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sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Suprema desmoralização




O Ministro Alexandre de Moraes, relator do Inquérito nº 4.781/DF- instaurado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar condutas de internautas consideradas ofensivas aos membros da Corte- determinou o seu desmembramento em relação a Norival Mariano de Souza (N.M.S) e sua remessa ao foro competente (domicílio do infrator) para prosseguimento das investigações, considerando que mensagens publicadas por ele em seu perfil no Twitter poderiam em tese configurar o crime de difamação contra o STF previsto no Código Penal (artigos 139 e 141, II e III) e na Lei de Segurança Nacional (artigo 26 da Lei 7.170/83), bem como os crimes previstos nos artigos artigos 22, I; 23, I; e 26 dessa lei. 

O Ministério Público Federal (MPF) da cidade simplesmente arquivou a investigação por nulidade absoluta, atos inexistentes e crimes não configurados. Desmoralização maior do STF não poderia ter havido. Vejamos.

Nulidade absoluta

Para o MPF, a investigação não pode prosseguir, porque o inquérito do qual derivou é absolutamente nulo, já que sua instauração e condução teriam violado "garantias fundamentais previstas na Constituição de 1988: proibição de juízo ou tribunal de exceção (art. 5º, XXXVII); princípio do juiz natural (art. 5º, LIII); e o devido processo legal (art. 5º, LIV)".

Segundo o procurador da República Lucas Gualtieri, “é notório que o Inq. 4.781/DF foi instaurado no âmbito do Supremo Tribunal Federal de ofício, por ato de seu presidente, para apurar fatos indeterminados, sem delimitação temporal, geográfica ou circunstancial. Uma vez instaurado, não foi submetido à livre distribuição, tendo sido designado membro do Tribunal para a sua condução, conforme escolha pessoal e insindicável do presidente", desconsiderando as competências constitucionais do STF.

Além disso, segundo o procurador da República, "o Inq. 4.781 constitui flagrante violação ao sistema penal acusatório, materializando na figura do ministro designado pela Presidência da Suprema Corte, a dupla função de investigar e julgar, em violação ao disposto no art. 129, incisos I, II, VII, VIII e § 2º da CR/88".

O despacho de arquivamento também ressalta que, "em nenhum momento a Procuradora-Geral da República (PGR), a quem compete exercer as funções do Ministério Público junto ao STF (art. 46, LC 75/93), foi instada a se manifestar no bojo dos autos, seja para analisar a conveniência e oportunidade da realização de medidas cautelares levadas a efeito (mediante 'pedido' e decisão do Ministro 'condutor'), seja para conduzir o inquérito, na função de titular exclusiva da ação penal pública".

Atos inexistentes

O procurador da República cita jurisprudência unânime do próprio STF, segundo a qual "é irrecusável o pedido, formulado pelo Chefe do Ministério Público, o Procurador-Geral da República, de arquivamento do inquérito”. Como a PGR requereu em 16 de abril de 2019 o arquivamento do Inquérito, todos os atos praticados no inquérito devem então ser considerados inexistentes. Ele ainda destaca que o relatório técnico elaborado pela Polícia Civil de São Paulo, indicando as condutas atribuídas ao investigado, "foi produzido apenas em 28/05/2019, ou seja, mais de um mês após o arquivamento dos autos pela Procuradora-Geral da República, o que robustece a plêiade de máculas às provas dos autos".

Crimes não configurados

O MPF também sustenta, na promoção de arquivamento, que, mesmo que a investigação não fosse nula, "as expressões utilizadas pelo investigado nas publicações realizadas na rede social Twitter, embora deseducadas e até grosseiras, não refletem um contexto de ataque deliberado à honra dos agentes públicos mencionados, senão o ânimo de criticar a conduta funcional dos mesmos, o que exclui a tipicidade do crime contra a honra" ou da calúnia e difamação contra o presidente do STF previsto no artigo 26 da Lei 7.170/83.

Para o procurador da República, além disso, mesmo que houvesse crime contra a honra, faltaria, no caso, a representação do ofendido, elemento indispensável à instauração de um processo-crime dessa natureza.

"Ocorre que no caso dos autos, a simples Portaria de instauração do Inq. 4.781/DF não pode ser entendida como representação por parte do Presidente do STF – no que tange a eventual crime de difamação em desfavor da Corte –, já que a mesma não se refere aos fatos específicos tratados nestes autos, os quais somente foram trazidos à baila posteriormente à edição daquele documento", afirma o MPF, que também entendeu não configurados os crimes dos artigos 22 e 23 da Lei 7.170/83, porque as postagens feitas por N.M.S. "não evidenciam qualquer propaganda 'de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social', ou mesmo 'incitação à subversão da ordem política ou social' mas sim críticas pontuais à atuação de Ministros do Supremo Tribunal Federal".

(Autos nº 18225-85.2019.4.01.3800)

Fonte: "mpf"

Com o número do processo na Justiça Federal de Minas Gerais fornecido pelo MPF, resolvi dar uma olhada nos autos.

PROCESSO: 18225-85.2019.4.01.3810
CLASSE: 15601 – INQUÉRITO POLICIAL
AUTOR: MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
INDICIADO: SIGILOSO

Apesar do nome do indiciado ser sigiloso, em sua decisão de 26/08/2019, o JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO MARCELO GARCIA VIEIRA revela que se trata de Norival Mariano de Souza. Com o nome descobri seu perfil no twitter: https://twitter.com/norivalmarianod. Nele pude acessar as postagens postas em questão pelo STF. Em sua decisão, o próprio Juiz se refere a elas. Veja.

Consta que Norival Mariano de Souza, que reside em Pouso Alegre/MG, teria publicado fake news no seu perfil no Twitter, tais como:
1) em 23/02/2019, postagem da frase “Os canalhas”, seguida de fotografia com os dizeres “Imagem dos Ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Melo e Ricardo Lewandowski segurando sacos de dinheiro com a inscrição “Soldados da Corruptocracia”;
2) em 19/02/2019, “Olha o luxo, quanto valem esses homens? Nada, uma vergonha. Ocupam cargos extremamente importante e olha o que fazem. Como explica o Zé solto? Rabo preso” seguida de fotografia assim descrita “Imagem dos Ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli cercando José Dirceu, com as inscrição “Os advogados do diabo. Eles burlam a lei para praticar o mal e a corrupção. Todo o Brasil quer #dirceunacadeia#fora lewandowski#foragilmarmendes#foratoffoli;
3) em 08/02/2019, “É arrogante, é um nojo, é um lixo, é um corrupto” seguida de uma fotografia descrita “Imagem do Ministro Gilmar Mendes, com a inscrição “Urgente! Receita Federal investiga Gilmar Mendes e a mulher por corrupção e lavagem!”;
4) em 18/02/2018, “Joesley Batista gravando uma conversa fala que precisa entregar o STF. Ele fala que vai usar o Zé. Quem é esse Zé? José Dirceu, claro. Q falas dos ministros, fala A, B, C, D. Quais desses? Vc ganha uma bala para descobrir. Precisamos compartilhar o máximo isso”, seguida de fotografia assim descrita: “Imagem de barras de mesa de som, seguida da inscrição “STF foi comprado – Joesley Batista falou em entregar...”;
5) em 22/05/2019, “Suínos tratando de assunto relacionado à saúde é estranho. São sujos.”

Comentário sobre uma publicação do perfil oficial do STF no Twitter que destacava fala do Min. Dias Toffoli, por ocasião da abertura da sessão extraordinária.

Na sequência ao comentar publicação do perfil oficial do STF no Twitter, que mencionava decisão do Plenário do STF que desobrigou o Estado a fornecer medicamento sem registro da ANVISA, o indiciado teria escrito: “O porco sem pelo A Morais, no seu voto disse que os recursos são finitos. Pra comprar ração de luxo, iguarias refinadas a picarda não viu que os recursos são finitos. Suínos.”

Segundo o Juiz, no “processo penal acusatório inexiste ação penal sem autor, de forma que a posição institucional do MPF neste aspecto deve ser mantida”. Assim, como não constou dos documentos encaminhados a representação do agente ofendido, tenho como correta a representação por arquivamento, sem a qual o MPF é agente deslegitimado para a promoção da ação penal. No que pertine às supostas violações à lei de segurança nacional, antevejo apenas o exercício do direito de livre manifestação de pensamento político, razão porque deixo de aplicar o art. 28, CPP.

Pelo exposto, homologo o arquivamento efetuado pelo MPF. Indefiro o pedido de retirada de sigilo dos autos. Desnecessária a intimação do investigado para ciência do inquérito e da decisão, já que não houve qualquer afetação de direito próprio. Cientifique-se o teor desta decisão ao Ministro Alexandre de Moraes do STF. Registro efetuado eletronicamente.

Pouso Alegre/MG, 26 de agosto de 2019.

Fonte: "trf1"