'Em Búzios
eu vivi como Robinson Crusoé', diz Brigitte Bardot
Aos 82 anos, Brigitte Bardot ainda se lembra de sua estada no Brasil, na década de 1960 |
A atriz e
ativista francesa Brigitte Bardot, 82, é tema de um livro publicado
este mês na França. Em entrevista exclusiva ao site "RFI",
ela fala de seu engajamento pela defesa dos animais, de política, de
velhice mas também do Brasil, onde a estrela de "E Deus criou a
Mulher" viveu por alguns meses, há mais de 50 anos, e de onde
ainda guarda boas recordações.
"BB, BB,
BB, Por que é que todo mundo olha tanto pra você?". Essa frase
quase inocente, entoada em ritmo de marchinha de Carnaval pelo cantor
brasileiro Jorge Veiga, em dezembro de 1960, resume bem o mito de
Brigitte Bardot. Afinal, por trás desta sigla se esconde uma das
mulheres mais cobiçadas e imitadas do mundo durante décadas mas
também uma das mais criticadas da França. E, apesar de uma carreira
relativamente curta no cinema, que durou entre 1952 e 1972, a musa
francesa, conhecida por não ter papas na língua, continuou dando o
que falar. Aos 82 anos de idade, cada uma de suas declarações ainda
chama a atenção.
Prova disso,
acaba de ser publicado o livro "Répliques et Piques"
("respostas e alfinetadas", em tradução livre), uma
coletânea de frases da estrela, reunidas por François Bagnaud. "Em
65 anos de vida pública, eu disse muita coisa. Nesse mundo onde tudo
é preparado, controlado e nada é espontâneo, minha franqueza às
vezes chocou os hipócritas. Mas não me arrependo de nenhuma das
minhas declarações" diz a musa na apresentação do livro.
ECOLOGISTA,
MILITANTE E POLÊMICA
Desde que
deixou as telas de cinema, Bardot se tornou uma ferrenha defensora
dos animais e vive praticamente reclusa na Madrague, sua casa em
Saint-Tropez, no sul da França, de onde dirige uma fundação que
leva seu nome.
Porém suas
posições sobre o tema nem sempre agradam. Como em 2006, quando ela
se pronunciou contra a festa islâmica do Aïd, conhecida por seu
ritual no qual ovelhas são sacrificadas. "Não aguento mais
essa população que nos destrói e destrói nosso país com esses
atos", disse a militante, acusando os muçulmanos de torturar os
animais. A declaração foi vista como racista, e Bardot foi
condenada na época a uma multa de € 15 mil por "incitação
ao ódio racial". Essa foi a quinta condenação da atriz pelo
mesmo tipo de delito.
Apesar de ser
abertamente próxima do partido de extrema direita francês Frente
Nacional (FN) e já ter militado pelo líder da legenda, Bardot, que
é casada desde 1992 com Bernard d'Ormale, um próximo de Jean
Marie-Le Pen, evita falar de política quando o assunto não diz
respeito à proteção dos animais. Mas já defendeu a candidata à
presidência Marine Le Pen várias vezes por sua vontade de "retomar
o controle da França, reestabelecer as fronteiras e dar novamente a
prioridade aos franceses".
BRIGITTE
BARDOT E O BRASIL
As imagens de
Bardot ao lado do bilionário alemão Gunter Sachs, um de seus quatro
maridos, na estação de esqui de Gstaad, perseguida por uma multidão
pelas ruas de Capri durante as filmagens de "O Desprezo",
de Jean-Luc Godard, ou ainda abraçada com um bebê foca no Canadá
mostram que a estrela francesa rodou o mundo. Mas foi sua estada no
Brasil, nos anos 1960, que parece ter marcado a atriz até hoje.
Acompanhada
por seu namorado da vez, o franco-marroquino Bob Zagury, a francesa
desembarcou no aeroporto do Rio de Janeiro em janeiro de 1964.
Recebida por
200 jornalistas e fotógrafos, ela se trancou em um apartamento
durante três dias antes de dar uma entrevista coletiva, concedida em
troca de alguns dias de tranquilidade. Para surpresa de todos, boa
parte da imprensa aceitou o acordo, e a atriz fugiu em seguida para
Búzios. Gostou tanto do que na época era praticamente uma aldeia,
sem nenhuma infraestrutura, que morou lá por mais de três meses.
Bardot ainda
voltou a Búzios em dezembro do mesmo ano, onde passou Natal e
Réveillon. Mas dessa vez os paparazzi não lhe deram paz, e a viagem
durou apenas 10 dias. Mesmo assim, nunca esqueceu a estada no Brasil,
onde apesar de ser tema de samba, conseguiu ter, por alguns meses,
uma vida longe dos holofotes.
RFI - Há
40 anos a senhora luta pela defesa dos animais. O que motivou seu
engajamento nessa causa?
Brigitte Bardot - Desde menina
eu gosto de animais. Mas, com o tempo, me dei conta dos sofrimentos
aos quais eles eram submetidos. Eu não aguentava e recolhia vários
animais de rua. Sempre quis ganhar bastante dinheiro para comprar uma
fazenda na qual os animais não seriam sacrificados. Em 1973 coloquei
meu projeto em prática, não com uma fazenda, mas com uma fundação.
Houve
alguma evolução na proteção dos animais desde que a senhora se
lançou nesse combate?
Com exceção de algumas poucas
iniciativas, quase nada mudou. A situação piorou com a chegada das
criações de animais em grande escala, a industrialização dos
abatedouros, as trocas internacionais e os rituais de sacrifício.
Claro que há uma conscientização da opinião pública, mas esse
não é o caso do lado dos políticos.
Recentemente
a senhora pediu que os políticos olhassem para os animais "como
seres vivos que sofrem". O que a senhora espera dos candidatos à
Presidência francesa?
Os responsáveis políticos têm todos
os poderes para melhorar a situação dramática dos animais. Eles
são os únicos com o poder de mudar as coisas, de aplicar leis, de
diminuir o sofrimento, de humanizar os abatedouros e de proibir a
importação de animais selvagens e o uso deles nos circos. Eles
também podem proibir a cultura dos casacos de pele, os criadouros
industriais, a matança de cavalos, a trituração de pintinhos nos
abatedouros, as caças etc.
A senhora
foi uma das primeiras celebridades a se tornarem alvo dos paparazzi.
Como vê a banalização da celebridade nos dias de hoje?
Quais
celebridades? A celebridade se tornou banal e está em qualquer lugar
nas ruas.
Sua imagem
continua inspirando o mundo da moda até hoje. Vários estilistas se
espelham na estrela Brigitte Bardot para criar suas campanhas
publicitárias e até coleções inteiras. Como a senhora vê a moda
atual e sua eterna inspiração no passado?
Moda atual? Você
chama isso de moda? Sem elegância, não se pode ter moda.
Em uma das
citações do livro "Brigitte Bardot, Répliques et Piques",
a senhora diz não ter medo de envelhecer. Como a senhora vê essa
busca incessante de juventude que a sociedade vive hoje?
Isso
é patético. A velhice é a evolução natural da vida. É preciso
aceitar. Mas quem mantém sua alma de criança não envelhece nunca.
E esse é meu caso!
A senhora
teve uma relação especial com o Brasil e principalmente com Búzios.
Chegou até a gravar uma canção, "Maria Ninguém", em
português. Qual recordação e senhora guarda do Brasil?
Guardo
recordações únicas. Uma lembrança mágica, magnífica. Na época
era apenas uma aldeia de pescadores sem água encanada ou
eletricidade. Vivíamos como Robinson Crusoé em praias selvagens e
desertas. As ruelas eram cheias de leitões pretos e galinhas. Nós
vivíamos de pesca, farofa, mangas e muito sol.
A senhora
sabe que Búzios se tornou mundialmente célebre depois de sua
passagem?
Foi o lado selvagem do lugar me seduziu. Mas o que
Búzios se tornou hoje me deixa atordoada. É uma pena.
SILVANO MENDES
DA RFI
Fonte: "folha"