Luciana Silva Tamburini,a agente da Lei Seca condenada a indenizar juiz (Foto: Arquivo Pessoal), G1 |
'Carteirada tem todo dia', diz agente da Lei Seca processada
por juiz no RJ
Luciana Tamburini disse que vai recorrer da decisão da
justiça no STJ.
Ela foi condenada a pagar R$ 5 mil a juiz abordado.
Káthia Mello
Do G1 Rio
“Condenada pela 36ª
Vara Cível do Rio de Janeiro a pagar R$ 5 mil ao juiz João Carlos de Souza
Correa após um desentendimento numa blitz, a agente da Lei Seca Luciana Silva
Tamburini, de 34 anos, disse ao G1 nesta terça-feira (4) que a
"carteirada" que recebeu do magistrado não foi a única ao longo de
três anos que trabalhou na Lei Seca.
"Isso acontece todos os dias e não só comigo. Já recebi
até um 'Você sabe com quem está falando?' da mulher de um traficante de um
morro de Niterói", contou.
Luciana acrescenta que vai entrar com recurso no Superior
Tribunal de Justiça (STJ) contra a condenação que sofreu. Segundo ela, a
decisão do Tribunal de Justiça do Rio é desmotivante.
"É um absurdo. Porque você bota a pessoa ali para
trabalhar, para cumprir a lei. É uma pena a lei ser para poucos, para pessoas
que têm o poder maior que o nosso. Imagina se vira rotina?", pergunta.
Ela disse ainda que acredita que esse tipo de decisão não
deveria afetar o trabalho que os agentes desempenham no cumprimento da lei.
"O servidor público fica com medo de aplicar a lei.
Você não pode trabalhar com medo", explicou.
Sobre o uso da expressão "juiz não é Deus", a
servidora disse que houve interpretação errada por parte do magistrado. Segundo
ela, na época da abordagem Correa chamou um policial militar e lhe deu voz de
prisão.
"O PM já veio na tenda onde eu estava com a algema
dizendo que ia me algemar porque ele [o juiz] queria. Eu então disse ao
policial que ele queria, mas ele não era Deus. O policial falou isso para o
juiz. Não fiz isso com o objetivo de ofender", contou.
Desde 2012 Luciana trabalha na área adminstrativa do Detran.
Segundo ela, o motivo não foi a repercussão do caso. Recentemente, ela passou
em um concurso para escrivã da Polícia Federal.
"Eu quero continuar trabalhando com segurança pública.
Quem está ali é gente boa. Acredito nisso", completou.
A agente comentou ainda sobre a repercussão do caso na
imprensa e nas redes sociais:
"É importante como alerta para a sociedade. A lei está
aí para ser cumprida, para a gente se unir e ter um futuro melhor para filhos e
netos. Não podemos ser coagidos por nada".
Luciana também revelou que soube do movimento "vaquinha
virtual" para ajudar a pagar a indenização ao juiz João Carlos de Souza
Correa.
"Achei ótimo, mas, se Deus quiser, não vai ser preciso
pagar. Vou entrar em contato para ver se é possível fazer uma doação para uma
instituição de caridade", disse.
Entenda o caso
A decisão, publicada na sexta-feira (31), foi tomada pelo
desembargador José Carlos Paes, da 36ª Vara Cível do Rio de Janeiro. Ele
entendeu que Luciana “agiu com abuso de poder, ofendendo o réu, mesmo ciente da
função pública desempenhada por ele”.
A blitz da Lei Seca ocorreu na Rua Bartolomeu Mitre, no Leblon,
em fevereiro de 2011. O juiz João Carlos de Souza Correa conduzia um Land Rover
sem placas e não tinha carteira de habilitação.
Luciana, na condição de agente
de trânsito, informou que o veículo teria de ser apreendido e levado a um
pátio. O juiz, por sua vez, exigiu que o carro fosse levado para uma delegacia.
Ambos acabaram sendo levados para a 14ª DP (Leblon), onde o caso foi
registrado.
Conforme o G1 apurou à época, o juiz alegou que a agente
Luciana Tamburini foi debochada. Já a agente da Lei Seca disse que o magistrado
agiu com abuso de autoridade.
Luciana acionou a Justiça alegando ter sido ofendida durante
exercício de sua função. Ao analisar o recurso, o desembargador José Carlos
Paes alegou que “nada mais natural que, ao se identificar, o réu tenha
informado à agente de trânsito de que era um juiz de Direito”, considerando assim
que o juiz não agiu com a chamada “carteirada”, conforme alegou Luciana.
Para o desembargador, “em defesa da própria função pública
que desempenha, nada mais restou ao magistrado, a não ser determinar a prisão
da recorrente, que desafiou a própria magistratura e tudo o que ela
representa”.
Ao fundamentar sua decisão, o desembargador estabeleceu o
valor de R$ 5 mil a ser pago por Luciana ao juiz a título de indenização por
danos morais. De acordo com o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o juiz não
vai se manifestar sobre o caso.
Esclarecimento
A Operação Lei Seca divulgou nota onde esclarece que a
Corregedoria do Detran abriu um processo disciplinar para apurar a conduta dos
agentes da operação na ocorrência envolvendo o juiz João Carlos de Souza Correa
e não constatou qualquer irregularidade. Além disso, o registro de ocorrência
realizado pelo crime de desacato na 14ª DP (Leblon) foi formalizado como fato
atípico pela falta de provas.
De acordo com a nota divulgada pela Operação nesta
terça-feira (4) o juiz fez o teste do bafômetro, mas não portava a Carteira
Nacional de Habilitação e conduzia um veículo sem placa. Ao ser informado que o
carro seria removido para o depósito, o motorista acusou um dos agentes de
desacato. O veículo foi rebocado e ele recebeu duas multas, uma por não
licenciar o veículo e outra por não portar a CNH.
Segundo a Operação Lei Seca, todos os motoristas abordados
nas blitzes são submetidos aos mesmos procedimentos e a atuação dos agentes
está de acordo com a Lei.
A Operação Lei Seca é uma campanha educativa e de
fiscalização, de caráter permanente, lançada em março de 2009, pela Secretaria
de Estado de Governo do Rio de Janeiro. Desde então, até a madrugada desta
terça, quase dois milhões de motoristas foram abordados, 328.065 foram
multados, 67.901 veículos foram rebocados e 121.106 motoristas tiveram a CNH
recolhida.
Foram 128.660 condutores com sanções administrativas, sendo
que 4.263 deles também sofreram sanções criminais. Os agentes também realizaram 1.467.548 testes com o etilômetro.
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