa pessoa
que não é investigada, porém, vive com quem o é, deverá suportar a ação da
Justiça. Deveria o Juízo, porventura, procurar saber se essa pessoa,
porventura, possui algum foro de prerrogativa de função? Não, pois isso nem se
coloca. Tal pessoa não é investigada, razão pela qual despiciendo saber se, por
um total acaso, ocupa algum cargo de prerrogativa de função. Enfim, a pessoa
que não é investigada não é sujeito passivo da medida de busca e apreensão,
razão pela qual é completamente desnecessária uma prévia pesquisa para saber
se, por eventualidade, ela ocuparia algum cargo sujeito a foro de prerrogativa
de função.”
O juiz observou que o artigo 248 do Código de Processo Penal contém a
determinação de que, ’em casa habitada, a busca seja feita de modo a não
molestar os moradores mais do que o indispensável para o êxito da diligência’.
“Isto significa que tais moradores devem suportar a ação da Justiça.”
Paulo Bueno lembrou que a própria Gleisi é alvo de investigação da
Procuradoria-Geral da República no âmbito do Supremo. Mas ressalvou. “Para
todos os efeitos, a senadora não é investigada nesta primeira instância, ou
seja, ela não é sujeito passivo da medida de busca e apreensão. Portanto, não
há, em tese, óbice para a busca e apreensão na residência de Paulo Bernardo,
muito embora sua esposa ocupe cargo público detentor de foro de prerrogativa de
função.”
Paulo Bueno de Azevedo prosseguiu. “Como não é investigada nesta primeira
instância, o cuidado necessário a ela (Gleisi) é o devido a qualquer pessoa e
está disposto no artigo 248 do Código de Processo Penal. Posto isso, contudo,
apesar de ser admitida a busca e apreensão, que deve ser direcionada
exclusivamente aos bens, objetos e documentos de Paulo Bernardo, indefiro o
requerimento ministerial de que seja lavrado um auto de constatação dos bens,
objetos e documentos da senadora.”